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Quase dez meses depois, Portugal volta a entrar em confinamento geral, numa altura em que cada novo dia é sempre pior do que o anterior e em que o número de doentes internados em unidades de cuidados intensivos ultrapassou pela primeira vez as seis centenas.
Há quase dez meses, um dia antes de as medidas de confinamento entrarem em vigor, à meia-noite do dia 22 de março, havia 1.280 infetados em todo o país com o novo coronavírus e a conta de óbitos da pandemia chegava aos dois dígitos: 12. Agora, no segundo dia do novo confinamento, com os portugueses novamente fechados em casa, são já 8.709 as mortes por Covid-19 a lamentar — 166 nas últimas 24 horas —, e mais de meio milhão de pessoas já testaram positivo para o novo coronavírus em Portugal. O maior número de contágios num só dia, 10.966, foi registado este sábado.
Escolas abertas, teletrabalho obrigatório. As medidas, ponto por ponto, do novo confinamento
Para além das diferenças gritantes nos números e das regras do “fique em casa”, que desta vez também são outras, o país que à meia-noite desta sexta-feira, 15 de janeiro, entrou em confinamento é um país diferente daquele que em março do ano passado se trancou, ainda o vírus era um inimigo praticamente desconhecido e a vacina uma miragem que muitos especialistas garantiam ser quase impossível de alcançar. Na economia e na vida quotidiana recuperamos as principais diferenças e mostramos-lhe o antes e o depois.
Máscaras
Como estava o país no primeiro confinamento: Escasseavam, tal como o álcool etílico e o álcool gel
Como está o país no novo confinamento: A utilização é generalizada e obrigatória e não há quebras de produção, nem de máscaras cirúrgicas nem de comunitárias
Três dias depois do início do confinamento, Graça Freitas utilizou pela primeira vez a expressão “falsa segurança” associada às máscaras, que só no último dia de abril, mais de um mês depois, viriam a tornar-se obrigatórias em locais fechados como transportes públicos ou supermercados.
Apesar de as autoridades de saúde não o recomendarem, os portugueses começaram a corrida às máscaras logo em fevereiro, quando foram vendidas 419.539 embalagens, quase cinco vezes mais do que no mês anterior, que também já tinha registado mais vendas do que numa fase pré-pandémica. De acordo com dados da Associação Nacional de Farmácias, entre fevereiro de 2019 e fevereiro de 2020, registou-se em Portugal um aumento de 1829% na venda de máscaras.
Nessa altura, as máscaras comunitárias ainda não eram uma realidade e as cirúrgicas, cuja utilização era desaconselhada à população em geral, escasseavam até nos hospitais e centros de saúde, onde médicos e enfermeiros recebiam indicações para utilizar durante um dia inteiro de trabalho o equipamento de proteção que devia ser descartado, no máximo, ao fim de quatro horas.
A escassez e a procura fizeram disparar os preços, com alguns supermercados a terem à venda caixas de 100 máscaras descartáveis por 150 euros. No caso do álcool, gel os stocks também esgotaram, o que levou o Infarmed a partilhar com as farmácias a receita para fazer o composto de forma artesanal.
Depois, em abril, a situação estabilizou, os stocks foram repostos e as máscaras comunitárias, devidamente certificadas pelas autoridades de saúde, passaram a ser mais uma opção, com a indústria portuguesa a mobilizar-se para a produção e até exportação, tanto de máscaras descartáveis como reutilizáveis.
Supermercados
Como estava o país no primeiro confinamento: Açambarcamento, prateleiras vazias e esperas de quase um mês para receber compras em casa
Como está o país no novo confinamento: Portugueses estão a comprar um pouco mais, mas não há corrida aos supermercados
Apesar dos pedidos da diretora-geral de Saúde — “Não açambarquem!” — vários dias antes do primeiro confinamento os portugueses estavam já a fazer fila à porta dos supermercados, antes da hora de abertura, para abastecerem as despensas de conservas, leite e papel higiénico, os produtos que mais rapidamente esgotaram na altura.
