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Menos cavalos, mais watts e algum hidrogénio. Um balanço do Salão de Paris

A "belle époque" dos salões de automóveis parece ter chegado ao fim, mas ao celebrar 124 anos o Salão de Paris tentou manter o "élan" num sector que atravessa um período de grande turbulência.

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Sem o glamour e a atmosfera grandiosa de outrora, penalizado pela ausência de muitos construtores (para não escrever a maioria!), o Mondial de l’Auto chegou ao fim com a promessa de voltar em 2023, com mais espaço e duração. Aquele que já foi considerado o maior salão automóvel do mundo, com 1,5 milhões de visitantes nos melhores anos, decorreu em versão reduzida comparativamente à última edição em 2018: menos de uma semana em vez de duas e três pavilhões em vez de sete. Veja agora o balanço desta edição que confirma o impulso da mobilidade híbrida e elétrica, perante o fim anunciado dos motores a combustão, até 2035 na Europa.

Um OVNI em Paris?

O mais minimalista de todo o salão, e porventura um dos mais invulgares que pude ver ao longo dos últimos 30 anos, o stand da Hopium era o mais próximo que conseguiríamos estar de um sonho lúcido. Um imenso espaço vazio e depurado, em tons taupe e com uma trilha sonora ambiental a condizer, onde o Machina pontifica num disco lentamente rotativo. O protótipo a hidrogénio, desenvolvido pela equipa liderada por Olivier Lombard, CEO da Hopium, vencedor das 24 Horas de Le Mans na categoria LMP2 em 2011, impressiona pelo design e também pelas prestações anunciadas.

Com potência equivalente a 500 cv, a berlina de luxo que já tinha sido revelada em junho do ano passado, tem autonomia para 1000 km e é capaz de alcançar 230 km/h. A assinatura luminosa em LED é um detalhe estilístico que replica a ondulação da superfície da água, num modelo sem arestas projetado por Felix Godard, designer que já assinou colaborações com a Porsche, Tesla e Lucid. No interior, o ecrã em toda a largura do veículo atraiu a atenção do Presidente Emmanuel Macron, durante a visita inaugural.

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A assinatura de um protocolo entre a Hopium e o Crédit Agricole Consumer Finance para aquisição de 10 mil veículos a hidrogénio, cuja entrega deve iniciar-se a partir de 2025, marcou o último dia do salão. O acordo de fornecimento significa uma encomenda potencial de 1,2 mil milhões de euros, no que é considerado um forte contributo para o renascimento da indústria automóvel francesa através de um consórcio que agrega marcas como a Dassault e a Saint Gobain.

A fabricante encontra assim um parceiro financeiro com a solidez do grupo Crédit Agricole, que pretende liderar a transição para a mobilidade “verde” como principal instituição financeira da economia francesa. A Agilauto, subsidiária especializada em vendas e financiamento de automóveis, em França, vai ser a responsável pela oferta e disponibilização do carro a hidrogénio da Hopium.

Resistência francesa

A celebrar 60 anos de vida, a icónica R4 está de volta em modo elétrico, acompanhada neste desfile de protótipos por um estonteante R5 Turbo 3E, “E” de elétrico, com apenas 980 kg e potência equivalente a 380 cv. A Renault 4Ever Trophy foi uma das estrelas do salão, antecipando os traços do futuro B-SUV elétrico da marca que deve chegar ao mercado em 2025. Esta é a segunda remix de um modelo icónico do século passado, criada pelos designers da marca do losango, depois do emblemático Renault 5, apresentado em 2021.

O novo pólo industrial ElectriCity da Renault deve garantir a produção de 400 mil carros elétricos até 2025. Um deles será o novo Renault 5, que deve chegar ao mercado com preços a rondar 26 mil euros

Fabricado em França e com chegada ao mercado prevista para o início de 2024, o R5 é um dos pilares do ambicioso programa “Renaulution”, lançado por Luca de Meo. Visando o lugar do Zoe, o novo 5 tem o objetivo de democratizar o automóvel elétrico, através de uma política de preços e opções de compra mais acessíveis.

