Para eles, o caso da GCD já acabou. Mas foi precisamente assim que Watergate começou, quando Nixon quis acabar com a discussão e impedir qualquer inquérito. Ao princípio, Watergate parecia pouca coisa: uns quantos intrusos apanhados na sede do Partido Democrata. O que fez de “gate” o sufixo de todos os escândalos políticos foi a tentativa de encobrimento. Nixon podia ter dito: uns colaboradores meus cometeram um crime com que eu não tive a ver, eles que prestem contas à justiça. Em vez disso, pagou-lhes para se calarem e procurou sabotar a investigação judicial. Daí a questão que envenenou a América entre 1973 e 1974: “que sabia o presidente, e quando é que soube?”

António Domingues pôs como condição para aceitar a presidência da CGD não ter de declarar o património. Sem isso, não aceitaria. Aceitou. Que lhe prometeu o ministro das finanças? Que sabiam o primeiro-ministro e o presidente da república, e quando é que souberam? A passagem de Domingues pela CGD tem pelo menos essa pergunta em comum com Watergate.

Porque é que o governo não responde? Nixon tentou obstruir o inquérito sobre Watergate porque temeu que, a partir desse caso, viesse a levantar o tapete sobre todas as outras operações ilegais que a presidência conduzia contra a oposição. E o que é que o governo receia no caso da CGD? Provavelmente, que o conhecimento da negociação com Domingues possa sugerir que não foi totalmente exacto perante o parlamento, e ainda que deixe à mostra a duplicidade, o manobrismo e a confusão com que se procura sustentar no poder.

Porque é que o governo não assumiu simplesmente o que combinou com António Domingues? Provavelmente, porque receou o banzé dos parceiros parlamentares, já perturbados pela polémica das remunerações. Mas então, porque insistiu em Domingues? Porque estava talvez muito empenhado em fazer da CGD mais uma TAP: uma empresa do Estado, mas de facto entregue a privados (no caso da CGD, à equipa de gestores de Domingues). Daí, a teia de equívocos.

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O maior segredo que o caso CGD ameaça desvendar é que este governo não tem condições para governar, e que a sua mítica “habilidade” é feita das “habilidades” e dos “erros de percepção mútuos” que vimos aqui ou na Concertação Social. Por vezes, dá “trapalhada”. Como poderia ser de outra maneira, quando o governo é chefiado por um político derrotado nas eleições e sustentado por dois partidos contrários a tudo o que é preciso fazer para garantir o financiamento do Estado e o relançamento da economia? Como poderia o governo viver de outro modo, senão pactuando com todo o tipo de facções e de interesses (veja-se, a propósito, a promessa de estender aos “grandes devedores” da banca uma “especial atenção”)? E como poderia resolver eventuais contradicções entre as várias facções e interesses, a não ser cultivando toda a espécie de “erros de percepção mútuos”?

O presidente da república teria de figurar nesta feira de enganos, por este motivo: a uma governação deste tipo, não basta, da parte do presidente, “cooperação institucional”; precisa de cumplicidade política. Este é um dos maiores perigos do actual governo para o regime: de tão fraco, acabará por comprometer tudo e todos.

Nixon caiu porque os americanos levam a sério os abusos de poder e as mentiras de quem exerce cargos públicos, e porque as instituições nos EUA funcionam. Por cá, qualquer governo está resguardado pela apatia pública e pela inoperância institucional. Estamos geralmente condenados a ficar só pelas suspeitas. Mas as suspeitas, se não chegam para derrubar um governo, chegam talvez para desacreditar um regime.