Nessa fase não havia lotação máxima de pessoas por loja, podiam comprar-se bebidas alcoólicas a qualquer hora do dia e os clientes de máscara eram uma exceção, mas quase todos usavam luvas. Os relatos de filas e de prateleiras vazias, aliados ao medo do vírus, fizeram com que muitos se virassem para as compras na Internet, o que fez com que as lojas online dos supermercados também começassem a entrar em rutura. Na Auchan foi implementado um sistema de fila digital, depois de mais de 70 mil pessoas terem tentado fazer compras ao mesmo tempo, provocando uma sobrecarga do site. No Continente Online, na zona da Grande Lisboa, a 20 de março já só havia datas de entrega disponíveis para 15 de abril, praticamente um mês depois.
Agora, tal como nos dias que antecederam este novo confinamento, é possível encomendar no Continente e receber as compras em casa, em Lisboa, em 3 dias. Na Auchan, na mesma zona, as entregas já estão um pouco mais demoradas — nove dias de espera para quis comprar na quinta-feira, 14 —, mas nada que se assemelhe ao que aconteceu em março.
Durante os meses do confinamento, o “novo normal” passou também a incluir prateleiras vazias nos supermercados. A dada altura passou a ser difícil comprar bens tão elementares como farinha, fermento de padeiro ou até massa de pizza, resultado de um movimento global que fez de cada confinado um padeiro em potência, com direito a hashtag para as redes sociais e tudo, cunhado pela cozinheira do 24Kitchen Filipa Gomes — #pãodemia.
Agora, assegurou a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição ao Observador, apesar de se notar um “pequeno aumento” do valor médio das compras nos principais supermercados e de haver mais pessoas à porta de lojas, talhos ou mercearias, não há qualquer corrida às compras nem produtos em falta nas prateleiras.
Escolas
Como estava o país no primeiro confinamento: Depois de algumas terem começado a encerrar, por causa de casos positivos, todas receberam ordem para fechar a 16 de março
Como está o país no novo confinamento: Continuam a funcionar creches, jardins de infância, escolas e universidades
Depois de, no dia 2 de março, ter sido confirmado o primeiro caso de infeção em Portugal, as coisas aconteceram muito rapidamente, com várias escolas e universidades de todo o país a suspender atividades. Depois, na noite de quinta-feira, 12 de março, António Costa falou ao país e anunciou que na segunda-feira seguinte todas as creches, jardins de infância, escolas, universidades e ATL estariam encerradas — pelo menos até ao dia 9 de abril, altura em que a situação seria reavaliada. No final, só os alunos dos 11º e 12º anos, bem como os das creches, haveriam de voltar às salas de aula nesse ano letivo.
Quando o primeiro confinamento começou, todos os alunos do país e grande parte dos encarregados de educação de crianças com menos de 12 anos estavam já em casa desde o início da semana, a dar os primeiros passos no Zoom, ainda o regresso da tele-escola era uma miragem. Agora, que foi dada nova ordem para permanecer em casa, os filhos, em todos os graus de ensino, vão continuar a ter aulas mas os pais estão obrigados, sempre que as funções o permitam, ao teletrabalho.
Mobilidade
Como estava o país no primeiro confinamento: Uma semana antes de se fecharem em casa, os portugueses mantinham as rotinas, mas já saíam um pouco menos para ir a restaurantes, centros comerciais e cinemas
Como está o país no novo confinamento: Bastante confinado. A uma semana do novo “fique em casa”, os locais de trabalho já tinham menos 30% de afluência e os transportes públicos menos 46%
Por muito que alguns dias antes do primeiro confinamento muitos portugueses estivessem já em casa, até por força do encerramento prévio das escolas, uma semana antes de o país fechar pela primeira vez, a avaliar pelos registos de mobilidade, estava tudo mais ou menos normal.