Até 2025, o novo pólo industrial ElectriCity da Renault deve garantir a produção de 400 mil carros elétricos, estando previsto que, em 2024, o novo Renault 5 chegue ao mercado com preços a rondar 26 mil euros. Além dos Mégane E-Tech e Arkana, a marca apresentou também o sucessor do Kadjar, o SUV compacto Austral (já guiámos) e o concept Scénic Vision que assegura o regresso daquele monovolume muito popular no mercado português.

SUV com custos de um diesel e sem bateria para recarregar. Guiámos o Renault Austral

Alpine elétrico e a hidrogénio

No espaço da Alpine, a par do já conhecido A110R, a berlinetta 100% elétrica A110 E-ternité é uma montra de soluções tecnológicas que definem o futuro da casa de Dieppe. A propósito do 60º aniversário do modelo, o A110 E-ternité é um desportivo elétrico que combina a agilidade com a leveza, ingredientes essenciais num carro deste segmento. A redução do peso, que é aliás um dos maiores desafios da eletrificação, foi sempre um dos argumentos mais fortes dos Alpine a gasolina. Por exemplo, o A110R é 34 kg mais leve que o A110S, equipado com o mesmo motor de 300 cv. Uma dieta que vale cerca de 25 mil euros, olhando para a diferença de preço em França.

Os carros de corrida são sempre estrelas e, no espaço dos normandos, o Alpenglow foi a sensação. Podíamos ainda ver de perto o Alpine A522, de Esteban Ocon e Fernando Alonso.

Além da Fórmula 1, a Alpine também está envolvida no campeonato de resistência e, a partir de 2024, vai contar com um protótipo baseado no Alpenglow, o protagonista que cativou mais atenções no stand da marca. Mais do que vencer em Le Mans, este modelo movido a hidrogénio revela elementos da nova linguagem de design da marca.

Quer ver como será o futuro da Alpine? Aprecie o Alpenglow

Dacia menos low-cost

A Dacia mantém-se fiel ao conceito original, privilegiando o essencial e estritamente necessário para produzir automóveis práticos para o dia a dia. Entre a gama de modelos apresentados, a maior atração foi o Manifesto, um veículo elétrico de lazer e aventura, muito leve, aberto e à prova de água, construído a partir de materiais reciclados. O protótipo com pinta de veículo lunar incorpora algumas soluções engenhosas, como os pneus sem câmara de ar ou o farol frontal que se pode retirar do encaixe para ser usado como projetor sem fios, durante a reparação de uma avaria ou num piquenique noturno.

A Dacia apresentou a nova imagem de marca e renovou a identidade visual da gama, com novo logótipo e novo lettering na tampa da mala, a surgir agora em branco com letras maiores. Mas, mais importante do que o visual, é a afirmação do novo posicionamento que reivindica uma abordagem value for money, ou uma relação qualidade/preço equilibrada, afastando-se do conceito low-cost.

Concessionários sim, descontos não, o essencial sempre. A fórmula para o sucesso da Dacia em entrevista exclusiva

Um Jeep elétrico?

A constelação Stellantis levou apenas três marcas, Jeep, Peugeot e DS, apostando nos SUV elétricos e híbridos. A première do Jeep Avenger, o primeiro elétrico da marca norte-americana, foi conduzida por Christian Meunier, o CEO da Jeep, numa cerimónia que contou com a presença de John Elkann e de Carlos Tavares, respetivamente o presidente e o CEO da Stellantis.

O Avenger é o maior lançamento da Jeep nos últimos anos, um B-SUV talhado para o mercado europeu e fabricado na Polónia, com tração elétrica para aventuras fora de estrada sem emissões. Meunier aproveitou para promover a assinatura 4Xe (pronuncia-se 4 por E) que passa a distinguir os modelos elétricos e híbridos da Jeep, como o Grand Cherokee que estreia uma versão híbrida plug-in, com 380 cv e um poderoso binário de 630 Nm.

