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Votação do Orçamento do Estado (OE) para 2022, na Assembleia da República. Lisboa, 29 de Abril de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A "liturgia orçamental": o processo "complexo e demorado" onde "os partidos querem mostrar serviço"

Num processo orçamental que discutiu 1505 propostas de alteração, antigos protagonistas criticam "a liturgia orçamental" e, entre os atuais, há quem fale em "spam legislativo" e reconheça falhas.

“São 18h05 e vamos iniciar os nossos trabalhos e acresce que amanhã começamos as 10h00. Penso que era mais cordial que estabelecêssemos uma hora limite que permitisse um mínimo de descanso a todos nós. Penso que até às 4h00 não conseguimos fechar o guião”. A intervenção foi do experiente deputado do PSD, Duarte Pacheco, antes de arrancar mais uma maratona de votações na Comissão de Orçamento e Finanças. Na terça-feira, um incidente – ou, melhor, divergência – entre o PS e a oposição levou a que a sessão plenária se prolongasse e a votação na especialidade começasse três horas depois do previsto. Os deputados combinaram então encerrar os trabalhos às 2h30.

Dia 2 do debate com ataques da oposição ao “rolo compressor da maioria” PS

O episódio é habitual para quem já leva mais do que um Orçamento do Estado no currículo. As votações na especialidade são autênticas maratonas, comentadas entre deputados, assessores, jornalistas e funcionários, que nos corredores e nos espaços onde é permitido fumar cruzam olhares de solidariedade com o tempo ocupado pelo processo orçamental. Este ano foram 25 horas de votações na Comissão de Orçamento e Finanças, ao longo de quatro dias, ou como lhe chama o ex-Ministro das Finanças, Bagão Félix, “mais um ano da liturgia orçamental portuguesa”. O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, num vídeo publicado na tarde desta sexta-feira a dar conta da aprovação final, diz que este é “um processo exigente, complexo e demorado”.

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Esta “liturgia orçamental” envolve discussão e votação na generalidade, audições setoriais na Comissão de Orçamento e Finanças com cada um dos ministros e a discussão e votação na especialidade, dividida entre o plenário e a Comissão de Orçamento, até à aprovação final global do documento. O antigo titular da pasta das finanças, em conversa com o Observador, explica que “de modo geral, há propostas para português ver, para mostrar folha de serviço” e acrescenta que “esta tendência tende a agravar-se sempre que há uma maioria absoluta”, com o objetivo de “marcar presença e anunciar propostas ao mundo”. Este ano foram 1505 propostas de alteração, com o PCP e o Chega a apresentarem mais de 350 e a deputada única do PAN, Inês Sousa Real, a redigir 244 propostas.

O número não ficou muito longe do recorde de 1547 iniciativas que deram entrada na discussão do Orçamento do Estado de 2021 – ainda com negociações à esquerda – mas fica bastante distante das 375 propostas apresentadas em 2013, durante a maioria PSD/CDS – utilizando um número que Eurico Brilhante Dias citou no encerramento desta sexta-feira.

O estreante deputado Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal, publicou uma publicação no Twitter antes da discussão na especialidade, a criticar quem trabalha “à fita métrica” e a alertar para um elevado número de propostas mal redigidas com a pressão de “apresentar trabalho”. O semanário Expresso publicou até uma proposta do PAN em que no ponto 1 se podia ler: “Abandona wopeirpoweiurwpoeirwpoeir”. A iniciativa dizia respeito ao novo aeroporto de Lisboa, mas o objetivo do PAN ficou impercetível.

Na quinta-feira, em entrevista ao programa da Rádio Observador, O Sofá do Parlamento, o deputado do PS e líder da JS, Miguel Costa Matos, que integra a Comissão de Orçamento e Finanças, considerou que “qualquer alteração ao processo orçamental não deve cercear o poder de iniciativa de um deputado”, ainda que admita a existência de “cavaleiros orçamentais, ou seja, propostas que nada têm a ver com o orçamento” mas que procuram “marcar simbolicamente políticas ou iniciativas”. Isto embora reconheça “a importância do simbólico”. Na intervenção de encerramento, a líder do Bloco de Esquerda apontou este como o orçamento dos “estudos, formação, relatórios, projetos-piloto-de-projetos-piloto”, para criticar a falta de investimento.

