Um jovem português diz-nos que não pede o passaporte para salvar alguém que se esteja a afogar, e eu digo: muito bem. Os seus amigos dizem-nos que não devemos discutir o que ele fez, agora que se trata de lhe salvaguardar os direitos perante os tribunais italianos, e eu digo outra vez: muito bem. Sim, estou de acordo: um náufrago, seja quem for, deve ser salvo, e um cidadão português, faça o que fizer, deve ter a devida assistência quando confrontado com justiças estrangeiras. Peçam-me para acreditar em tudo isso, que eu acredito. Só não me peçam é que aceite que uma história comovente baste para encerrar o debate sobre as migrações ilegais para a Europa.

É louvável estar num barco na costa líbia para impedir migrantes clandestinos de se afogarem; mas é talvez menos louvável que esse barco sirva para os transportar depois para a Europa, facilitando assim o trabalho das redes de tráfico de pessoas. A migração deriva, como é óbvio, do desnível de riqueza e de segurança entre a nossa parte do mundo e as que lhe estão próximas. Mas também é causada pela percepção de que é fácil entrar na Europa e imediatamente remunerador. Só assim tanta gente se dispõe à lotaria de travessias controladas pelo crime organizado. Contribuir para essa percepção é criar ilusões que só servirão para pôr ainda mais gente em risco.

Dir-me-ão: devemos então deixar morrer os migrantes que se perdem no mar? Claro que não. Isso significaria renunciar àquilo que somos e representamos. Mas de outra maneira, o que somos e o que representamos também está em causa quando, violando a lei, os migrantes desembarcam. Não, as coisas não são simples.

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