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Professores que iniciam carreira ganham duas vezes menos que há uns anos?

A frase:

Pessoas que entram hoje para a carreira a nível educativo estão a receber duas vezes menos do que recebiam há uns anos.”

Inês Sousa Real

Foi durante uma visita à escola básica Frei Caetano Brandão, em Braga, que a líder do PAN, Inês de Sousa Real, procurou centrar a campanha eleitoral nos problemas da educação e dos professores. Em declarações aos jornalistas depois da visita àquela escola, a líder do PAN apelou à necessidade de “valorizar e permitir o acesso aos próprios escalões de carreira, que, neste momento, estão congelados“, e atirou um dado concreto para a discussão:

Não podemos continuar a desvalorizar assim as carreiras. Pessoas que entram hoje para a carreira a nível educativo estão a receber duas vezes menos do que recebiam há uns anos.”

Mas será mesmo assim? Os professores que entram atualmente na carreira docente recebem metade do que recebiam há alguns anos?

Vamos por partes. Em primeiro lugar, Inês Sousa Real não clarifica o que pretende dizer com “há uns anos”, pelo que se torna difícil ir em busca dos números que comprovem a afirmação. Podemos começar por recorrer ao período de tempo que tem sido mais escrutinado durante a campanha eleitoral: os últimos seis anos, correspondentes à governação de António Costa, que se seguiu a Pedro Passos Coelho e aos anos marcados pela intervenção da troika em Portugal.

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Uma vez que Inês Sousa Real se refere às “pessoas que entram hoje para a carreira“, significa que está a falar dos professores que entram na carreira docente e que, ao abrigo do Estatuto da Carreira Docente, são colocados no nível remuneratório do primeiro escalão da carreira. Para 2022, de acordo com as tabelas atualizadas do Instituto de Gestão Financeira da Educação (IGeFE), o salário bruto de um professor no primeiro escalão da carreira é de 1.536,90 euros.

Se recuarmos a 2015, o ano da mudança de Governo, constatamos que as tabelas salariais apontavam para um salário bruto para o primeiro escalão situado nos 1.500 euros mensais. Esse valor já contemplava uma redução salarial, imposta durante o período da crise, relativamente aos valores de 2010 — ano em que o salário bruto para o primeiro escalão da carreira docente era de 1.518,63 euros.

Fica, assim, claro que não é verdade que ao longo da última década o salário bruto de um professor no primeiro escalão da carreira docente tenha caído para metade — nem mesmo quando a análise abrange o controverso período entre 2011 e 2017, em que os professores viram a contagem do seu tempo de serviço (fundamental para a progressão nos escalões da carreira) congelada devido à crise financeira. Embora a progressão na carreira tenha sido congelada e os salários dos professores não tenham aumentado, o que é certo é que o valor bruto do salário de um professor no primeiro escalão da carreira se manteve estável em torno dos 1.500 euros mensais, pelo que é impossível afirmar que o salário de um professor em início de carreira hoje é metade do que seria “há uns anos“, pelo que não restam dúvidas quanto à frase de Inês Sousa Real: é falsa.

O Observador tentou, contudo, perceber o que poderá ter estado por trás de tal afirmação — e a verdade é que, se Inês Sousa Real tivesse formulado as suas declarações de outro modo, poderia ter feito uma afirmação verdadeira.

É preciso recuar até ao início do século XXI, ao período entre 2001 e 2005, e observar como funcionava nesse período a carreira dos professores. Nessa época, a carreira docente era composta por nove escalões de duração variável e a progressão fazia-se com base no tempo de serviço e também nas avaliações necessárias para avançar de escalão. Na altura, como explicou ao Observador o dirigente da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) Vítor Godinho, a estrutura da carreira docente funcionava de tal forma que era possível chegar ao topo da carreira com 26 anos de serviço.

Mas, nas últimas duas décadas, a carreira dos professores sofreu grande turbulência. Um primeiro congelamento da contagem do tempo de serviço (2005-2007), uma mudança no número e duração dos escalões e um novo congelamento entre 2011 e 2017 transformaram radicalmente o setor.