A afluência nos locais de trabalho, transportes públicos e até em casa, a 12 de março, não difere quase nada da registada em tempos pré-pandemia. Alterações dignas de nota só há na diminuição das visitas a locais como restaurantes, cafés, centros comerciais, cinemas ou parques temáticos — e mesmo assim é uma descida muito residual, de 1,14% —; e no aumento do número de pessoas em parques e supermercados e farmácias — esse, sim, já mais expressivo (14,14%) e muito provavelmente reflexo da corrida que por esses dias os portugueses fizeram para abastecer as dispensas.
Dez meses depois, também a uma semana de distância de novo confinamento, o panorama é bem diferente: apesar de ainda estarem longe dos números registados em abril, no pico do confinamento, os dados da mobilidade demonstram claramente que uma grande fatia da população já está mais ou menos confinada.
Para além de passarem mais 16,71% do tempo em casa, os portugueses vão menos a praticamente todo o lado — incluindo supermercados e farmácias, onde a afluência caiu 19,14% em relação ao período pré-pandemia.
Uma semana antes do novo confinamento, os portugueses já passavam menos tempo em terminais de transportes públicos (cerca de 46%), e em restaurantes, centros comerciais e outros locais de diversão (cerca de 38%).
Como em muitas zonas do país, com maior incidência do novo coronavírus, o teletrabalho já era obrigatório, a afluência nos locais de trabalho também era menor (cerca de 31%). Já a permanência em parques e jardins ao ar livre, que a 7 de janeiro deste ano era perto de 33% inferior em relação ao ano passado, também não será difícil de explicar, mas por motivos meteorológicos, não sanitários.
Carros vendidos
Como estava o país no primeiro confinamento: Vendiam-se 675 automóveis por dia (média dos dois primeiros meses de 2020)
Como está o país no novo confinamento: 525 carros vendidos por dia, menos 15o do que antes do outro confinamento (média dos últimos dois meses disponíveis, novembro e dezembro de 2020)
Os portugueses não andaram só menos de carro, também compraram menos carros. A queda no mercado automóvel começa logo a fazer-se sentir em março de 2020 depois de fevereiro até ter tido um crescimento face ao mesmo mês de 2019. O setor fechou o ano com uma descida de 35% nas vendas. Nos primeiros dois meses de 2020, ainda sem o efeito do confinamento, estavam a ser vendidos em média 675 automóveis por dia, dos quais 578 eram ligeiros. De acordo com as estatísticas mensais dos últimos dois meses de 2020 da ACAP (Associação do Comércio Automóvel de Portugal), estavam-se a vender, em média, menos 150 automóveis (130 ligeiros) por dia do que em janeiro e fevereiro do ano passado.
Com as pessoas fechadas em casa, as vendas de combustíveis foram um dos primeiros sinais do arrefecimento da procura que aí vinha. Nos primeiros dois meses do ano, os portugueses estavam a comprar 120 mil litros de gasolina por dia e 474 mil litros de gasóleo. Em novembro passado, e de acordo com as estatísticas, a venda média dos principais combustíveis rodoviários caiu mais de 65 mil litros por dia. Em termos absolutos, o diesel caiu mais, quase menos 48 mil litros vendidos por dia, mas em termos relativos a queda de procura foi mais acentuada na gasolina, situando-se na casa dos 14%.
O travão às viagens de automóvel foi um dos fatores que, combinado com uma queda nunca vista na procura de jet para os aviões, obrigou as duas refinarias portuguesas a pararem de produzir por falta de escoamento e esgotamento da capacidade de armazenamento. A contração do mercado de transportes revelou-se fatal para a refinaria de Matosinhos, cujo fecho foi anunciado para 2021, uma década antes do que estava previsto.
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É certo que estes comportamentos também contribuíram para uma redução de emissões de CO2 e outros gases, melhorando a qualidade do ar respirado nas cidades. O efeito foi muito notado nos meses de março e abril quando ocorreu o primeiro confinamento geral, mas não é evidente que essa diminuição tenha sido consistente até ao final do ano. No entanto, não deixa de ser um sinal que acelerará o caminho para a descarbonização.
