Cada época tem liberdades que lhe são próprias, muitas vezes incompatíveis com as liberdades de outras épocas. Tocqueville mostrou-o no que diz respeito ao Antigo Regime e à sociedade pos-revolucionária e, muito mais importante, a experiência da vida mostra-o a cada um de nós: pouco tempo basta para que certas liberdades permitidas pela sociedade desapareçam e outras novas surjam em sua substituição. E, naturalmente, quem tiver crescido com as liberdades antigas sempre sentirá a falta delas, cuja memória as novas não apagarão. Resta aceitar democraticamente o curso dos tempos, procurando preservar pelo menos a memória dessas antigas liberdades contra a força obliteradora do presente.

Dito isto, a par da tendência uniformizadora da democracia, com o fatal aumento da presença de um Estado tutelar, paternal e vigilante e a concomitante infantilização dos indivíduos, há algo que é quase uma perversão dessa mesma tendência e que age, cada vez com menos restrições, no sentido de contrariar as liberdades em geral, ambicionando não deixar praticamente reduto algum em que elas sobrevivam, nem sequer sob a forma da memória, tal como esta se exprime em atitudes, gestos ou palavras. E essa perversão é, nas nossas sociedades, representada por uma certa esquerda, que conjunturalmente parece ter tomado conta do espaço praticamente todo da esquerda tradicional, onde a memória e a prática da liberdade se encontravam ainda vivas e activas, ao ponto de quem, no interior dos sobreviventes dessa antiga tradição, a procurar ainda preservar, ser condenado, por um processo ao outro, ao silêncio e à irrelevância.

O que esta nova esquerda, que nos seus antecedentes é velhíssima, busca não se reduz ao desenvolvimento de um Estado tutelar. Isso, não apenas a velha esquerda como a maioria da direita o procura também, até porque é algo que acompanha a tendência geral à democratização uniformizadora da sociedade. É algo que visa a perfeita eliminação da sociedade como realidade distinta do Estado, a subjugação dos indivíduos e das suas acções ao controle estrito pelo Estado, sem margem de manobra possível. Ouçam Catarina Martins na televisão, ou qualquer representante da “ala esquerda” do PS, e é exactamente isso que é dito, sem papas na língua.

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