Assente na mesma base do Peugeot 2008 e do Opel Mokka, o Avenger é o primeiro Jeep a oferecer uma versão exclusivamente a bateria

Ao lado do novo Avenger, tivemos oportunidade de conversar com Carlos Tavares que considera o facto de Portugal ter mais energias renováveis, em termos de percentagem de fornecimento de energia, um trunfo em relação ao resto da Europa. Sobre o caminho a seguir, o CEO da Stellantis aponta três vectores essenciais, a começar pela necessidade de “acelerar ainda mais a produção de energia renovável, até atingir 80%.” Em relação a países como Itália ou Alemanha que são muito dependentes do gás, ou como a França que estão muito dependentes da energia nuclear, “nós temos uma energia que é totalmente limpa e que não tem qualquer tipo de limitação por ser renovável.”

Depois “é preciso evitar o dogmatismo, para que se encare a realidade do poder de compra dos portugueses e combinar elétricos com mild hybrid até ao fim desta transição, quando já haverá volume suficiente nos elétricos para tornar os preços mais acessíveis”. Para Carlos Tavares, “não há uma solução meramente elétrica para Portugal. Portanto, temos de gerir o período entre agora e 2035 com uma certa dose de pragmatismo, ou seja, temos de juntar ao puro elétrico os veículos eletrificados como os mild hybrid”. Por fim, é necessário garantir a eficácia da rede de carregamento, apostando em “carregadores rápidos que possam carregar 80% das baterias em menos de 10 minutos, enquanto se toma um café.”

“Não há uma solução meramente elétrica para Portugal. Portanto, temos de gerir o período entre agora e 2035 com uma certa dose de pragmatismo, ou seja, temos de juntar ao puro elétrico os veículos eletrificados como os mild hybrid."
Carlos Tavares, CEO da Stellantis

O novo 408, um 9X8 e todos os DS

No stand da Peugeot, vários 408 de cores diferentes davam boas perspetivas do novo crossover cuja traseira segue a tendência revivalista dos fastback de outros tempos, com a altura digna de um SUV de vocação urbana. Mais espaçoso que o 508, o “inesperado” 408 recebe a última versão do i-Cockpit da Peugeot, um novo ecrã de 10 polegadas e vai estar disponível apenas com motorizações a gasolina e híbrida plug-in.

35.800€. Arrancam as encomendas para o Peugeot 408

A marca do leão também expôs uma versão do e-208, equipado com baterias maiores e um novo motor com potência aumentada para 156 CV. E além do 9X8 que quer vencer as 24 Horas de Le Mans em 2023, repetindo o êxito do 908, o fabricante francês tinha ainda prevista uma última surpresa que acabou por ficar apenas pelo logótipo “Inception”, porque do badalado protótipo nem sinal.

O já conhecido DS E-TENSE Performance é um superdesportivo elétrico, com 815 cv, que esteve em destaque no espaço da subsidiária francesa do grupo Stellantis, ladeado pelos DS3, DS4, DS7 e DS9. Para as selfies, estava exposto em posição vertical, o DS E-TENSE FE21 que participou no campeonato de Fórmula-E, idêntico ao que deu o título de campeão a António Félix da Costa.

O Peugeot 9X8 Hypercar, que foi apresentado na sua versão definitiva no Autódromo do Algarve, “voou” sem asa até Paris

Expresso do Oriente

A Vinfast nasceu como uma startup, no Vietname em 2018, com um crescimento tão acelerado que ultrapassou 150 mil veículos vendidos em apenas quatro anos. O SUV urbano VF6 é o modelo mais promissor da gama, comercializado em França por cerca de 25 mil euros, valor ao qual é preciso adicionar a renda mensal pelo aluguer das baterias. Presente pela segunda vez em Paris, a marca vietnamita anunciou a abertura de um concessionário em Montpellier no próximo ano.

BYD, WEY e ORA são marcas de origem chinesa que aproveitaram bem o Salão de Paris para expor os seus argumentos. Apesar de não registar ainda grandes volumes no mercado europeu, o cluster de construtores chineses está a instalar delegações em países do centro da Europa como a Alemanha ou os Países Baixos, de modo a facilitar a distribuição.