Desemprego
Como estava o país no primeiro confinamento: No início do ano passado havia em Portugal 349 mil desempregados (pelas contas do INE de janeiro), ou seja uma taxa de desemprego de 6,7%.
Como está o país no novo confinamento: 375 mil desempregados, ou 7,2% da população ativa (últimos dados disponíveis relativos a novembro de 2020), mas com o pior ainda por vir
Ao contrário de outras crises no passado, os efeitos desta pandemia — que têm sido violentos sobre a atividade económica — são (ainda) relativamente limitados no mercado de trabalho, porque a intervenção estatal foi maior do que seria habitual (em Portugal, como noutros países europeus), tendo em conta as sucessivas medidas de lay-off, moratórias e outros apoios à economia.
A taxa de desemprego de janeiro do ano passado — um mês e meio antes do confinamento (a 18 de março) — estava em 6,7%. Mas, passado o pico de 8,1% em agosto, o desemprego ficava nos 7,2% em novembro (os últimos dados disponíveis do INE), ou seja, mais 26 mil desempregados do que 10 meses antes, num total de 375 mil.
Estes 7,2% representam uma subida de 0,5 pontos percentuais não só face a janeiro de 2020, como também relativamente a novembro de 2019 — e ficam abaixo de qualquer novembro entre 2004 e 2017.
Já a taxa de subutilização do trabalho — que aos desempregados junta ainda outros casos de trabalhadores que estão parados, como os inativos disponíveis para trabalhar mas que não procuram emprego — subiu 1,5 pontos percentuais face ao mesmo período do ano passado (mais 87 mil pessoas).
O efeito da pandemia no desemprego será, no entanto, potencialmente mais destrutivo este ano, porque os apoios à retoma progressiva estão previstos até junho — e as empresas ajudadas vão poder despedir dois meses depois de terminarem esses apoios. Nalguns casos, em que as empresas não consigam aguentar, o efeito será sentido mais cedo, mas o maior impacto deverá ter lugar a partir do outono, se as regras dos apoios se mantiverem. Da mesma forma, para já, as moratórias estatais duram, no máximo, até setembro, altura em que várias empresas terão de fazer novas contas à vida. Resta saber se o crescimento económico deste ano será suficiente para mitigar o novo desemprego e se parte desse desemprego se tornará estrutural face às alterações provocadas pela pandemia.
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Empresas
Como estava o país no primeiro confinamento: 468.595 empresas (dados relativos ao arranque do ano passado)
Como está o país no novo confinamento: 457.062 empresas (dados relativos ao arranque deste ano). O número de insolvências até baixou ligeiramente, mas constituíram-se muito menos empresas ao longo de 2020 do que há um ano antes.
Tal como nos números do desemprego, também o número de falências não foi o que se poderia esperar face à magnitude da crise. Aliás, no espaço de um ano, houve uma diminuição ligeira (-1,4%) do número de insolvências, de acordo com a Iberinform.
A operadora de seguros de crédito, que monitoriza regularmente o número de falências e novas constituições de empresas, indica que houve 5.000 insolvências em 2020, menos 71 do que em 2019, entendendo que esse resultado se deve ao “impacto favorável das medidas de apoio estatal às empresas, que travaram, para já, um incremento significativo neste indicador”.
Entre os setores em que houve menos falências, destaque para Eletricidade, Gás, Água (-7,1%), Indústria Transformadora (-7%), Comércio a Retalho (-5,3%), Construções e Obras Públicas (-4,9%) e Comércio de Veículos (-2,9%). Já os aumentos foram registados nas áreas de Telecomunicações (33,3%), Hotelaria e Restauração (17,6%) e Outros Serviços (4%).
Não houve também uma distribuição geográfica uniforme, desde logo nos dois distritos com maior volume de insolvências — em Lisboa caíram 2,6% e no Porto aumentaram 4,6%. No total, dez distritos terminaram o ano com descidas nas insolvências, com destaque para Coimbra (-27,7%), Guarda (-19,6%), Viseu (-13,9%), Aveiro (-13,7%) e Portalegre (-12,1%); mas outras 12 tiveram subidas, a maioria acima de 15%, como são os casos de Horta (33,3%), Castelo Branco (26,3%), Vila Real (23.3%), Faro (18,6%) e Viana do Castelo (17,3%).