Miguel Costa Matos, líder da JS. “O Orçamento do Estado não é uma lista ao pai natal”

Uma das propostas de alteração aprovadas foi do Livre e prevê o lançamento de um estudo para a semana dos quatro dias, um exemplo utilizado por Bagão Félix para questionar “se esta não seria uma iniciativa que devia ser discutida no âmbito da agenda para o trabalho digno” e criticando que “à boleia do orçamento se discuta tudo e mais alguma coisa”. Para o antigo ministro, o processo orçamental é “um prémio de combatividade, onde muitas propostas passam por serem apenas intencionais e que não passam de ladainhas orçamentais”.

Uma das propostas da Iniciativa Liberal que o PS aprovou acabou por ser votada em separado, chumbando o ponto que definia uma data de implementação e aprovando apenas a intenção de divulgar as bolsas de ação social do Ensino Superior, antes das colocações, mas o secretário de Estado que tutela a pasta avisou logo que “não é possível implementar no próximo ano letivo” e esse ponto lá caiu.

Miguel Costa Matos reflete que “o que é preciso é a capacidade de se tomarem decisões mais bem informadas, conseguindo capacitar melhor os deputados sobre os custos efetivos das escolhas que têm que se tomar durante o processo orçamental”, acrescentando, numa bicada aos antigos parceiros que, “é por isso que um orçamento não pode ser uma lista ao pai natal” e que “as propostas não podem ser apenas um posicionamento para fazer um cromo para as redes sociais, para os militantes e eleitores ficarem satisfeitos”.

"Os ministros pedem para colocar coisas no orçamento que deviam ser leis originárias”
Bagão Félix

“Pecado original” pode ter inicio no Conselho de Ministros

Mas a questão do “spam legislativo” como chamou Carlos Guimarães Pinto pode ser prévio à chegada do Orçamento do Estado ao Parlamento. Bagão Félix relata que “o problema base é um pecado original que se tem vindo a agravar desde há décadas. Os ministros pedem para colocar coisas no orçamento que deviam ser leis originárias”. O ex-ministro acredita assim que “quando as propostas do Governo incluem logo tudo isto, os partidos aproveitam para apresentar ainda mais propostas”.

A maratona de audições setoriais começou a 26 de abril com o Ministro das Finanças e terminou a 13 de maio, novamente com Fernando Medina, que só nestas duas audições esteve perto de sete horas. Ainda assim, Marta Temido – com 6h48 de audição – e Pedro Nuno Santos – com 6h47m –, são os recordistas da discussão na especialidade, num formato em que os ministros são sujeitos a duas rondas de perguntas. Nesta sequência de audiências, a Secretária de Estado da Administração Interna, Isabel Oneto, chegou a estar largos minutos a ler uma lista de postos da GNR e da PSP que foram alvo de melhoramentos.

O Ministro das Finanças, Fernando Medina, entrega o Orçamento do Estado para 2022 ao Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, na Assembleia da República. Lisboa, 13 de Abril de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

O também antigo Ministro das Finanças do PS, Luís Campos e Cunha, diz ter passado ao lado da discussão deste Orçamento do Estado e em poucas palavras diz apenas que “o orçamento devia ser apenas uma lei de meios”, onde “devia constar apenas uma previsão de receitas e uma autorização de despesas”, considerando até que “questões como as alterações fiscais, alterações de leis devem ser documentos à parte”.

Frisando sempre que “a liberdade de iniciativa não deve ser limitada”, o deputado socialista Miguel Costa Matos entende que “se deve fazer uma reflexão sobre esta agenda de par cada orçamento existir uma meta de contratação, tendo avulso um ou outro reforço de serviços públicos”, pedindo que “se pense como fazer este tipo de coisas de forma mais racional e plurianual”.