Atualmente, a carreira dos professores é composta por dez escalões. Cada um deles tem uma permanência obrigatória mínima de quatro anos, à exceção do quinto escalão (dois anos) e do décimo escalão (o topo da carreira, em que o professor fica até à reforma). Além disso, não basta o tempo mínimo de serviço para progredir de escalão. É necessário ter uma avaliação de desempenho positiva e há, além disso, regras específicas para diferentes escalões: por exemplo, para subir ao terceiro e ao quinto escalões é necessário ser avaliado em contexto de sala de aula; para subir ao quinto e ao sétimo escalões é necessário que abram vagas para o escalão.

“Neste momento, temos uma carreira em que, na melhor das hipóteses, se atinge o topo com 34 anos de serviço”, diz Vítor Godinho. E isto é mesmo no melhor cenário, “considerando que todo o tempo de serviço contou e que não se apanham obstáculos administrativos”. Estes obstáculos administrativos incluem as tais vagas para o quinto e sétimo escalões: quase sempre há mais candidatos do que vagas e a Fenprof estima uma perda média de dois anos em cada passagem. Somando a estes obstáculos o tempo de congelamento ainda não recuperado e as perdas ocorridas nas transições entre regimes de carreira, o dirigente da Fenprof estima que atualmente um professor demore, em média, cerca de 48 anos a chegar ao escalão mais elevado da carreira — o que explica que haja tão poucos professores nesse nível remuneratório.

É esta realidade que leva Vítor Godinho a reconhecer que, “hoje, um docente com 26 anos de serviço está sensivelmente duas vezes abaixo do que estaria em 2005”. Isto porque “os maiores impulsos salariais são nos últimos escalões“, diz o sindicalista, lembrando que, por conta dos congelamentos e das alterações na duração dos escalões, “hoje, com 26 anos de serviço, um professor estará no quarto escalão”, enquanto no período entre 2001 e 2005 um professor com 26 anos de carreira teria atingido o topo da carreira.

Olhando para os valores salariais, percebe-se o que está em causa. A diferença entre o salário bruto do escalão máximo (3.405,09 euros em 2022) e o quarto escalão (2.006,25 euros em 2022) não é o dobro, mas aproxima-se disso — e Vítor Godinho reconhece que poderia ser a este fenómeno que Inês Sousa Real pretendia referir-se. Se a líder do PAN tivesse dito que um professor que entre na carreira docente hoje ganhará cerca de metade do que ganharia ao fim do mesmo tempo de serviço na carreira docente antes do período conturbado que marcou a última década e meia, estaria mais próxima de uma afirmação plausível — mas não foi isso que Inês Sousa Real disse.

Em alternativa, Inês Sousa Real poderia estar a referir-se ao facto de muitos professores em início de carreira se encontrarem ainda a contrato, muitas vezes sujeitos a horários reduzidos, fazendo cerca de metade das horas semanais — o que se traduz, naturalmente, num salário muito inferior ao que teriam a tempo inteiro. Porém, também aqui a afirmação não faria sentido, uma vez que esses professores não se encontram formalmente posicionados na carreira docente.

Conclusão

A frase de Inês Sousa Real é objetivamente falsa. Apesar do contexto que o Observador procurou explicar neste artigo, e que até poderia estar na origem do raciocínio que Inês Sousa Real pretendia expor, a verdade é que a líder do PAN disse o que disse — e não se comprova que um professor que entre hoje na carreira docente receba metade do que receberia entrando na carreira há alguns anos, uma vez que não houve uma variação significativo no salário bruto do primeiro escalão.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

Rui Rio disse que queria ir além da troika?

A frase:

O Dr. Rui Rio, quando foi perguntado sobre o que pensava da governação da austeridade, o que ele disse é que teria feito igual e pior.”
António Costa

Tem sido uma das principais armas da campanha de António Costa. Evocando a memória do último executivo do PSD a governar Portugal, o secretário-geral do PS tem procurado colar Rui Rio ao Governo de Pedro Passos Coelho (2011-2015), marcado pela intervenção da troika em Portugal como resposta à intensa crise económica e financeira da época. As políticas de austeridade marcaram irremediavelmente o período da troika e desde 2015 que António Costa tem recorrido ao lema “virar a página da austeridade” como sumário do seu programa político. Seis anos volvidos, numas eleições antecipadas que ocorrem num cenário de degradação da solução governativa que permitiu a Costa ascender ao poder em 2015, o primeiro-ministro tem repetido um argumento central: eleger Rui Rio significa voltar a colocar o PSD no poder e, com isso, regressar às políticas de austeridade do tempo da troika.

