Depois de Augusto Santos Silva foi a vez de o primeiro-ministro socialista ser aplaudido pela direita no hemiciclo. Na reunião da Comissão Permanente da Assembleia da República que preparou o Conselho Europeu de quinta e sexta-feira, António Costa atacou a posição comunista sobre a invasão da Ucrânia e foi aplaudido pelas bancadas do PSD e do CDS.

O PCP fez mais uma intervenção em cima do muro: pela paz mas sem condenar a Rússia ou admitir que a Ucrânia foi invadida. Os Verdes foram pelo mesmo caminho, atacando a linha “belicista” da União Europeia. E na resposta, António Costa juntou os dois para afirmar que neste caso concreto tem de haver mais definição: “Aí não podemos dizer que somos ser fiéis da balança onde dois pesos são iguais. Não são, há um país que estava em paz e outro que desencadeou a guerra”.

Foi quando Costa disse esta frase que se ouviram palmas no hemiciclo. Vinham da bancada socialista, mas também dos deputados do PSD e de Telmo Correia, que representou o CDS neste debate (o último em que o partido participou no plenário, já que não elegeu nenhum deputado para a legislatura que começa na próxima terça-feira). O mesmo já tinha acontecido na última ida do ministro dos Negócios Estrangeiros ao Parlamento, tal como anotou o Observador.

E não ficou por aí na condenação ao seus antigos parceiros de governação, PCP e PEV, ao dizer que a Ucrânia está “a ser vitima de uma guerra de forma criminosa”. E ainda, sobre à oposição à intervenção da NATO, dizendo que “a paz não se defende só com manifestações a dizer ‘não há guerra’, mas com manobras dissuasoras” como as levadas a cabo pela Organização. “Não vamos participar na guerra, mas na defesa contra a guerra e a ameaça contra a guerra”, concluiu.

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O aplauso da direita a António Costa surgiu minutos depois da intervenção do PCP, que voltara a mostrar o isolamento dos comunistas nesta matéria, com a qual apenas o seu parceiro de coligação, o PEV, mostra estar em sintonia.

Se na semana passada o PCP, pela voz do deputado Bruno Dias, criticara duramente os “falcões do militarismo” – saco em que metera a União Europeia e a NATO – desta vez coube à próxima líder parlamentar, Paula Santos, esclarecer mais uma vez a posição do PCP. Mais uma vez, sem condenações diretas da Rússia e de Vladimir Putin, mas com críticas à Europa, à NATO e ao Governo português.

Criticado por todos os lados nas últimas semanas pela posição sobre a invasão da Ucrânia, o PCP voltou a fazer questão, logo no arranque da declaração, de frisar que é “pela paz”. Mas isso, insistiu, passa por “pôr fim à escalada do conflito” e promover uma solução negociada, para chegar a uma “arquitetura de segurança na Europa”. Ora para o PCP o que o Governo, UE e NATO estão a fazer é o contrário: “A continuação da política de confrontação, com mais ameaças e sanções. Não se põe fim à guerra insistindo no caminho que conduziu a ela”.

Por isso, na ótica dos comunistas, o “aumento das despesas militares” – por oposição a investimento em saúde, educação ou serviços públicos – ou a isenção de IVA “de que se fala” para compra de equipamento militar – quando são aplicadas taxas máximas de IVA na eletricidade” – mostram a promoção de uma “abordagem de confrontação”. Mais: as próprias sanções apenas “penalizam os mesmos de sempre, os trabalhadores e o povo”. Por isso, com um Parlamento e um Governo a defenderem sanções contra a Rússia, os comunistas voltaram a ficar sozinhos – exceto pela voz do PEV, que também criticou a política “belicista” da UE – e sob a crítica das outras bancadas.

No resto do Parlamento, consenso em duas frentes: por um lado, a exigência sobre a baixa dos preços dos combustíveis; por outro, posições de condenação da Rússia e de apoio à Ucrânia em termos bem diferentes dos que o PCP defendeu. No Bloco, condenava-se a “destruição de um país”, insistindo que a solução tem de passar por uma conferência de paz promovida pela ONU, dadas as negociações bilaterais infrutíferas entre Rússia e Ucrânia.

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No PSD, no que toca a política internacional, mais consenso contra o “ditador russo” e até um pedido para que o resto da oposição adote a mesma postura: se as sanções têm um “efeito boomerang” indesmentível sobre a economia europeia, esse será o preço a pagar para fazer frente à Rússia; e o Governo deve tomar as medidas necessárias para esse efeito sem ter “aproveitamentos populistas” a servir de obstáculo.
Fosse o PAN (que quer o presidente ucraniano a falar no Parlamento português), Iniciativa Liberal ou Chega a falar, quanto à intervenção da Europa e da NATO, a ideia seria a mesma. A única outra nota dissonante teria mesmo a ver com outro dos efeitos da guerra: a crise humanitária e de refugiados que desencadeou.

Sobre esta questão, André Ventura, do Chega, disse que “estes [refugiados] não são iguais a outros, que vêm de sítios onde as bombas não estão a cair, como os que vêm do Afeganistão pôr as nossas mulheres de burca e sacar subsídios”. As bancadas da esquerda protestaram enquanto ainda ouviam o deputado do Chega continuar a dizer que quer “um país para os que cá estão há décadas a trabalhar”.

Costa não deixou passar a afirmação que classificou como “desplante” de Ventura, reafirmando que o tratamento dos refugiados é indiferente da origem. “As pessoas que estão a chegar estão altamente traumatizadas, passaram por violências horríveis e não sabem se vão conseguir regressar”, por isso  “não vale a pena ter excesso de expectativa sobre a integração das pessoas na sociedade”.

Os números de segunda-feira davam conta de “17.504 refugiados em Portugal”, vindos da Ucrânia, segundo António Costa. 6.200 são menores, detalhou o primeiro-ministro que disse ainda que mais de 600 já estão a frequentar a escola pública”. Neste ponto concreto, Costa ouviu Telmo Correia, do CDS, dizer estar “plenamente de acordo” com a resposta nacional à situação dos refugiados.

No final do debate Costa pediu a palavra para se despedir dos Verdes, mas sobretudo do CDS, “um dos partidos fundadores da nossa democracia, que sempre tem contribuído para a formação do Estado democrático”. Na despedida lembrou as discordâncias e o curtíssimo espaço de tempo em que PS e CDS estabeleceram um acordo de incidência parlamentar que durou apenas sete meses em 1978. Foi a última vez que se ouviu o CDS no plenário da Assembleia da República — a nova legislatura arranca a 29 de março, sem o partido representado pela primeira vez na história da democracia portuguesa.