Líder em carros elétricos na China, a BYD (Build Your Dreams) fez brilhar os modelos que em breve vai comercializar em toda a Europa, incluindo Portugal. O Atto 3, um SUV compacto que recentemente obteve cinco estrelas nos testes EuroNCAP, o Tang, SUV de grandes dimensões e o Han, berlina em forma de coupé. A BYD apresentou ainda o Seal, um familiar médio, com ambição de ser um modelo mais consensual junto dos consumidores europeus.

  • ORA Next Cat

No grupo Great Wall Motors, a WEY e a ORA trouxeram os modelos WEY Coffee e ORA Cat, que adota um posicionamento mais sofisticado. A Wey apresentou o Coffee 01, um SUV híbrido plug-in que combina um motor a gasolina de 204 cv com um motor elétrico em cada eixo e bateria de 40 kWh. A ORA levou a Paris o Funky Cat GT, modelo compacto que é aposta do grupo chinês para o mercado europeu, com bateria de 48 kWh e 310 km de autonomia, apelando aos consumidores mais jovens e irreverentes. O ORA Next Cat foi apresentado como berlina desportiva, a fazer lembrar as linhas da primeira geração do Panamera, com o desenho característico de coupé de quatro portas.

Youtubers e outras atrações

Se as grandes marcas europeias não estiveram em Paris, o salão conseguiu reunir alguns exemplares raros e de coleção, a merecer especial atenção dos visitantes. Um dos stands mais concorridos foi o da dupla de youtubers, Sylvain Lévy e Pierre Chabrier, do canal Vilebrequin, que exibiram o seu “1000tipla”, nada menos que um Fiat Multipla superalimentado que debita 1000 CV. No mesmo espaço podiam ser apreciados modelos de competição como o Lancia Stratos ou o Delta S4, e vários GT como o Mercedes SLR, Porsche Carrera GT e um Pagani Huayra BC.

Os microcarros elétricos estiveram na ribalta, com diversas propostas como a do City Transformer, um veículo de dois lugares em linha que alarga os eixos para circular acima de 40 km/h. Aixam, Silence, XEV, Mobilize e os suíços da Microlino com um modelo que nos lembra o célebre Isetta, deram cor e animação aos espaços dos microcarros que além do baixo custo, dispensam licença de condução.

Portugal no mapa do Microlino. Eléctrico desde 14.990€

O NAMX (diz-se Namix) é outro projecto dedicado ao hidrogénio que começou como uma pequena startup e já tem o primeiro modelo, o HUV (H de hidrogénio) com assinatura de Pininfarina e que promete potências entre 300 e 550 cv. O sistema de fuel cell tem a particularidade de recorrer a pequenas cápsulas pré-carregadas que podem ser trocadas em estações de carga de hidrogénio semelhantes a máquinas de vending.

Última nota para a exposição de 16 Ferrari, comissionada para fins de beneficência, onde se podiam ver de perto vários exemplares da casa de Maranello como o LaFerrari ou o raro Monza SP2, equipado com um motor V12 de 810 cv e cuja produção foi limitada a apenas 499 unidades.

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Precursor dos salões internacionais de automóveis, organizado em Paris por uma equipa de pioneiros encabeçada pelo Marquês Jules-Albert de Dion, em 1898, o Mondial de l’Auto é um dos maiores eventos do género. Com algumas interrupções ao longo da sua história, o salão realiza-se de dois em dois anos desde 1998, de modo alternado com o Salão de Frankfurt, entretanto trasladado para Munique. Pontos de encontro entre construtores e o público, os salões permitem aos visitantes apreciar, tocar, experimentar e até comprar os carros do futuro. A celebrar 124 anos nesta edição, o Salão Automóvel de Paris foi sempre um palco privilegiado para estreias mundiais de modelos, inovações tecnológicas, estilos e tendências de design. Mas os tempos estão a mudar.

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