António Costa voltou a este ataque no domingo à noite, num comício em Viana do Castelo, durante a passagem da campanha socialista pelo Alto Minho. No discurso, o primeiro-ministro não poupou nas palavras e acusou Rui Rio de querer não só voltar a implementar as políticas do tempo da troika como de querer ir mais longe nesse programa:

Não somos todos iguais. O Dr. Rui Rio, quando foi perguntado sobre o que pensava da governação da austeridade, o que ele disse é que teria feito igual e pior. E, honra lhe seja feita, tem sido coerente.”

Terá mesmo Rui Rio afirmado que faria “igual e pior” no que toca à austeridade do período 2011-2015, como acusou António Costa?

A acusação do líder socialista tem por base um episódio que foi notícia em outubro de 2017. Na altura, vivia-se um período de mudança na vida política portuguesa. António Costa era primeiro-ministro há quase dois anos com o Governo da “geringonça” e as legislativas de 2015 tinham marcado o início do fim de Passos Coelho. Nas eleições autárquicas de 1 de outubro de 2017, numa altura em que o PSD já tinha no horizonte as suas eleições diretas (agendadas para 18 de janeiro de 2018), os social-democratas tiveram um dos piores resultados da história do partido, o que deixou a liderança de Passos Coelho periclitante. Dois dias depois, o presidente do PSD anunciou que não se recandidataria à liderança do partido — abrindo caminho a umas diretas que viriam a ser disputadas entre Rui Rio e Pedro Santana Lopes.

Foi neste contexto de antecipação de eleições diretas no PSD que ocorreu o episódio agora recordado por António Costa.

No dia 31 de outubro de 2017, tanto Rui Rio como Pedro Santana Lopes estiveram na reunião do grupo parlamentar do PSD, que decorreu em Braga, para falar à porta fechada com os deputados social-democratas sobre as suas ideias para o partido. Nesse encontro com os deputados, Rui Rio procurou afirmar que pretendia que uma governação do PSD fosse marcada por um grande rigor orçamental. Segundo noticiou na altura o Observador, a declaração foi motivada por uma pergunta do deputado Paulo Rios de Oliveira, que questionou Rui Rio sobre se a sua vitória nas diretas representaria uma mudança de rumo no PSD a que o grupo parlamentar teria de se adaptar. Rui Rio respondeu que não pretendia mudar o rumo do partido e apontou para Maria Luís Albuquerque (ministra das Finanças entre 2013 e 2015) como um exemplo do que pretendia manter.

Não, não vou mudar a estratégia do PSD. Faria igual a Maria Luís Albuquerque — ou pior“, afirmou Rui Rio, de acordo com o relato feito em 2017 pelo Observador (o encontro decorreu à porta fechada e as declarações chegaram ao exterior através de fontes presentes na reunião que falaram aos jornalistas).

A formulação escolhida, sobretudo a expressão “ou pior“, causou controvérsia e levantou dúvidas sobre o que Rui Rio pretendia dizer. Em declarações ao Observador, Rui Rio procurou clarificar as suas intenções e recordou que, na qualidade de presidente da câmara do Porto, em 2013, teve divergências com a então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, relativamente à reabilitação urbana da cidade — mas disse ainda que as divergências não se prenderam com o rigor orçamental. Na reunião com os deputados social-democratas, em que Maria Luís Albuquerque estava na segunda fila, Rui Rio procurou sanar os antigos desentendimentos.

O que eu disse foi que não ia haver mudança de rumo nenhum no que diz respeito ao traço mais marcante da política de Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, que é o rigor das finanças públicas. Somos do mesmo partido e, no que concerne às finanças públicas, eu disse sempre a mesma coisa“, disse Rui Rio ao Observador. “Notícia seria eu dizer o contrário”, acrescentou, lembrando que durante os seus dez anos como deputado (1991-2001) sempre defendeu o rigor orçamental.

