Por estes dias, fica a impressão que a política portuguesa é o balcão de apoio ao cliente da IKEA: só se fala em devoluções. É Joacine Katar Moreira que quer devolver às ex-colónias o património que está nos museus portugueses, é André Ventura a querer devolver Joacine Katar Moreira ao seu país de origem e é a maior parte dos eleitores a questionar se não haverá hipótese de devolver Joacine Katar Moreira e André Ventura e trocá-los por deputados novos. Troca que nenhum fornecedor de deputados poderia recusar, pois tornou-se bastante evidente que, tanto num caso como no outro, faltam vários parafusos.

O eventual problema com esta troca é se Joacine Katar Moreira e André Ventura ainda estarão dentro da garantia. Sei que para grandes electrodomésticos a garantia é de 2 anos. A questão com estes dois monos é que, quando os mandámos vir, eram já bem visíveis os defeitos nas suas ideias políticas. E, nestes casos, não costuma ser possível devolver, ou pedir a reparação. É pelo menos o que diz o site da DECO Proteste. Mas por mim tudo bem. A garantia em que estou de olho é na que os dois deputados dão de que vai continuar a haver bastante sarrabulho na Assembleia da República.

Isto porque, mesmo depois da expulsão do partido e passando a deputada não inscrita, Joacine Katar Moreira está de pedra e cal no Parlamento. Foi a própria a confirmar que “enquanto a minha gaguez não desaparecer na Assembleia da República não saio de lá também”. É aqui que se vê que a deputada ainda não está completamente por dentro do funcionamento do Parlamento. É verdade que o Palácio de São Bento tem propriedades curativas, mas não funciona dessa forma. Normalmente, os parlamentares resolvem os seus problemas mas é só quando deixam o cargo. Quer dizer, suponho que com a gaguez também seja assim. Isto porque os casos que conheço de deputados que resolveram os seus problemas, logo que abandonaram a carreira, não foram casos de problemas de gaguez, mas sim de problemas de liquidez.

A propósito de liquidez, a passagem de Joacine Katar Moreira a não inscrita, resultará num corte do montante para actividades parlamentares de 117 mil euros para 57 mil euros anuais. É uma redução significativa, mas pelo menos temos a garantia da qualidade das propostas políticas ser impossível baixar. O meu receio é o efeito deste corte nas despesas de representação. Não tarda nada e, acompanhando o orçamento bem mais curto, veremos o assessor de Joacine a passear-se na Assembleia da República de mini-saia.

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Do que não há dúvida é que Joacine Katar Moreira e André Ventura estão no centro das atenções da política nacional. Um pouco como aconteceu com André Silva, do PAN, na legislatura anterior. Aliás, tal como com o PAN nessa altura, também o Livre e o Chega estão, agora, a viver o seu momento urso panda. São partidos exóticos, com um exemplar único da sua espécie, que no zoológico político suscitam imensa curiosidade por parte dos eleitores. Depois, se calha elegerem mais deputados — tipo PAN — perdem todo aquele fascínio inerente a serem uma ave rara e passam a granjear a popularidade de, digamos, um bando de pombos carregados de E. coli.

Graças a estas polémicas, assistimos à mais inesperada coligação negativa da história da política portuguesa. Esqueçam a coligação entre PS, PCP e BE, que evitou que o PSD governasse; esqueçam a coligação que PSD, PCP e BE ameaçaram fazer para diminuir o IVA da electricidade; a mais espectacular coligação negativa de sempre é esta entre o Livre e o Chega, que dá mesmo ideia de se terem mancomunado para se livrarem da Joacine Katar Moreira.

É como se costuma dizer: os extremos tocam-se. E, neste caso, é possível que se tenham tocado quando o Grupo de Contacto do Livre e aquele indivíduo que fez a saudação nazi num comício do Chega deram um high five, em jeito de festejo pela primeira expulsão de uma deputada negra na história da democracia portuguesa.