A questão é que, ao contrário de outros anos, muitas dessas empresas não foram substituídas. A constituição de novas empresas em 2020 caiu 23,6%, para 37.589. A maioria dos distritos apresentam descidas, incluindo Lisboa (-28,6%) e Porto (-25,5%).
No total, entre insolvências e novas constituições, Portugal terá fechado o ano com menos 11.533 empresas do que no ano anterior, face às 468.595 empresas que havia em 2019. Segundo o Banco de Portugal, nessa altura 89% eram microempresas (417.055). Os restantes 11% eram então distribuídos por pequenas empresas (43.183), médias empresas (7.051) e empresas de grande dimensão (1.306).
Riqueza
Como estava o país no primeiro confinamento: A 28 de fevereiro, o INE indicava o valor de toda a riqueza produzida em Portugal em 2019: 212,3 mil milhões de euros. E este valor também significa que arrancávamos o ano de 2020 a crescer 2,2%.
Como está o país no novo confinamento: Ainda não há números definitivos, mas a economia portuguesa terá perdido entre 17,2 e 19,75 mil milhões de euros nos últimos 12 meses. Ou seja, a economia portuguesa terá caído entre os -8,1% e os -9,3% no ano de pandemia.
Quando, a 6 de fevereiro do ano passado, foi aprovado o Orçamento do Estado para 2020 — quase um mês antes de o “surto” chegar a Portugal — poucos sonhariam que o vírus seria capaz de virar do avesso as contas da economia. Mário Centeno estimava então um crescimento de 1,9% para 2019 (embora mais tarde o INE tenha concluído que atingiu 2,2%) e previa uma subida de igual valor em 2020.
No entanto, assim que o Governo avançou para o confinamento geral, entre 18 de março e 4 de maio, ficou claro para todos que o ano fecharia em perda para o país. E hoje, ainda que não se conheçam os valores finais, não há dúvidas de que a recessão terá sido de uma magnitude sem paralelo em democracia. As principais previsões, que foram evoluindo ao sabor da pandemia, estão hoje entre -8,1% (Banco de Portugal, em dezembro) e -9,3% (Comissão Europeia, em novembro). O Governo manteve a estimativa feita em outubro, de -8,5%.
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Para este ano, o ministro João Leão esperava um crescimento de 5,4%, o mesmo que a Comissão Europeia, e o Banco de Portugal apontou mais tarde para 3,9%, só que este segundo confinamento fará necessariamente arrefecer o ritmo da atividade económica. Sem confinamento, previa-se que o nível de riqueza gerado pelo país antes da pandemia só seria retomado no final de 2022. Agora, a economia arrisca atrasar ainda mais a recuperação.
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Taxas de juro
Como estava o país no primeiro confinamento: Taxa de juro a 10 anos rondava os 0,9%
Como está o país no novo confinamento: A taxa de juro a 10 anos que o Estado pagou nesta quarta-feira foi de -0,012%, ou seja, os mercados passaram a pagar para emprestar a Portugal.
Quando a crise de Covid-19 primeiro se abateu sobre Portugal e o resto da Europa, os mercados de dívida reagiram inicialmente com uma perigosa tendência de aumento das taxas de juro – sobretudo nos países mais endividados da zona euro, como Portugal. Em final de fevereiro, as taxas de juro a 10 anos estavam em níveis muito baixos, perto de 0,2%, confluindo com os juros baixos que continuavam a ser a política do BCE nessa altura (ainda não tinha havido uma normalização da política monetária porque a inflação continuava baixa).
