Há uma semana que não faltam boas almas cheias de vontade de explicar que o PP não formará governo em Espanha por causa do Vox. É que o Vox, dizem-nos, permite à esquerda tornar a direita assustadora. Bem, espero que não se incomodem se vos pedir para esquecerem o Vox por uns momentos. Antes do Vox, já a direita em Espanha era assustadora. Deixem-me resumir a história. O PSOE passou a década de 1980 e a primeira metade da seguinte no poder. Enquanto mandou, propôs-se esquecer a guerra civil. Nas eleições de 1996, porém, o PP pareceu capaz de lhe disputar o poder. O PSOE não teve o mínimo problema em tirar a guerra civil da gaveta: o PP passou a ser fascista. Começou aí, logo que o PSOE viu tremer o seu domínio, a crispação que dura até hoje. Quando tem de entregar as chaves, a esquerda tende a deitar fogo à casa. Não foi preciso o Vox.

O problema para a esquerda não é o Vox. Se fosse, Sánchez teria aceite o pacto que Feijóo lhe propôs para deixar governar quem ganhasse as eleições. O problema, para a esquerda, é o PP, ou melhor: é a direita, toda a direita: liberal, conservadora, nacionalista. Para a esquerda, é tudo a mesma coisa. E em Espanha, não está errada, porque de facto, tal como em Portugal, essas várias correntes da direita coexistiram, em democracia, dentro de frentes eleitorais como o PP. Zapatero, ex-chefe de governo do PSOE, lembrou esta semana que o PP é “o pai do Vox”. Os dirigentes e os eleitores do Vox saíram de facto do PP. Santiago Abascal foi deputado do PP. O Vox em Espanha e o Chega em Portugal vieram da direita democrática. São, a esse respeito, diferentes do Rassemblement National em França ou dos Fratelli d’Italia. E é precisamente por isso que o Vox é um problema para o PP: aceitar o Vox é admitir que esses antigos eleitores e dirigentes não voltarão. Não seria melhor colaborar com a esquerda na estigmatização do Vox, tornar o partido infrequentável, e assim forçá-los a regressar a casa?

Percebe-se a tentação, mas tem três dificuldades. A primeira é esta: ajudar a esquerda a demonizar o Vox é caucionar a demonização da direita em geral, na medida em que a esquerda diz do Vox o que diz do PP. A segunda é que não resulta: em eleições que PSOE e PP tudo fizeram para polarizar, o Vox perdeu deputados, mas aguentou, tal como o Sumar à esquerda. A terceira é que ninguém acredita na exclusão do Vox. Para se manter no poder, o PSOE aceitou o Podemos, tal como está disposto a aceitar os golpistas do Junts e os terroristas do Bildu. Para chegar ao poder, o PP aceitará o Vox, como já aceitou em tantos governos locais: bastará que os dois somem uma maioria absoluta.

Era melhor as direitas estarem todas no PP? Era, no sentido em que se poupariam à mercearia das coligações, e à instabilidade e crises de demagogia de partidos novos. Mas o resto não seria mais fácil. O problema da direita em Espanha não é o Vox, mas os nacionalismos periféricos. Outrora equidistantes entre PP e PSOE, radicalizaram-se. Numa situação em que PP e PSOE dirigem dois “blocos” mais ou menos equivalentes, catalães e bascos desempatam, e agora desempatam a favor do PSOE. Resta ao bloco que o PP lidera chegar a uma maioria absoluta. Só aconteceu duas vezes. A última foi em 2011, depois de o PSOE ter levado a Espanha à bancarrota. Mas o BCE lá está agora para prevenir essas emergências. Que fazer? O bloco PP e Vox está a aumentar: valia 35,9% em 2019, vale 45,5% agora. Haverá quem, no PP, julgue que juntar-se à esquerda no ataque ao Vox é o caminho para fazer crescer a direita. Os sensatos pensarão que nada substitui boas ideias e boas lideranças, e terão razão.

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