As nações não são imortais. Não faltam cadáveres na história das nações. A nossa longa história de quase nove séculos e as fronteiras mais antigas da Europa, fixadas pelo rei D. Dinis no Tratado de Alcanizes, em 1297, não nos garantem a imortalidade.

A próxima década é decisiva para o futuro de Portugal. Antes da pandemia covid-19, os desafios já eram enormes. Uma população a envelhecer — em 2030, cerca de 35% da população terá mais de 65 anos. Um enorme fardo de dívida pública e privada — superior a 300% do PIB. Um crescimento medíocre – ocupamos hoje o 21º lugar em PIB per capita na UE. Há três meses, o nosso futuro não parecia brilhante. Hoje, parece ainda mais sombrio. A covid-19 provocou mais um rombo na economia e um salto na dívida.

O plano de recuperação anunciado a semana passada pela Comissão Europeia traz algum alento. Nos próximos sete anos, Portugal pode ter acesso a cerca de 50 mil milhões de euros através do orçamento da UE – representam cerca de 25% do actual PIB português. A isto acrescem os restantes instrumentos já aprovados – do Mecanismo Europeu de Estabilidade, do Banco Europeu de Investimento e o instrumento SURE para apoio aos desempregados. Adicionalmente, os programas de compra de activos do BCE garantem baixas taxas de juro.

Não haverá tão cedo outra oportunidade para Portugal aceder a financiamento europeu em condições tão favoráveis. A próxima década é decisiva.

As crises são oportunidades para a mudança, para quebrar impasses. A UE e as suas lideranças parecem estar a aproveitar essa oportunidade. No início da resposta à crise, as dificuldades institucionais em encontrar soluções a nível europeu geraram alertas sobre os riscos para o futuro da UE. Por outro lado, a UE tem vindo a perder peso na economia mundial e o domínio económico e tecnológico dos EUA e da Ásia tem vindo a acentuar-se.

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Nesta crise, o eixo franco-alemão, reforçado com a presidência da Comissão Europeia e do BCE, assumiu a liderança da UE. A proposta da Comissão dá um passo no sentido do federalismo. Propõe aumentar os recursos próprios para 2% do PIB da UE, através de novos impostos sobre multinacionais ou empresas da área digital. Por outro lado, obriga os planos nacionais a inserirem-se em grandes programas definidos a nível europeu, nomeadamente na área da economia verde e digital.

Alguns podem ver aqui um risco para as soberanias nacionais.

Durante séculos, Portugal subordinou toda a sua estratégia à preservação da soberania nacional. O isolamento económico e o afastamento da Europa foram custos que tivemos de suportar para preservar a nossa independência. A Espanha só se tornou um parceiro comercial relevante após a entrada na Comunidade Económica Europeia em 1986. Em 1984, apenas 4% das exportações portuguesas tinham o país vizinho como destino. Em 2000, a Espanha já comprava 20% das exportações e era o principal mercado externo das empresas portuguesas. Paradoxalmente, a integração na UE abriu as fronteiras e, ao mesmo tempo, eliminou a ameaça de integração numa união ibérica. A solidez do ‘Estado Nação’ português é um activo para uma participação profícua num movimento federalista da UE.

Ao longo do tempo, a UE submeteu-nos a um conjunto de regras. Regras que afectam, por exemplo, o controlo da entrada de pessoas e mercadorias no território nacional ou as quotas para a produção agrícola e as pescas. A nossa política orçamental é vigiada pela Comissão Europeia, em Bruxelas. A política monetária é decidida pelo BCE, em Frankfurt. Não me parece que estas perdas de soberania sejam as causas dos males do nosso país.

Como a história de Portugal neste século comprova, as transferências de fundos europeus e a disponibilidade de crédito anunciadas não são uma garantia de desenvolvimento e convergência.

Uma boa aplicação dos fundos europeus exige qualidade institucional e liderança política. Tal como Miguel Poiares Maduro, vejo as condições impostas aos países para o uso do Fundo Recuperação como um catalisador de reformas estruturais.

No caso de Portugal, depois de Cavaco Silva, as reformas só aconteceram por imposição externa. Como dizia Vasco Pulido Valente, “a mudança veio de fora”. Num país geograficamente periférico, com escassos recursos e em muitos casos capturados por grupos de interesse, é difícil ser de outra forma. Mas não é inevitável que assim seja.

Para não sermos reduzidos a uma mera região numa Europa federal, precisamos de uma estratégia que quebre o longo ciclo de baixo crescimento em que vivemos desde o início do século XXI. Precisamos dessa estratégia há muito tempo. Descobrimos que afinal não existe. Para suprir esta lacuna, o primeiro-ministro António Costa convidou António Costa Silva, Presidente da Partex, uma empresa do sector petrolífero propriedade do Estado tailandês. É uma tarefa hercúlea para um homem. E revela dois problemas da economia portuguesa: a fragilidade das instituições e a incapacidade de pensar a longo prazo. A informalidade com que este processo, tão decisivo para o futuro de Portugal, foi conduzido não nos deve deixar sossegados. A Nação é valente. Mas não é imortal.