Na semana passada, cumprindo o mandato que lhe foi atribuído pelo Primeiro-Ministro, o Professor António Costa Silva (ACS), Presidente da Partex, apresentou ao Governo a sua Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social 2030.

A Visão Estratégica de ACS é apresentada num documento extenso, com uma excessiva repetição de ideias. Embora seja um documento intelectualmente estimulante, ganhava em ser mais conciso, focado e sustentado em dados. Há sugestões para as mais diversas áreas socioeconómicas, para os diferentes sectores da economia, dos mais tradicionais aos tecnologicamente mais avançados. Para o território e cidades. Para as políticas da habitação, da segurança social, da rede escolar ou do financiamento da economia. Para as infraestruturas. E também para o hidrogénio verde – um elemento muito presente nesta Visão de ACS.

Uma vantagem esperada, ao atribuir a um independente a elaboração do Plano de Recuperação, seria a sua liberdade para apontar direções e definir prioridades para a economia. Ao invés, ACS optou por um plano muito abrangente, no qual são contemplados uma miríade de sectores e áreas. O resultado é uma manta de retalhos.

A novidade na Visão Estratégica de ACS está na forma como relaciona a geografia, os recursos naturais, a globalização e a ação do Estado. A meu ver, há nesta Visão alguns equívocos.

ACS parte da geografia. Vê a posição geográfica de Portugal como uma vantagem e preconiza a afirmação do país como uma “potência atlântica do softpower“. Desta forma, ACS desvaloriza a nossa posição periférica e o facto de a economia mundial estar cada vez mais centrada na Ásia e no Pacífico. Ao contrário do que sugere ACS, foi quando Portugal se virou para a Europa –  com a adesão à EFTA em 1960 e depois à CEE em 1986 – que registou o seu melhor desempenho económico e nos tornámos um país desenvolvido. A desvalorização da Europa como espaço de integração e de desenvolvimento económico é ainda mais surpreendente, se tivermos em conta o objetivo deste documento: definir uma estratégia articulada com a estratégia da UE.

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ACS surpreende também com a centralidade que atribui aos recursos naturais do país. A valorização dos recursos endógenos é de facto importante. Por exemplo, não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar recursos como o lítio, sobretudo quando a UE definiu a produção de baterias como uma cadeia de valor estratégica. A minha questão é outra. De acordo com as estimativas, Portugal dispõe apenas de 0,4% das reservas mundiais de lítio. Desconheço as estimativas para os outros minerais estratégicos. De qualquer forma, parece-me exagerado usar a Noruega como modelo a seguir na gestão dos recursos naturais, quando não há comparação possível entre os dois países neste domínio.

Na Visão Estratégica de ACS, a centralidade dada aos recursos naturais surpreende por outro motivo. A atenção dedicada aos recursos humanos é relativamente escassa. A dinâmica das economias é, cada vez mais, determinada pela capacidade de gerar, atrair e fixar talento. É o talento que atrai o investimento empresarial com capacidade de transformar a estrutura produtiva e de a transportar para patamares superiores da cadeia de valor. É este o caminho para melhorar os salários dos portugueses.

Na análise que ACS faz do papel do Estado, parecem-me existir também alguns equívocos. Aqui, como noutras partes do documento, a sua Visão parece desfasada da realidade portuguesa. Ao contrário do que sugere ACS, a estagnação da economia portuguesa não está associada a uma diminuição do papel do Estado. Pelo contrário. Até à crise das dívidas soberanas, a importância do Estado em Portugal não parou de aumentar. Em 2009 e 2010, a despesa pública, em percentagem do PIB, ultrapassou os 50%.

O baixo crescimento da economia portuguesa não é o resultado de um Estado pequeno, mas sim o resultado de um Estado grande, fraco, capturado por grupos de interesse, ineficiente. As políticas públicas seguidas desde os anos 90 privilegiaram o mercado interno e os sectores não transacionáveis. De alguém que tem como referência o livro de Daron Acemoglu e James Robinson, “Por que falham as nações?”, esperava mais atenção à qualidade das políticas públicas. Esperava também mais cautela na formulação de propostas para grandes infraestruturas como linhas de alta velocidade, aeroportos ou portos, ou de projetos como o hidrogénio verde.

ACS reconhece que uma economia pequena, sem escala, para crescer, tem de se inserir na economia mundial. No entanto, a sua posição sobre a globalização é um pouco ambígua. É certo que a globalização foi promovida pelo Consenso de Washington. Porém, jamais teria atingido os atuais níveis de integração sem a revolução das tecnologias da comunicação e da informação e sem a redução dos custos de transporte.

Um dos falhanços da economia portuguesa nas últimas décadas foi a incapacidade de acompanhar a velocidade da transformação tecnológica e da globalização. ACS é omisso em relação às causas daquele falhanço.

O mundo descrito por ACS é um mundo cheio de oportunidades. No entanto, a Visão de ACS pouco nos diz sobre as nossas vantagens competitivas e riscos no contexto da estratégia de reindustrialização da UE. Um dos maiores riscos é a concentração de mais indústria nas regiões já muito industrializadas. Portugal pode tornar-se ainda mais periférico.

A geografia não pode ser uma fatalidade. Para que não o seja, é fundamental tê-la na devida conta quando avaliamos as nossas vantagens competitivas. ACS não o faz, talvez porque a sua Visão Estratégica está mais orientada para o Atlântico do que para a Europa. Um equívoco que nos pode sair muito caro.