Quando surge a crise e se começa a tornar óbvio que a zona euro iria cair em recessão – e que os países do sul da Europa, economicamente mais vulneráveis, poderiam sofrer ainda mais – houve uma pressão súbita que levou a que as taxas de juro disparassem para mais de 1,4%. Aí, entrou em cena Christine Lagarde, com a presidente do BCE a anunciar um novo pacote de compras de dívida por parte do BCE: o PEPP, programa de emergência de compras pandémicas (que já foi, entretanto, reforçado). O que ajuda a perceber a importância dessa intervenção é que Banco Central Europeu comprou, neste ano de 2020, mais dívida portuguesa do que o valor total das novas obrigações do Tesouro que o Estado português emitiu no mesmo ano.
Assim, as taxas de juro foram caindo gradualmente até que, em novembro, pela primeira vez houve investidores a trocarem, entre si, no chamado “mercado secundário”, dívida pública portuguesa a 10 anos com uma taxa negativa. Esta quarta-feira, porém, fez-se história de outra maneira: aconteceu a primeira emissão de “nova dívida” que foi vendida a um preço que pressupõe uma rendibilidade negativa para os investidores que a mantenham até à maturidade.
Exportações
Como estava o país no primeiro confinamento: As exportações portuguesas em fevereiro do ano passado, o último mês completo antes do primeiro lockdown, ascenderam a 6.420 milhões de euros.
Como está o país no novo confinamento: Após o golpe de março, as exportações recuperaram (em outubro chegaram aos 6.416 milhões de euros), mas as medidas restritivas aplicadas em Portugal em novembro e dezembro (que afetaram pelo menos 70% da população do país) deixaram em risco a trajetória de retoma.
Em fevereiro de 2020, quando algumas economias mundiais já estavam a sentir os primeiros impactos da crise do novo coronavírus, Portugal exportou 6.065 milhões de euros (82% dos quais para outros países da UE, o restante para fora). Segundo o INE, tratava-se de um aumento de 3,7% em comparação com o ano anterior mas, em comparação com janeiro, já existia uma redução (2,9%), num sinal de que a incerteza já estaria a aumentar.
Essa tendência confirmou-se em março, com um confinamento generalizado a partir de meados do mês e vários parceiros comerciais de Portugal – incluindo Espanha – já mergulhados numa crise enorme. As exportações caíram mais 5,5% na comparação mensal, o que representava menos quase 11% do que no mês de março do ano anterior (2019).
Desde então, as exportações chegaram a afundar quase 40% nas comparações homólogas – com o pior mês a ser abril, onde apenas foram exportados 4.111 milhões de euros. Desde então, parece ter havido uma recuperação – pelo menos até outubro, último mês para o qual há dados. Segundo o INE, em outubro, Portugal exportou 6.416 milhões de euros, isto é, mais do que em fevereiro (em termos nominais) mas dadas as medidas restritivas que foram tomadas em vários países em novembro e dezembro, é provável que cheguemos a este segundo confinamento com menos exportações totais do que havia antes do primeiro.
Consumo
Como estava o país no primeiro confinamento: Índice de confiança dos consumidores nos -7,6 pontos (dados do INE relativos a fevereiro do ano passado)
Como está o país no novo confinamento: Entramos no ano com um índice de confiança do consumidor de -24,3 pontos (dados relativos a dezembro), ou seja, os portugueses passaram a estar tão pessimistas quanto no período da troika
Em março de 2020, a crise do novo coronavírus apanhou a população portuguesa numa fase de relativa confiança no que diz respeito ao consumo, um dos principais motores da economia. Segundo o INE, o indicador global de confiança do consumidor estava em fevereiro nos -7,6 pontos, melhor do que a média superior a -8 pontos nos 12 meses anteriores. A confirmação da chegada do Sars-Cov-2 ao país, no início de março, caiu como uma bomba: o indicador derrapou imediatamente para -13,7 em março (pior desde início de 2016) e para -41,6 em abril – o nível mais “deprimido” desde maio de 2013, em pleno programa da troika.
Nos últimos meses, em que a pandemia deu algumas “tréguas” no verão, o indicador melhorou cautelosamente para a zona dos -26 pontos, mas já piorou para -29,6 pontos em novembro. Em dezembro, momento marcado por alguma descompressão apesar de a “segunda vaga” da pandemia estar a ganhar ímpeto, o indicador de confiança do consumidor do INE melhorou para os 24,3 pontos, mas é provável que neste mês de janeiro volte a cair, tendo sido anunciado novo confinamento geral.
