O maior ativo de um político é a sua palavra, a sua credibilidade. Quando um político em poucos dias troca de partido, de ideologia, de convicções, dá razão à mais primária conversa de café. Eles são todos iguais. Eles só querem saber de eles próprios. Eles querem é tacho. Eles querem todos é poleiro. Os eles destas frases são, na alegoria da taberna, os políticos. Esses malandros.

António Maló de Abreu decidiu pôr fim a 40 anos de militância partidária no PSD em discordância com a direção de Luís Montenegro e passar a deputado não-inscrito, naquilo que é um direito legítimo. Nesse mesmo dia, o Observador revelou que estava a ser ultimada a candidatura do ex-deputado do PSD pelo Chega num dos círculos externos. Sobre estar em negociações com o partido de Ventura, Maló disse que era “mentira”, uma vez, duas vezes, três vezes. Na televisão deu garantias ainda mais cristalinas: um “não rotundo” a integrar as listas do Chega e a certeza de que não ia “mudar de camisola todos os dias“.

A desfaçatez ficaria confirmada dez dias depois quando o presidente do Chega, André Ventura, disse de viva voz que Maló de Abreu seria o cabeça de lista pelo círculo de Fora da Europa. O mesmo estará prestes a acontecer com Eduardo Teixeira (ex-presidente do PSD/Viana do Castelo) e Rui Cristina (que até há poucas horas era vice-presidente do PSD/Algarve). Apesar de serem segundas linhas, Ventura cria um embaraço que pode crescer caso estes ex-PSD sejam eleitos: como pode Montenegro argumentar que não conta com os deputados do Chega quando um deles (Rui Cristina) foi a pessoa que escolheu como número cinco do PSD pelo círculo do Algarve há poucos dias?

A aparente vitória de Ventura é, ao mesmo tempo, uma derrota. O líder do Chega colocou em letras garrafais no palco da Convenção de Viana do Castelo que é hora de “Limpar Portugal”. Prometeu, fazendo uso de uma expressão de Rui Rio (que deve estar a ferver a ver as escolhas do velho amigo Maló), um “banho de ética”. Ninguém, com o mínimo de honestidade intelectual, pode dizer que estas transferências inter-partidárias são eticamente irrepreensíveis. São o contrário: pouco éticas e sugerem falhas morais graves. Numa linguagem popular, são de uma grande lata. Numa linguagem populista, merecem o verbo no infinitivo: trata-se de Sujar Portugal.

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Mas pode sempre piorar. Tanto Maló de Abreu como Rui Cristina, mesmo com o Parlamento parado, mantêm-se deputados não-inscritos até ao fim da legislatura. Não há plenários e nenhum deles faz parte da Comissão Permanente. Isto significa que vão receber salário como deputados, mesmo sem trabalharem para tal, até meados de março. Podem até ficar mais tempo se o Presidente demorar a dar posse a um novo Governo e isso atrasar a posse do novo Parlamento. Quando podiam dar alguma nobreza à ignomínia que impuseram a eles próprios, decidiram continuar a receber dinheiro dos contribuintes. A taberna agradece a borla.

A arte do populismo também é misturar, confundir, criar listas. Mas isolar, não enquadrar, também seria. Em nome da honestidade, é indispensável dizer que há outros Malós — mesmo com motivações ou histórias diferentes. Em lugar elegível da lista do PSD por Lisboa, por exemplo, segue Luís Newton. Deixemos, por agora, a justiça e o caso Tutti Frutti e fiquemos “só” pela parte ética: Newton viajou até à China pago por uma empresa tecnológica no chamado Huaweigate; fez adjudicações a empresas de militantes do PSD e esteve envolvido em atos de cacicagem. Depois de tudo isto, chegará a deputado.

No PS até se pode desvalorizar que Pedro Delgado Alves tenha feito consulta prévia a empresas com os mesmo sócios ou o currículo criativo de Maria Begonha (citando Carlos César e os D.A.M.A.: “O que lá vai, lá vai”), mas é difícil entender que Pedro Nuno Santos permita que Davide Amado — acusado pelo Ministério Público de participação económica em negócio e abuso de poder — siga em lugar elegível na lista de deputados do PS por Lisboa. E estes são só alguns exemplos.

Os partidos, os do sistema e os que dizem estar fora dele, já não valorizam a ética, a imagem pública nem a credibilidade dos seus candidatos. Se valorizassem, não permitiriam ter nas suas fileiras alguns destes nomes. O chão da taberna está cada vez mais sujo. E os que não são iguais a todos os outros, uma maioria que tenta exercer a atividade política com ética e dignidade, não têm como não ficar com os pés pegajosos.