Uma das frases mais citadas de Sá Carneiro diz que a política sem risco é uma chatice. É assim que está nos livros e é referida como um ensinamento, mesmo que os eleitores, em estudos de opinião, prefiram sempre o contrário: a estabilidade e a previsibilidade. Luís Montenegro já tomou certamente decisões certas e erradas, eficazes e desastrosas, mas há um traço na persona política do líder do PSD: arrisca. E o risco, quando dá certo, valoriza quem com ele joga.

Luís Montenegro arriscou quando disse que só governa se ficar em primeiro lugar nas eleições legislativas de 10 de março. Com as sondagens a darem como provável uma maioria de direita, o líder do PSD podia ter optado por guardar o jogo e “geringonçar” após o escrutínio. Mas manteve a coerência com que atacou a solução Costa em 2015. Arrisca a ter de se demitir e ir para casa, mas mantém a coerência.

O líder do PSD arriscou quando disse de forma cristalina “não é não” ao Chega, deixando claro que nunca fará um acordo com o partido de André Ventura. Com o crescimento do Chega, seria mais confortável ser esfíngico quando questionado sobre o assunto, mas optou por deixar claro que não o fará. Arrisca, mais uma vez, ir para casa se depender de Ventura para governar, mas não o podem acusar de ser dúctil.

Talvez tenha passado mais despercebido, mas ainda recentemente o líder do PSD arriscou também quando afrontou os polícias e disse que os boicotes que estavam a fazer eram inadmissíveis. Era mais confortável ficar ao lado dos polícias, culpar apenas o Governo (que também criticou com estrondo) e fazer pela sua vidinha eleitoral. Arriscou, mais uma vez, perder votos das forças de segurança para a direita securitária (como o Chega), mas mostrou firmeza e sentido de Estado ao não temer dar um “puxão de orelhas” às polícias em plena pré-campanha eleitoral.

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Nos Açores decidiu também arriscar, como tinha feito na Madeira (onde o risco foi mal medido). Voou para as Flores, foi de barco para o Corvo e impôs-se na noite eleitoral, em Ponta Delgada, mesmo perante o desconforto do PSD regional. Seria mais fácil ficar no continente e não arriscar estar ao lado de José Manuel Bolieiro quando o seu companheiro na bruma perdesse as eleições ou anunciasse que estava disponível para negociar com o Chega. Arriscou ficar mal na fotografia, ser o rosto da derrota, ver a sua convicção desautorizada pela autonomia regional, mas foi coerente e acabou por ser recompensado. Se na Madeira tinha sido acusado de se aproveitar da vitória, agora tinha de ir mostrar que não tinha medo da derrota nem da meia-derrota nos Açores.

José Manuel Bolieiro acabou por vencer e Luís Montenegro desvendou que muitos dos outros riscos são, afinal, calculados. Ou que têm, pelo menos, um racional estratégico. De uma assentada, o líder do PSD conseguiu impor o seu ousado plano: ficar em primeiro nas eleições, descartar o Chega e insistir governar com maioria relativa (recuperando a praxis parlamentar pré-2015, da qual ele próprio — ao contrário de Bolieiro — sempre foi um indefetível defensor).

A estratégia de Bolieiro mostra que a estratégia nacional de Montenegro será a mesma. Os adversários políticos têm dito que Luís Montenegro não tem forma de manter a coerência e que, se disso precisar, após 10 de março negoceia com o Chega. Já o líder do PSD tem insistido que não: que se ficar em primeiro vai levar o seu programa a votos e que, quem quiser, que derrube o Governo. É exatamente o mesmo que Passos Coelho fez em 2015, com a diferença de que, agora, pode haver uma maioria de direita.

Com esta posição, Montenegro — caso vença as eleições — coloca o ónus de uma eventual queda do Governo nos adversários, em particular no PS e no Chega, condicionando a decisão de ambos. Os analistas políticos dirão, por isso, que a estratégia de Luís Montenegro é um risco. Mas, no caso do líder do PSD, esse risco pode, com justiça, ser confundido com coragem política. No passado, o risco já o levou a falhar um impeachment a Rio ou assistir in loco ao início do fim da hegemonia da Madeira. Em março o risco continua. Em política morre-se muitas vezes, mas ressuscita-se outras tantas. Se assim não fosse, seria uma chatice.