“Estamos numa batalha pelas nossas vidas. Mas é uma batalha que ainda podemos vencer”
António Guterres, sobre Alterações Climáticas

Das palavras de Guterres aos camuflados para levar a cabo vacinação voluntária, muito se gosta dos paralelismos com guerra em períodos de paz. Em dias como os que vivemos? São de muito mau gosto.

A semente de uma Europa unida germinou há 70 anos. Com a assinatura em 1951 do Tratado de Paris, nascia a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Inicialmente com 6 países, a Comunidade cresceu até à atual União Europeia, com 27 países, o citado Tratado expirou em 2002, e o Carvão em si, novamente passando por Paris e pelo Acordo de 2015, passou de motor económico a criminoso ambiental. Ainda há umas semanas tínhamos o espaço público embelezado com cartazes eleitorais do Partido Socialista a propagandear o fim do carvão. Coisa muito aplaudida: vinha aí uma vaga que faria esquecer as vagas da pandemia, muitos previam. Todavia poucos podiam adivinhar que em vez de secas ou furacões vinham tanques e mísseis.

Perante um ocidente escandalizado, estalou a guerra em solo europeu. Afinal, há preocupações bem mais terríveis e sangrentas que o clima. Não obstante, e independentemente de como o conflito começou e de como acabará, destas duas semanas já abundam lições, e também ambientais, a aprender.

A dependência europeia do gás russo, ou mesmo a venda de empresas e infraestruturas energéticas portugueses a chineses, hoje não parecem ideias assim tão boas. As sanções com que os europeus têm brindado os russos deixam de fora esta questão: todos os dias, a troco de gás e petróleo, voam 700 milhões de euros para a Rússia. Já pagamos preços astronómicos para aquecer a casa, para cozinhar ou tomar banho, para abastecer o carro para ir trabalhar. Vamos não só abdicar de tudo isso como também voltar a parar a produção para não alimentar a guerra? Quando ainda nem das paragens da pandemia estávamos refeitos? É que estas (as sanções) são armas que disparam em todas as direções. E não só nos mutilamos como as mutilações nos desgraçados povos das nações adversárias, possivelmente não doem a quem os comanda.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Estamos longe de ter o planeta povoado por uma grande família feliz. Até Fernando Medina e Miguel Matos já terão percebido que Vladimir Putin ou Xi Jinping não são nossos amigos do peito. As sociedades que vivem sobre as suas ordens, não funcionam como as nossas. Percebem agora porque Greta Thunberg tanto exige a nós e tão pouco a eles? Como esperar compromissos de solidariedade e união mundiais pelo clima, por quem nem direitos humanos básicos ou acordos consensuais respeita? Quão ingénuo é confiar neles para sacrifícios pelo bem comum? E como louvar os seus métodos autoritários para resolver os problemas dentro da nossa casa, quando os nossos hábitos são contrários?

Está, então, a ação climática à escala mundial condenada?

Não forçosamente, se se souber adequar. Se não descurar a importância do desenvolvimento económico até para libertar a mente para as preocupações ambientais. Procurando novas formas de ação – tanto se fala de mitigação e tão pouco de adaptação. Sem criar estas dependências que podem ruir tragicamente de um dia para outro. Sem pôr em causa o nosso modelo social. Vivemos numa sociedade livre assente em economia de mercado, e é dentro deste contexto que as soluções devem ser equacionadas. Sem radicalismos do ou tudo ou nada.

E é falso que há o fazer e o não fazer nada. O mercado faz, e de motores eficientes a carros elétricos, passando por novas energias, exemplos não faltam. Pode ficar aquém do quanto ou da velocidade que desejamos, mas antes passos curtos e seguros do que dar passos maiores que a perna que depois acabam em trambolhões. É por via do desenvolvimento, da inovação, da ciência e tecnologia, da primazia económica das soluções, que estas se podem efetivar e espalhar. Algo vantajoso acabará por se impor em todo o lado, sem necessitar de dormir com o inimigo que de um dia para outro pega nas combinações e dá o dito por não dito.

O Ocidente depara-se com a fria realidade: Rússia ou China não são companheiros, são adversários, dispostos à barbárie para tirarem vantagens, para nos pisarem em cima. Pena que não tenhamos acordado a tempo e que a situação tenha chegado a este ponto em que muito mais devemos fazer pelos Ucranianos, mas em que pouco ou nada podemos fazer pela Ucrânia. Que nos sirva para abrir os olhos.