Um célebre empresário disse, uma vez, que só se vê quem tem os calções de banho quando a maré vaza. Portugal, no futuro próximo, prepara-se para não estar sequer de tanga. Até agora, o papel de António Costa na crise do coronavírus tem sido esse: mentalizar-nos para uma embaraçosa – e custosa – sensação de nudismo nacional. Aquilo que Luís Marques Mendes analisou na SIC-Notícias como um “frenesim mediático do primeiro-ministro” visa, fundamentalmente, esse objetivo: gerir expectativas, baixá-las, aplaná-las, devolver-lhes realidade. Nas últimas semanas, o governo do Partido Socialista não teve apenas uma curva para achatar; teve duas: a sanitária (do vírus) e a política (das expectativas). Se a primeira não foi obviamente culpa sua, a segunda é da sua máxima responsabilidade.

Durante quatro anos, o PS prometeu – e fez acreditar como possível – um país sem austeridade, dissimulando-a em impostos indiretos e cativações. E essa promessa ainda arde intensamente na consciência dos portugueses. A gestão de expectativas que Costa tem feito – avisando que “haverá dor” na entrevista à TVI24 e não negando que haverá “austeridade” na conversa com Manuel Luís Goucha – revela uma prioridade: baixar essas expectativas, protegendo-se delas. Como tem dito o primeiro-ministro, “preparar para o pior”. Como diria o tal empresário, vestir os calções.

Em fevereiro do ano passado, com uma expressão que Costa voltou a utilizar esta semana, escrevi aqui sobre o tema: “Para roubar a alegoria ao primeiro-ministro, as vacas gordas vão descer à terra. O problema está em perguntarmo-nos quem terá o capital político para dizê-lo e, sobretudo, para governar dizendo-o. Num novo período de contenção orçamental, os eleitores lembrar-se-ão, com certeza, do que a ‘geringonça’ lhes prometeu em 2015: «um país sem austeridade». Quando o contexto económico deixar de ser tão sorridente, a esquerda, agora no poder, já não poderá vender esse sonho. Mas isso não significa que os eleitores não o quererão comprar. No executivo, o PS poderá insistir que aplicará as medidas como algo «temporário» e com «menos dor» do que a direita faria, mas isso também não chegará. As pessoas quererão aquilo que a ‘geringonça’ lhes vendeu como possível em 2015 – o país sem austeridade – e as pessoas votarão em quem lhes prometer isso”.

Este artigo, que perguntava “Quem Vai Vender O Sonho Do País Sem Austeridade?”, concluía que Portugal corre hoje o risco de acolher mais facilmente fenómenos populistas – à esquerda e à direita – “porque é isso que sucede quando se promove uma farsa: qualquer ator fica com a cortina aberta para o teatro”. Oito meses mais tarde, o Chega e Joacine Katar Moreira eram eleitos para a Assembleia da República, sendo que o artigo já criticava o facto de não haver “nenhum partido com uma estratégia séria para lidar com o impacto de André Ventura no próximo ciclo eleitoral”. Estávamos no início de 2019; ninguém ouvira falar de Joacine e o Chega ainda nem era um partido, mas os efeitos da farsa política da ‘geringonça’ já eram previsíveis. A falsa promessa que esta representou – o país sem austeridade – será ainda mais perigosa numa crise económica como a do pós-pandemia. Para a preservação da nossa democracia, a gestão dessa curva (das expectativas) será tão importante quanto o achatar da outra. Espero, sinceramente, que tenhamos a mesma sorte em ambas porque, contra o coronavírus, há mais do que uma sobrevivência em jogo. António Costa foi o primeiro a percebê-lo porque seria, igualmente, a primeira vítima de um contágio que ele próprio fabricou, alimentou e usou: o populismo em Portugal. E ele vem aí para se vingar.

P.S. – O Presidente da República não resistiu a telefonar – e a anunciar que telefonou – ao enfermeiro que acudiu Boris Johnson durante a sua luta contra a covid-19. Tenho-me perguntado, ultimamente, se a hiperatividade institucional de Marcelo Rebelo de Sousa lhe será eleitoralmente frutífera. É que quando vierem as presidenciais, e já falta pouco, os eleitores de Marcelo terão vivido cinco anos à espera que o Presidente faça tudo, a toda a hora e por toda a gente. A sua infatigável colonização de cada ciclo noticioso quase sugere que, quando for novamente a votos, aparecerá de manhã cedo à porta de cada cidadão, pronto a levá-lo à sua cabine, apontando o quadradinho correto no boletim e auxiliando ao depósito na devida urna. Ora, por maior que seja a energia e a bondade, tal seria uma tarefa humanamente impossível. Se é suposto que a democracia dê trabalho, a omnipresença mediática de Marcelo foi uma anestesia – e uma montanha-russa de expectativas – que também se poderá virar contra ele.

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