Turismo
Como estava o país no primeiro confinamento: À entrada de 2020 Portugal vinha de um ano excelente em termos turísticos. De janeiro a novembro de 2019 as dormidas de turistas atingiram as 66.320.900.
Como está o país no novo confinamento: No mesmo período de 2020, as dormidas de turistas caíram 62,5%, para um total de 25.011.000.
O turismo foi o setor mais afetado pela crise do novo coronavírus, sofrendo um choque súbito que colocou em causa uma atividade que em 2019 tinha aumentado a sua importância para a economia nacional (8,5% do VAB, valor acrescentado bruto, criado em Portugal nesse ano foi obra do turismo). Logo em fevereiro de 2020, porém, o boom começou a inverter-se e em março o setor passou de um crescimento homólogo de 15,3% (em fevereiro) para uma quebra de 58,5% (em março).
Desde então, o cenário tem sido desolador. Se entre janeiro e novembro de 2019 houve mais de 66 milhões de dormidas turísticas no país (70% de estrangeiros), entre janeiro e novembro de 2020 o número de dormidas caiu para pouco mais de 25 milhões (só 48% de estrangeiros), revelou esta sexta-feira o INE.
O que significa esta quebra para os proveitos do setor? Nos primeiros 11 meses de 2019 o turismo português teve rendimentos totais de 4,1 mil milhões, já entre janeiro e novembro de 2020 a faturação limitou-se a 1,4 mil milhões de euros, uma quebra homóloga superior a 65%.
Passageiros
Como estava o país no primeiro confinamento: 9 milhões de passageiros passaram pelos aeroportos portugueses nos três primeiros meses de 2020, ou cerca de 100 mil por dia
Como está o país no novo confinamento: O tráfego de passageiros nos aeroportos caiu para pouco mais de metade (cinco milhões no terceiro trimestre de 2020)
Há vários critérios para fazer as contas ao efeito das restrições, e do confinamento em particular, na circulação de pessoas nos transportes em Portugal. Para este trabalho, e tendo o objetivo de comparar a realidade vivida no país logo antes da entrada no primeiro confinamento, optámos por usar como ponto de partida os números do primeiro trimestre de 2020, ainda que estes já refletissem algum efeito da paragem a partir de meio de março. A comparação é feita com os dados do terceiro trimestre (os mais recentes) do Instituto Nacional de Estatísticas.
De janeiro a março de 2020, passaram pelos aeroportos portugueses mais de nove milhões de passageiros, o que correspondia a cerca de cem mil pessoas por dia. Destas , 67 mil transitaram pelo aeroporto de Lisboa. No terceiro trimestre, o número total de passageiros tinha caído para pouco mais de cinco milhões, sendo a quebra em Lisboa de mais de metade. Em termos de média diária, o maior aeroporto do país perdeu quase 42 mil passageiros.
Nos transportes públicos, a ferrovia teve mais de 50 milhões de passageiros até março de 2020. No terceiro trimestre, transportou apenas 27,5 milhões de passageiros, o que por dia dá , em média , menos 252 mil passageiros. O Metro de Lisboa perdeu metade do tráfego entre os dois períodos. Até março transportou quase 40 milhões de passageiros, valor que caiu para 19,4 milhões no terceiro trimestre. O Metro do Porto passou de 15 milhões para pouco mais de nove milhões de pessoas transportadas entre julho e setembro.
Contas Públicas
Dívida e défice
Como estava o país no primeiro confinamento: À entrada de 2020 ficava para trás um saldo orçamental positivo, de 0,2% do PIB em 2019, e a dívida – em rota descendente – estava nos 117% do PIB.
Como está o país no novo confinamento: Um ano depois, a estimativa agora de saldo orçamental para 2020 é de um défice de 7,3% do PIB e a dívida terá disparado para os 134,8% do PIB. Ou seja, a pandemia apagou a correção feita em meia década.
