1. Não tenho grande simpatia pelo acto da greve, nem grande compreensão pelo respectivo princípio. Se uma pessoa não se sente devidamente recompensada no “seu” emprego, é livre de procurar outro. Até porque, delírios marxistas e legislativos à parte, o “seu” emprego depende do interesse do empregador, seja este público (valha a verdade, o empregador público está sempre interessadíssimo) ou privado. Dito isto (também não tenho grande estima pela expressão “dito isto”), não comento as razões dos motoristas de camiões com combustível, dos sindicatos dos motoristas e dos patrões dos motoristas. Apenas informo que detesto gengibre, e que nem por isso sonho em prender as criaturas que o produzem (aquilo produz-se ou nasce feito?).

2. Com semanas de avanço, um secretário de Estado qualquer já apelava ao abastecimento dos carros e ao pânico geral. Ao antecipar a possibilidade de greve, o governo conseguiu antecipar os efeitos da dita: dois ou três dias antes da data marcada já havia postos sem combustível. O socialismo não é só má-fé, saque, corrupção, dissimulação e demagogia: em situações sérias, também exibe uma considerável dose de incompetência. Para o ano, desculpem a analogia e o agouro, o PS vai prevenir os fogos através da terraplanagem das florestas.

3. Com a greve a decorrer, o dr. Costa imaginou que ficaria bem no papel de Churchill, a decidir os destinos da Terra a partir dos “war rooms”. Imaginou mal. Mesmo com o auxílio dos “media” subservientes e da população apática, o dr. Costa acabou a representar a personagem do régulo tropical que de facto é. Num ápice, estava a decretar serviços mínimos e requisições civis, a ameaçar desobedientes com prisão e a concluir – de modo extraordinário para um país tecnicamente europeu, admito – que “em democracia não há direitos absolutos”. O que não costuma haver em democracia é governantes como o dr. Costa, que além de prepotente é limitado. A rábula do “chefe implacável” apenas serviu para motivar os motoristas e agravar o conflito, com eventuais custos para todos nós. Dado o discernimento do eleitor médio, é igualmente possível que a rábula tenha angariado uns votos, incluindo entre os que vão pagar a despesa.

4. Cada uma no seu estilo próprio, as reacções dos partidos à crise dos combustíveis foram um mimo. A extrema-esquerda provou pela enésima vez na História o gigantesco embuste do seu “humanismo”. O PCP, aflito com a perda de protagonismo a que a aliança parlamentar o forçou (hoje a CGTP é um gatinho amestrado, e não tarda o sr. Arménio tem de procurar – o diabo seja cego, surdo e mudo – trabalho), já aparece a condenar greves de forma explícita. O BE, com a vasta hipocrisia a que nos habituou, finge levemente discordar da requisição civil para concordar com o PS e apelar à concórdia universal – ou, como disse a dona Catarina durante os incêndios de 2017, “que venha a chuva”, para o BE escapar entre os pingos. O CDS, coerente com o CDS remoto (o actual não se sabe o que é), aproveitou para recomendar uma revisão da lei da greve que ninguém aprovaria. E o PSD aproveitou para não dizer nada, ou quase nada. Parece que o dr. Rio, ou alguém por ele, avisou que o PSD não se mete em polémicas. Este PSD, acrescento, não se mete sequer em políticas. Talvez a nova direcção tenha decidido transformar o partido num centro de reflexão, onde se pensa o sentido da existência e as melancias sem sementes. Não sei. Sei que, a continuar a pairar acima da suja realidade, o PSD arrisca-se, a partir de Outubro, a deixar de ser visto sem ajuda de um telescópio.

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5. O prof. Marcelo falou em três ocasiões sobre a greve. Da primeira, esclareceu que atesta o depósito após cada viagem. Da segunda, ameaçou os motoristas com a ira popular. Da terceira, tipicamente de cuecas na praia, garantiu que não faria comentários. Eu tinha alguns comentários a fazer. Infelizmente, o artigo 328º do Código Penal promete cadeia para quem injuriar o presidente da República. Dado que o prof. Marcelo é o presidente desta república, opto pelo silêncio.

6. Os “media” serventuários do poder procederam à glorificação do governo, à condenação dos grevistas e à destruição de carácter do porta-voz do sindicato (“é de desconfiar muito de quem confia na liderança do advogado Pardal Henriques”, escreveu o director de um falecido diário, conhecido por confiar na liderança do eng. Sócrates e, hoje, na do dr. Costa). O Observador descobriu que o porta-voz dos patrões dos motoristas é um moço de recados de PS, que lhe retribui com nomeações e “fundos” públicos.

7. O caminho para a Venezuela, anunciado em finais de 2015, não se faz de um dia para o outro. Conforme reza um cliché “poético”, tão repulsivo que quem o repete devia ser flagelado com um varapau, o caminho faz-se caminhando. E as longas caminhadas de socialistas e comunistas já mostram avanços notáveis. Para já, dois motoristas foram notificados (ou detidos?) pelo crime de desobediência, e a tropa viu-se convocada a tomar partido e auxiliar empresas privadas. É uma amostra do que acontece quando o socialismo do dr. Costa pressente sarilhos e passeia autoridade. É natural que nos estados democráticos o Estado tenha o monopólio da violência. Não é natural nem democrático que o PS tenha o monopólio do Estado.