A troca de galhardetes entre o ministro Pedro Nuno Santos e Michael O’Leary, presidente executivo da Ryanair, ocorreu há 15 dias e creio que o país já terá desde então discutido tudo o que não importava — com destaque mais recente para a novela das tensões internas no PS. Talvez agora possamos abordar algo realmente importante, que consta das declarações de O’Leary: a opção política de o Estado investir numa companhia aérea a fundo perdido em vez de noutros sectores estratégicos, como na Educação das suas crianças. Não é um pormenor irrelevante: é a própria definição do que é, ou não é, uma prioridade nacional.

Sim, a posição de O’Leary serve a linha argumentativa dos seus interesses empresariais. Mas isso não lhe tira razão, muito em particular neste ponto: os cidadãos portugueses deveriam inquietar-se com as prioridades de um governo que prefere investir os euros disponíveis na TAP em vez de nas suas escolas. E isso tem obviamente implicações futuras, para as quais ficamos alertados ao verificar as despesas do Estado em Educação nos últimos 35 anos. Se analisarmos as execuções orçamentais (isto é, o dinheiro efectivamente investido), em percentagem do PIB, entre 1985 e 2019 (último ano com dados), constatamos algo extraordinário: desde 1987 que, na Educação, não se observava um investimento tão baixo em percentagem do PIB como em 2019. A sério, ninguém acha isto preocupante?

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Ache-se preocupante ou não, esta é uma boa métrica para medir politicamente a importância atribuída à Educação. Não é que o orçamento da Educação seja hoje menor do que o de há três décadas — pelo contrário, em euros, o investimento é agora superior. O ponto é que também o PIB português aumentou e, com esse aumento, tornaram-se maiores as potencialidades de investimento nas áreas estratégicas. Ora, a Educação foi preterida nesses investimentos estratégicos e tem ficado sucessivamente para trás nas prioridades: a partir de 2014, o seu peso em percentagem do PIB só caiu. Isto é, os seus aumentos orçamentais (em euros) ficaram sucessivamente aquém do aumento da riqueza criada no país e do potencial de investimento no sector. Ou seja, investe-se hoje na Educação muito menos do que seria possível, caso esta fosse prioridade nacional.

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Ora, isto é um exemplo cristalino de opção política. Não é sorte ou azar, muito menos destino. Governar passa mesmo por isto: definir prioridades em contextos de recursos limitados — sejam recursos orçamentais ou outros (conhecimento, tempo, pessoas). Se, em teoria, houvesse dinheiro para tudo, seria fácil. Como não há, torna-se forçoso decidir onde colocar o dinheiro que temos: um euro investido num sector é um euro que não se pode investir num outro sector. E com tantos desafios existentes na Educação, seja de infra-estruturas, de equipamento, de combate às desigualdades sociais ou de recursos humanos (em número e em remunerações), não se pode alegar que o sector possa dispensar esses investimentos.

Para onde foi então o dinheiro? Para onde o governo definiu ser prioritário. Entre outros exemplos, para a TAP. Uma empresa de prejuízos crónicos e que o governo decidiu resgatar, investindo mais de 3 mil milhões de euros, apesar de estar num mercado concorrencial onde outras empresas privadas assegurariam de bom grado os voos para território nacional. Na Educação ou noutro sector estratégico, onde nenhum privado se substitui ao Estado, esse dinheiro faria a diferença para melhor na vida de milhares de crianças — contribuindo, aí sim, para um desenvolvimento social e económico duradouro do país.

Estamos a sair de uma pandemia e de quase dois anos de arraso na economia e no desenvolvimento dos mais novos. Temos no horizonte a recuperação da nossa liberdade, mas também um período de necessária reconstrução. Vivemos, por isso, um momento-chave na definição do nosso futuro, em que as decisões políticas presentes moldarão o país para a próxima geração de jovens adultos. E, neste momento decisivo, foi preciso um CEO de uma empresa estrangeira aparecer para alguém dizer com estrondo o mais importante: estamos a decidir mal.