Em 2020, a pandemia encarregou-se de resgatar para as contas públicas um dos provérbios mais pessimistas da língua portuguesa — não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe.
Não é que o excedente de 0,2% do PIB fosse consensual — Mário Centeno recebeu, aliás, críticas à esquerda e à direita pela forma como alcançou esse número —, mas resultados orçamentais equilibrados, de forma recorrente, significam menos problemas no futuro — e é isso que não vai acontecer nos próximos tempos. Neste novo contexto, em que o Governo vê a economia aos trambolhões, perde receita fiscal e despeja dinheiro na economia, as contas no Ministério das Finanças são muito mais difíceis de fazer.
O défice deverá agora atingir os 7,3% em 2020 (se a previsão do Governo se materializar), e — ainda mais relevante para a sustentabilidade das contas — a dívida pública deverá disparar para 134,8%. Isto, depois de ter descido de 131,5%, em 2015, para 117,7%, em 2019. Será o resultado de uma recessão anual sem precedentes e do primeiro saldo primário negativo (contas públicas sem juros) desde 2015.
A pandemia significou, essencialmente, que todo o esforço feito nos últimos anos (em termos de redução de dívida) terá de ser repetido. É expectável que o Governo tenha uma ajuda adicional do crescimento nos próximos anos (quando já não houver confinamentos e a “bazuca” europeia estiver a ser aplicada), mas a dívida do Estado não deverá voltar tão cedo aos níveis de 2019.
Quanto arrecadava o Estado e quanto gastava
A comparação aqui é feita com as contas do Estado até novembro deste ano, ainda não há dados finais do ano. Em 2019, com o país a crescer, a receita de impostos nos primeiros 11 meses do ano atingia os 46,3 mil milhões de euros. Um ano mais tarde, esteve valor tinha caído para menos de 43 mil milhões de euros. A queda em termos absolutos foi de 3.178 milhões de euros, a maioria da qual nos impostos diretos associados ao consumo. Se dividirmos a cobrança pelo número de dias abrangidos chegamos a estes valores: Se até novembro de 2019, o Estado cobrou em média 138,7 milhões de euros por dia, essa cobrança caiu mais de 10 milhões de euros para 128 milhões de euros por dia.
A diferença ainda é mais expressiva, mas no sentido contrário, na despesa primária, que deixa de fora os gastos com juros e encargos financeiros. Até novembro de 2019, o Estado gastava uma média diária de 213,4 milhões de euros. Um ano depois, a despesa média diária subiu para 226,8 milhões de euros, ou seja, um acréscimo de 13,3 milhões de euros por dia. Uma evolução cujo impacto é visível no agravamento do défice público.
Confiança na economia
Como estava o país no primeiro confinamento: A avaliação dos portugueses à situação económica do país em fevereiro de 2020 estava nos -5,5 pontos.
Como está o país no novo confinamento: O ano arranca com os portugueses muito mais preocupados com a situação económica, com uma pontuação de -70,8 (dados relativos a dezembro).
Neste mês de dezembro os portugueses mostravam-se muito pessimistas na sua avaliação sobre a “situação económica do país”. Esse indicador do INE, que em fevereiro de 2020 estava em -5,5 pontos, deslizou ao longo dos últimos meses para os -70,8 pontos – mais uma vez, é preciso recuar até ao auge do programa de ajustamento da troika, no início de 2013, para encontrar uma avaliação que espelhe tanta preocupação.
E como é que os portugueses reagem, na prática, a esta avaliação negativa acerca da economia nacional? Mostram-se menos disponíveis para fazerem “compras importantes” – com esse indicador nos -75,8 pontos. Esse era um dado que estava nos -35,3 pontos em fevereiro de 2020, derrapando imediatamente para os -84,8 pontos em março. O indicador mostra que os portugueses mostram-se avessos à tomada do risco associado a fazer grandes compras, o que poderá ter um efeito depressor da atividade económica.