Nos anos de “geringonça”, as propostas de orçamento alocavam sempre uma “almofada financeira” para enquadrar as exigências do PCP e do Bloco de Esquerda, situação que neste orçamento já não se verificou e — embora a deputada do PS, Jamila Madeira tenha dito que “a Assembleia da República é a autoridade em matéria orçamental” — o presidente do grupo parlamentar Eurico Brilhante Dias lembrou no encerramento que “a maioria não pode e não deve demitir-se do poder que lhe foi conferido pelos eleitores” e que “a maioria tem uma legitimidade clara, sob pena de deixar exercer quem na verdade os portugueses quiseram colocar na oposição”. O seu a seu dono.

Já Bagão Félix — que governou durante uma coligação PSD/CDS, com Pedro Santana Lopes como primeiro-ministro — acredita que os titulares das finanças durante a geringonça tiveram “mais dores de cabeça” durante a especialidade do que um ministro em coligação – “onde as bancadas parlamentares se coordenam nas propostas de alteração com o governo” – , tal como acontece agora entre a bancada do PS e o executivo, através de reuniões que ia também sendo feitas setorialmente antes das audições dos ministros.

O presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Filipe Neto Brandão, testou positivo e assistiu aos trabalhos à distância 

Votar, enviar para plenário, negociar e votar novamente

Na terça-feira em que Duarte Pacheco sugeriu definir uma hora limite e ficou combinado fechar os trabalhos às 2h30, as votações acabaram cinco minutos antes da hora prevista, com os deputados da Comissão de Orçamento e Finanças a voltarem ao Parlamento 7h30 depois, para o inicio de mais uma sessão de debate. O deputado do PSD, Hugo Carneiro acabou por presidir a esta semana de votações devido ao isolamento do presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Filipe Neto Brandão, do PS.

25 horas depois, maratona de votações na especialidade terminou. “Entramos no ritmo e vamos até ao fim”

Com elogios à forma como conduziu os trabalhos, durante estas maratonas de votações, acabam também por ser os deputados mais experientes no processo orçamental a dar por vezes apoio à sequência de votações. Ainda esta quinta-feira, Augusto Santos Silva agradeceu entre risos o “brilhantismo e diligência” de Duarte Pacheco na correção de uma votação. Dependendo da concordância dos partidos há propostas que podem ser votadas alínea a alínea, prolongando o processo de votação e gerando “confusões e erros” no texto final que é aprovado, como confessam alguns deputados.

No processo de votação proposta a proposta, os partidos podem optar por, depois de votada em comissão, levar as iniciativas a plenário, repetindo a votação. Este mecanismo tem um propósito formal: o de dar mais tempo para negociar a aprovação ou procurar brechas dentro dos deputados de uma bancada parlamentar e um propósito informal: levar o tema para a principal arena política, o plenário. Nesta proposta de orçamento, a Iniciativa Liberal viu o PS mudar de opinião duas vezes: com a questão das bolsas e com o fim de apoios públicos a associações ligadas a entidades que estejam na lista de sanções por causa da guerra com a Rússia.

"Uma reforma nunca pode passar pela limitação do poder de iniciativa dos partidos e deputados"
Miguel Costa Matos

Soluções? “Acordo de boas práticas”

No texto que publicou nas redes sociais a que chamou “desabafos aleatórios”, Carlos Guimarães Pinto avisa que “rejeitar ou abster-se em propostas deste tipo – de criação de campanhas ou organizações para acompanhar problemas específicos –, não significa que quem as rejeita não seja sensível aos problemas” e que “pode apenas considerar que a proposta não alivia nada para além dos bolsos dos contribuintes e a consciência de quem o apresenta”. O deputado da Iniciativa Liberal acredita ainda que “a troco de um pequeno momento mediático, acabamos com despesa pública fixa ou burocracia adicional que não serve qualquer objetivo”.

Bagão Félix via com bons olhos “um acordo parlamentar de boas práticas orçamentais”, reconhecendo o importante trabalho técnico da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, que avalia o impacto das medidas aprovadas, num reflexão que não tem uma resposta fechada mas que, como frisa o deputado socialista, Miguel Costa Matos, “nunca pode limitar o poder de iniciativa dos partidos”.

Mas se o processo está perto do fim, o presidente da Assembleia da Republica também lembrou que falta ainda “enviar o texto agora aprovado para a redação final — que deverá ser fixada até 15 de junho — para ser depois enviada ao Presidente da República para promulgação e publicação em Diário da República”.

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