Uma ideia, aliás, com a qual o Governo de António Costa tem concordado, repetindo múltiplas vezes a garantia de “contas certas” nos Orçamentos do Estado dos últimos anos. Com efeito, Costa tem até usado esse argumento em seu favor, salientando que a sua governação comprovou que é possível conciliar as contas certas e o rigor orçamental com uma política de devolução de rendimentos aos portugueses.

Conclusão

Por um lado, é verdade que Rui Rio disse, em 2017, que faria “igual” ou “pior” do que Maria Luís Albuquerque. Porém, ao contrário do que António Costa faz crer, Rui Rio não se referia a qualquer intenção genericamente relacionada com a “governação da austeridade”, mas sim ao “rigor das finanças públicas”, como esclareceu mais tarde ao Observador. Conclui-se, portanto, que António Costa distorceu o conteúdo da afirmação original de Rui Rio com a intenção de o colar à governação de Passos Coelho — uma estratégia que tem sido comum ao longo desta campanha eleitoral.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

Governo deixou quase todo o apoio para cuidadores informais “na gaveta”?

A frase:

O Governo guardou 98% da verba que tinha para os cuidadores informais na gaveta.”
Catarina Martins

A luta pelos direitos dos cuidadores informais é uma bandeira antiga do Bloco de Esquerda — e surgiu recentemente na campanha para as legislativas deste mês, durante o frente-a-frente entre Catarina Martins e António Costa. Durante um debate que ficou marcado pelas acusações lançadas pela coordenadora do Bloco de Esquerda contra António Costa, dizendo que o primeiro-ministro prometeu “mel” aos portugueses mas acabou a dar-lhes “fel”, Catarina Martins recuperou o tema dos cuidadores informais com um número sonante:

Foi mel dizer às cuidadoras informais que são tão esforçadas, que na verdade dedicam a sua vida ao apoio e que na pandemia foram quem mais sofreu, que teriam 30 milhões em cada Orçamento. Mas depois veio o fel e o Governo guardou 98% da verba que tinha para os cuidadores informais na gaveta.”

Na prática, segundo Catarina Martins, a quase totalidade do dinheiro destinado pelo Governo a apoiar os portugueses que se dedicam a tempo inteiro a cuidar de pessoas necessitadas ficou por aplicar. Será real este número sonante?

É preciso recuar ao verão de 2019 para conhecer o início da história. Nessa altura, o Parlamento aprovou o Estatuto do Cuidador Informal, uma proteção jurídica há muito ansiada pelos cuidadores informais que se estima que existam em Portugal (240 mil em estatísticas mais conservadoras, 1,4 milhões em estatísticas que alargam o conceito). O diploma previa, entre outros aspetos, uma forma de reconhecimento legal de um cuidador informal (que competiria à Segurança Social, através de mecanismos que seriam mais tarde regulados), e uma série de direitos, incluindo o direito a um subsídio específico, a períodos de descanso regulados, a regimes de conciliação com o trabalho, a apoio psicológico e ao acesso a informação de saúde relativo à pessoa de quem cuidam.

Uma das questões fundamentais do estatuto prende-se com o subsídio de apoio ao cuidador informal, um montante atribuído a todos os cuidadores informais que provem necessitar dele, de acordo com uma série de regras estabelecidas pela lei.

Logo no final de 2019, quando apresentou o Orçamento do Estado para 2020, o Governo incluiu uma verba de 30 milhões de euros destinada aos cuidadores informais. A ideia, naquele primeiro ano de aplicação da nova lei, era testar o formato com projetos-piloto em 30 concelhos do país. A verba de 30 milhões de euros voltou a ser repetida no Orçamento do Estado para 2021 e, agora, pela terceira vez no Orçamento do Estado para 2022, que acabou chumbado no Parlamento. Isto significa que, desde 2019, já foram alocados um total de 60 milhões de euros ao apoio aos cuidadores informais.

