Se houve partido, no tempo da geringonça, que escandalizou a direita e lhe fez ferver as redes sociais, foi o PAN. Nem Joacine causou tanta irrisão. Para os opinadores oficiais e oficiosos da direita, o PAN era a caricatura do inimigo: entusiasta de todo o wokismo, hostil ao “mundo rural”. Nenhum outro partido da extrema-esquerda, nem mesmo o BE, parecia negar mais perversamente os “valores fundamentais” pelos quais a nossa direita estava disposta a morrer de espada na mão. E isto foi assim até ao passado fim de semana, quando PSD e CDS, os partidos históricos da direita portuguesa, se propuseram subitamente governar com o PAN. Não é que não tivessem alternativa. Tinham a IL, se não quisessem o Chega. Mas escolheram o PAN.

Este acordo (e nem vou aqui discutir, por o não merecer, o argumento da direcção do CDS de que não viu nada) pode ser lido de duas maneiras. A primeira é esta: ao recorrerem ao PAN, PSD e CDS aceitaram o princípio de António Costa de que não há linhas vermelhas à esquerda. À esquerda, não interessa o que os partidos representam ou propõem. Até podem ser os Khmeres Vermelhos. Desde que tenham deputados, contam para coligações e acordos. Os únicos partidos para os quais há linhas vermelhas estão à direita: o Chega, e por vezes parece que também a IL. A ser assim, a extrema-esquerda em Portugal passaria a ser o fiel da balança do poder sempre que não houvesse maioria absoluta do PS ou de PSD e CDS. O que quer dizer que os herdeiros do totalitarismo comunista e os sectários do wokismo poderiam aspirar a manter uma influência constante na governação e nas políticas públicas, estivessem no poder o PS ou o PSD e o CDS.

A outra maneira de interpretar o acordo da Madeira é esta: para fazer passar um governo e um orçamento, todos os votos contam, e pouco importa donde venham. Mas então, como entender a exclusão da IL e a promessa de Luís Montenegro de não fazer coligações com o Chega? Por causa do que esses partidos representam e propõem? Mas se a diferença de valores já não importa no caso do PAN, porque importa no caso do Chega ou da IL? Poderíamos ainda perguntar, aliás, se esses partidos representam e propõem alguma coisa que PSD e CDS não tivessem representado ou proposto. Que tem dito o Chega sobre segurança e migrações que não tivesse dito o CDS, quando a esquerda via em Paulo Portas o “líder da extrema-direita portuguesa”? Que tem dito a IL sobre impostos que não tenha dito o PSD, quando a esquerda tratava o “choque fiscal” de Durão Barroso como a declaração de guerra do “neo-liberalismo”? É claro que nada disso importa. O que importa é que PSD e CDS na Madeira não precisaram da IL e do Chega, ao contrário do que aconteceu nos Açores, e por isso preferiram um parceiro que lhes pareceu mais “maleável”. Foi, aliás, o que explicou Montenegro: não fará “coligações” com o Chega “porque não precisamos”. E enquanto não precisa, interessa-lhe contribuir para a estigmatização do Chega e da IL, a ver se, assim, convence os eleitores que julga ter perdido para esses partidos de que as suas novas opções de voto são inúteis ou vergonhosas, e devem regressar. Mas a partir de agora, toda a gente sabe o que PSD e CDS farão se “precisarem”: tudo, seja com quem for.

Esta semana, o líder do PP, Núñez Feijóo, não conseguiu ficar no governo de Espanha por se recusar a pactuar com os golpistas catalães. Luís Montenegro e Nuno Melo devem ter ficado perplexos com os escrúpulos desse bom homem. Eles não teriam hesitado, como não vai hesitar o líder do PSOE. A escola do PSD e do CDS, os partidos históricos da direita portuguesa, é agora a de Pedro Sánchez, e não a de Feijóo. Sim, chamemos a isso “clarificação”, para não termos de lhe chamar outra coisa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR