É uma grande injustiça, a que se junta uma magna cabala. Passam a vida a pedir que as pessoas pensem fora da caixa, sejam originais e quando alguém tenta ser um bocadinho criativo com o português e o uso das vírgulas cai o Carmo e a Trindade. O desgraçado com tendência para o arrojo termina a despedir-se. Nenhuma boa ação fica sem castigo.

Simpatizo muito com Feliciano Barreiras Duarte. Eu própria sofri um certo bullying anticriativo na escrita da minha tese de mestrado. Apesar de esta estar – digo-o com modéstia digna de Poirot – consideravelmente mais bem escrita e ser de leitura agradável (julgo inclusive que os leitores encontram uma lógica intrínseca em cada frase e percebem bastante bem aquilo que eu transmito – helas, esforço-me mas não sou tão criativa como Feliciano BD), a verdade é que também me aprisionaram a criatividade.

É certo que eu sabia que não podia escrever com ironias, sarcasmos, humor nem com o estilo mais leve destas crónicas, dos blogues, das redes sociais. Mas levei bastante a mal que os meus orientadores me informassem, com ar pesaroso, que não podia inventar palavras. Ora se há faltas na língua portuguesa de palavras que correspondam ao que quero dizer, como não sentir obrigação de inventar as ditas? Umas vezes torcendo palavras portuguesas, outras aportuguesando conceitos existentes em mandarim e inglês. Em boa verdade, era até um serviço cívico que prestava. Mas não convenci ninguém. Lá tive de usar aspas a cada palavra inexistente (mas de necessidade mais premente que um título para o Sporting).

Estou, portanto, pronta a lançar com Feliciano Barreiras Duarte uma petição, a ser discutida diretamente em conselho de ministros, passando por cima da AR, exigindo o fim da censura às liberdades criativas nos textos académicos. Tenho dito.

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Ou não, porque o caso Barreiras Duarte é um monumento à pequenez e à mediocridade que a política nacional faz proliferar. Ok, esta generalização não é justa. Conheço quem faz ou fez política, alguns amigos, outros até muito amigos, com lisura, competência e espírito de serviço. (Também conheço quem dê graxa estrepitosamente, se aproveite de amizades ou ligações familiares ou regionais ou dê nós de marinheiro na coluna vertebral para conseguir lugares.)

Também não é justo que se tome o relatório de mestrado de Barreiras Duarte, mais a novela de Berkeley, como exemplos paradigmáticos do nível das profissões dos políticos portugueses. Há quem tenha carreiras inatacáveis que implicam outras competências além do talento para a intriga. E quem não dependa das escolhas dos políticos acima para viver muito bem, obrigado.

Em todo o caso há demasiados Felicianos. E o que mais repugna, siceramente, é a pequenez. Nem conseguem ser uns Sócrates, que açambarcou vinte milhões de euros (esqueci-me: alegadamente). São simplesmente chicos-espertos, pequenos, não temendo o risco de se cobrirem de ridículo e vergonha (isto conhecendo os conceitos) por umas centenas de euros por mês.

É o político que mente sobre a casa onde vive para receber as ajudas de custo, inventando depois umas viagens teóricas mostrando que afinal até, pobrezito, recebeu menos. É a ostentação de pato-bravo com o poder que o leva a ligar as sirenes para toda a gente da terra ver que vem lá alguém muito importante. É o político que não sabe escrever mas tem vários livros publicados. É o académico que não fala inglês. É o político que embeleza o CV com o mesmo descaramento que um marialva dá uma palmada no rabo da secretária.

É um político barra académico que em vez de bom aluno era um estroina que terminou um curso superior, a custo, em onze anos com a estonteante média de onze. É um político que num mestrado e num doutoramento escapa à parte curricular (por que carga de água?) e é uma universidade que aprova estas pretensões – a quantos mais alunos foi dada esta dispensa? É uma tese mitómana à volta sobretudo do CV do autor, onde até cabe a quadra que no quarto ano ofereceu à jeitosa vizinha de carteira. É um júri de mestrado, composto inteiramente por políticos, que avaliou com nota indecorosamente alta aquela, perdoem-me o francês, mistela.

É um político vaidoso, intriguista e que destila veneno por quem não lhe oferece cargos. É uma juventude partidária que mais parece uma agremiação para formar malfeitores, composta por pessoas com claras deficiências básicas. São os políticos que nunca viveram fora das traiçoeiras estruturas dos aparelhos e jotas dos partidos, mimados que julgam que tudo lhes é devido, sempre convencidos que são iluminados com as respostas redentoras da humanidade – isto apesar de ignorantes em absoluto do mundo lá fora.

Enquanto pulularem os Felicianos, as Fertuzinhos – alguém sabe se a senhora deputada Sónia Fertuzinhos já devolveu o que recebeu por alegadamente viver a centenas de quilómetros de Lisboa quando afinal partilha casa lisboeta com o ministro Vieira da Silva? – e pequenos espalha-brasas similares, não contem com grande respeito dos eleitores. Depois não se queixem dos populismos anti-sistema.

Nota a despropósito.

Marielle Franco foi executada no Rio de Janeiro por, aparentemente, ter denunciado a violência policial e dos militares. Isto é condenável e há que condenar. Não vale a pena, no entanto, inventar que o motivo do assassínio foi o feminismo ou a bissexualidade ou o género ou a cor de pele de Marielle. E, já agora, como as vidas de esquerda não valem mais do que as de direita, aproveito para condenar outra morte. Não, não são as da Venezuela. Estou a ler um livro com memórias de Havana da expatriada cubana Gabriela Guerra Rey. Às tantas conta como uma vizinha que vivia numa casa em ruínas morreu por estar numa varanda que se desmoronou. Foi também executada – pela pobreza que o regime castrista impôs a Cuba. Vamos todos indignamo-nos, ok?