Todavia, apesar de já haver uma proteção jurídica em vigor, os últimos dois anos têm sido de grande confusão e incerteza para os cuidadores informais. A pandemia da Covid-19, que eclodiu nos primeiros meses de 2020, atrasou a implementação dos projetos-piloto para 2020, mas não explica tudo. Basta um olhar pelas notícias dos últimos dois anos para perceber como uma grande parte dos cuidadores informais desconhecia a possibilidade de aceder ao estatuto, pelo que o número de candidaturas apresentadas aos serviços da segurança social tem sido muito reduzido. Além disso, dentro desse universo já reduzido, metade das candidaturas foram rejeitadas, por não cumprirem um complexo conjunto de condições financeiras e burocráticas necessárias à atribuição do estatuto. E o número de cuidadores informais a obterem o direito ao subsídio foi ainda menor. Nos 12 meses do projeto-piloto, os 976 cuidadores informais a quem foi atribuído subsídio receberam, em média, 310 euros mensais.

Para 2022 está previsto o alargamento do estatuto do cuidador informal a todo o país e a simplificação do processo de acesso aos subsídios, que a avaliação do projeto-piloto revelou ser excessivamente burocrática. O chumbo do Orçamento do Estado atrasou ainda mais este processo — e no final do ano passado isso foi motivo para manifestações organizadas pela Associação de Cuidadores Informais, no dia da discussão do OE, à porta do Parlamento.

Este contexto é fulcral para perceber os números que podemos encontrar na execução orçamental de 2020 e 2021.

No primeiro ano deste financiamento, 2020, a síntese de execução orçamental mostra que, dos 30 milhões previstos, foram executados apenas 300 mil euros, ou 1% do total. Em 2021, de acordo com a síntese de execução orçamental de novembro, a última disponível, foram gastos 1,4 milhões de euros, um valor superior ao do ano anterior, mas ainda assim apenas 4,6% do total orçamentado.

Somando os 300 mil euros de 2020 com os 1,4 milhões de 2021, conclui-se que o Estado gastou 1,7 milhões de euros com o apoio aos cuidadores informais nos dois anos em que houve verbas aprovadas para esse fim. No entanto, o Governo previra gastar 60 milhões, o que significa que ficaram por gastar 58,3 milhões de euros. Em percentagem, o valor que ficou por gastar corresponde a 97,2% do total — um número que bate praticamente certo com os 98% mencionados por Catarina Martins no debate com António Costa.

Conclusão

Nos anos de 2020 e 2021, o Governo previu gastar 60 milhões de euros a apoiar os cuidadores informais portugueses, mas apenas gastou 1,7 milhões, deixando nos cofres do Estado 58,3 milhões de euros, ou seja, 97,2% do orçamento total da área. Embora Catarina Martins tenha feito um arredondamento para cima e, no debate com António Costa, acusado o Governo de guardar na gaveta 98% das verbas destinadas aos cuidadores informais, o número apresentado pela líder bloquista corresponde genericamente ao valor real.

Contudo, há vários motivos que explicam o não recurso à totalidade das verbas: desconhecimento dos beneficiários, candidaturas chumbadas, o adiamento do projeto-piloto devido à pandemia e alguma complexidade no processo, como apontou a comissão de acompanhamento do projeto (o que levou o Governo a prometer uma simplificação do processo de candidatura ao subsídio). Sendo assim, apesar dos números corretos, a atribuição da intenção de “guardar na gaveta” o dinheiro que não foi usado vai além da mera correção matemática.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ESTICADO

Livre defende a energia nuclear?

A frase:

No programa do Livre, encara-se com grande abertura a possibilidade de estudar o recurso à energia nuclear como uma solução para a transição energética. Para nós nunca será possível essa solução.”
António Costa

Foi o segmento mais inesperado do debate das rádios, que juntou na manhã desta quinta-feira sete dos principais candidatos às legislativas. Durante vários minutos, António Costa e Rui Tavares discutiram intensamente sobre um assunto que, em Portugal, tem estado afastado dos holofotes do debate público: a energia nuclear. Tudo começou quando António Costa procurou salientar o que o separa dos partidos à sua esquerda, com o objetivo de argumentar em defesa de uma maioria absoluta do PS, e atacou o programa eleitoral do Livre:

Há um ponto que para nós é uma linha vermelha inultrapassável. No programa do Livre, encara-se com grande abertura a possibilidade de estudar o recurso à energia nuclear como uma solução para a transição energética. Para nós, nunca será possível essa solução. Está lá escrito que o Livre está aberto a estudar e considerar a solução da energia nuclear. Nunca será solução.”

