24 de Novembro de 2021: o pior dia desde Julho. 30 de Novembro: a pior terça-feira desde 5 de Fevereiro. 4 de Dezembro de 2021: o pior dia desde Fevereiro. 5 de Dezembro de 2021: o pior domingo desde o pico da terceira vaga. 13 de Dezembro: incidência nunca esteve tão alta desde a introdução da matriz de risco. 19 de Dezembro de 2021: o pior domingo desde Janeiro. 20 de Dezembro de 2021: a pior segunda-feira desde 1 de Fevereiro. 21 de Dezembro de 2021: dos piores dias desde Fevereiro ou, noutra formulação, o 2º maior número de casos desde Fevereiro. 22 de Dezembro: o maior número de casos desde Fevereiro. A lista é inesgotável e a tendência é transversal a todos os órgãos de comunicação. E, graças à Ómicron, como Portugal baterá recordes de número de casos, tudo indica que para breve virão as manchetes de “pior dia da pandemia”.

Não sei avaliar se o jornalismo ficou por si próprio viciado nesta contabilidade negativa de “piores dias” da Covid-19 ou se são as pessoas que estão obcecadas com esta forma de olhar para a realidade — e os jornais apenas lhes dão a informação como elas a procuram. É como decidir quem chegou primeiro, o ovo ou a galinha. Mas sei isto: esta fixação com os “piores dias” de Covid-19 impõe uma percepção sobre a contenção da pandemia que está completamente errada, porque nos sugere que estamos a piorar ou piores do que estávamos há um ano — desorientando a opinião pública. Ora, tal não poderia ser mais falso: nunca estivemos tão protegidos da Covid-19.

Note-se que não estou a acusar a comunicação social de escrever falsidades, nem a sugerir a existência de conspirações mundiais de desinformação. Estou a constatar que, demasiadas vezes, a comunicação social adopta uma difusão facilitista (e por isso deturpada) dos dados da Covid-19 — alimentando o medo —, em vez de uma visão crítica e construtiva sobre essa informação. O exemplo mais evidente desse simplismo está na comparação directa entre números de infecções diárias de agora e de há um ano. Essa comparação é suportada por dados oficiais? Sem dúvida que sim. Mas, apesar disso, equivale a comparar duas realidades incomparáveis, por dois motivos. Primeiro, as pessoas não estavam vacinadas e agora estão, pelo que as infecções de Covid-19 implicam hoje uma proporção muito mais baixa de doença grave, internamentos ou mortes. Segundo, agora faz-se (mesmo) muito mais testes, pelo que é normal que, em números absolutos, se detectem mais casos positivos. Acresce que, nessas testagens em massa, as infecções estão a ser detectadas, maioritariamente, em populações abaixo das idades de risco (e frequentemente sem sintomas), porque são esses que mais se testam para frequentar espaços públicos onde o acesso está dependente de testes negativos.

Ao adoptar esta contabilidade de “piores dias” da Covid-19, a comunicação social está involuntariamente a contribuir para a percepção de uma degradação da contenção da pandemia. Ora, esta inclinação tem consequências para o debate público e a decisão política. Transmite uma ideia de retrocesso, de recomeço, de voltar à estaca-zero, que é não somente enganadora como geradora de frustração e alarmismo. Frustração, porque faz muita gente questionar a eficácia da vacinação — afinal, se estamos “pior”, para que servem todas as medidas e quando é que há a prometida luz ao fundo do túnel? Alarmismo, porque multiplica o medo e a pressão pública para a introdução de medidas eventualmente desproporcionais — se o retrato da situação actual é realçado pela negativa, as medidas de contenção exigidas ao Estado reagem à tendência e são mais severas do que poderiam ser.

Vive-se uma fase de desorientação geral, na qual a histeria tomou conta do planeamento, os medos abafaram os factos e à ciência se pede que vergue perante a política. Em parte, isso traduz o desnorteio face à incerteza trazida pela variante Ómicron. Noutra parte, é consequência de uma percepção errada sobre o que está realmente a acontecer. É preciso reganhar o controlo. E, já que é necessário começar por algum sítio, que seja por aqui: na forma como a informação é tratada — com menos alarmismo e com mais ponderação.

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