Até ao lavar dos cestos é vindima
(Provérbio popular português)

O incêndio da Serra da Estrela reacendeu. Os dados de satélite revelam que num único dia queimou uma área que equivale a praticamente metade do que havia ardido nos sete dias em que esteve ativo.

Nada disto é novidade. Portugal é o recordista mundial na percentagem de reacendimentos e não há quaisquer melhorias palpáveis face a esta negligência gritante:

  • O incêndio da Serra da Estrela reacendeu, tal como no mês passado em Ourém se passou pelo mesmo e a área ardida e a devastação acabaram por ser mais do dobro do que se verificava ao quinto dia, quando foi dado como apagado;
  • O incêndio de Castro Marim, no ano passado, estava dominado pela manhã após uma noite de combate, mas reacendeu à tarde e encheu o país com imagens de pânico;
  • Igualmente em Monchique, no ano de 2018, ao longo de nove dias, registaram-se nada menos que 93 reacendimentos, fazendo a diferença entre 600 ou 27.000 ha, e propiciando tensão e críticas várias no terreno;
  • Em Outubro de 2017, o mortífero e destruidor incêndio de Arganil e Oliveira do Hospital, assim como o de Leiria, que pintou de negro o Pinhal do Rei, foram ambos resultado de reacendimentos;
  • E podíamos continuar, que não saíamos daqui: por exemplo lembrando ou o mortífero verão de 2013, em que, ao fim de controlado no 1° dia, o incêndio de Mogadouro reacendeu, passando de 180 para 14.000 ha, ou como no Caramulo arderam 10.000 ha em 9 dias, com reacendimentos dia 21, 26, 28 e 29, dos quais resultaram tragédias humanas, ou ainda o inferno de 2005, fértil em reacendimentos que devastaram o Pinhal Interior e chegaram a entrar no perímetro urbano de Coimbra…

A vergonha deste desempenho fica espelhada, por exemplo, num Relatório da Comissão Europeia de 2016, que avaliou 25 países europeus, e apenas em Portugal este tema entrava nas contas, logo com nada menos que 20% do total de incêndios originado por reacendimentos… É preciso recuar a 2013 para ver este problema relatado para outros países (França e Roménia), ainda assim com valores residuais.

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Todavia, este continua praticamente um não assunto entre nós, não obstante a meta de 1% prevista no PNDFCI de 2006, e seu estrondoso falhanço. E quando é assunto, caso de ontem, ainda temos que ouvir o Comandante da Proteção Civil a dizer que é estranho e que, à boa maneira portuguesa, temos que investigar!

E por falar em investigar, hoje noticia-se que este incêndio será mesmo investigado pela Comissão Nacional para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, sob a égide da AGIF, com o objetivo de detetar aspetos que possam ser melhorados, quer no combate, quer na prevenção de fogos rurais.

Mais um relatório? Mais um para ficar fechado numa gaveta…

Se dúvidas houvesse:

  • O relatório de 2004, no âmbito do Projeto de Cooperação Técnica EUA-Portugal, alertava para o problema;
  • Mais recentemente o assunto foi visado também pelo estudo do MIT Portugal, de 2015 (entre outros assinado por Tiago Oliveira, presidente da AGIF), abordando o problema e seus contornos, como seja a “dupla função” dos bombeiros;
  • O relatório da Comissão Técnica Independente que avaliou os mega-incêndios de 15 de Outubro de 2017 expressava a preocupação com os reacendimentos, responsáveis por 24% das ocorrências, lembrando que os incêndios requerem um aturado esforço de rescaldo para serem efetivamente extintos, e deixando várias recomendações neste capítulo;
  • M. Beighley e A.C. Hydeo, no seu relatório Portugal wildfire management in a new era“, de 2018, voltam ao tema, considerando-o um problema prioritário que “sinaliza a necessidade de repensar a estratégia ou, pelo menos, reavaliar as táticas” até porque “os reacendimentos são incêndios absolutamente desnecessários que podem levar vidas preciosas e causar grandes danos às comunidades, indústrias e recursos naturais”;
  • Criado em 2018 e extinto recentemente, também o Observatório Técnico Independente fez uma avaliação a este problema num relatório de 2020, em que dá nota negativa ao desempenho.

Vários países têm aqui elevados padrões de exigência, que vão de equipas equipas dedicadas, que entram em campo exclusivamente para esta importante tarefa, a inquéritos aprofundados a esta irresponsabilidade. Cá? Cá bem podemos andar de relatório em relatório, que, pelos vistos, para pouco mais servem que para distrair a malta, fingindo que se está a fazer algo, que esta coisa de assumir falhas e responsabilidades não convém levar a sério. E assim, nunca sairemos da cepa torta.