Rui Tavares não escondeu o desconforto com as declarações de Costa, exclamando várias vezes “Ora essa!” durante a intervenção do primeiro-ministro e pedindo às moderadoras para responder. Cerca de dez minutos mais tarde, quando lhe foi dada a palavra, Rui Tavares procurou desmontar o que Costa havia dito antes. “Vamos divertir-nos um bocadinho”, disse Tavares, antes de começar a sua explicação.

Só não lhe levo mais a mal porque alguém lhe preparou mal as fichas. Vamos lá ver. O Livre é contra a construção de centrais nucleares em Portugal, ponto final. São caras, são perigosas e as tecnologias existentes de fissão nuclear não fazem, no nosso entender, sentido no mix de energias de que nós precisamos para combater as alterações climáticas. O Livre diz no programa que se deve seguir atentamente o desenvolvimento de novas tecnologias nucleares, incluindo a fusão nuclear — é uma tecnologia inteiramente diferente, e se lá chegarmos daqui a dez anos, num grande projeto europeu chamado ITER [International Thermonuclear Experimental Reactor], será inteiramente segura, se funcionar — e outras tecnologias, como os chamados microrreatores, que poderão ser mais seguros, mas ainda têm o problema dos resíduos nucleares. Em relação a esses nós somos muito mais receosos ou cautelosos.”

E o candidato do Livre continuou a explicação. “Não percebo qual é a linha vermelha de António Costa em relação ao seguir atentamente o desenvolvimento de novas tecnologias. Não sei se ele pretende seguir desatentamente, ou se pretende não seguir atentamente, mas eu tenho uma novidade para dar a António Costa. A linha vermelha dele é desde logo com o seu próprio Governo e as políticas do seu próprio Governo. Se é contra não só o seguir atentamente a investigação em fusão nuclear, mas participar nela, tem de demitir o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, porque Portugal participa no desenvolvimento do ITER e das tecnologias de fusão nuclear. As tais que são diferentes das centrais nucleares de que estamos a falar. Não confundamos as pessoas.”

A discussão prolongou-se durante vários minutos, com António Costa a insistir na ideia de que o Livre pretende implementar energia nuclear em Portugal e Rui Tavares a procurar distinguir entre fusão e fissão nuclear.

Onde está, afinal, a verdade nesta discussão?

Em primeiro lugar, vamos à afirmação de António Costa. Será que o programa do Livre admite “o recurso à energia nuclear como uma solução para a transição energética“? A dúvida desfaz-se rapidamente olhando para o programa eleitoral do Livre, que inclui efetivamente uma referência à energia nuclear. Trata-se do ponto 25 do programa, que consta da página 60 do documento:

Gerir o risco nuclear para Portugal, em particular o risco de poluição radioativa no rio Tejo, cooperando com a Espanha no sentido de desenvolver um plano para níveis mínimos de risco nuclear na Península Ibérica. Seguir atentamente o desenvolvimento de novas tecnologias de produção de energia nuclear (como os small modular reactors, ou a fusão nuclear), que poderão contribuir para a descarbonização, assim como dar resposta ao crescente consumo energético.”

Este ponto do programa eleitoral aborda dois problemas distintos. O primeiro prende-se com um facto inegável: existem centrais nucleares em Espanha que representam um risco para Portugal. Destaca-se a central de Almaraz, situada nas margens do rio Tejo, a cerca de 100 quilómetros da fronteira com Portugal. Atualmente, o plano climático espanhol prevê o encerramento das centrais nucleares entre 2025 e 2035, mas a grande preocupação portuguesa respeita aos resíduos, devido ao risco de contaminação do Tejo e consequente entrada em Portugal.

O segundo ponto refere-se ao tal acompanhamento atento do desenvolvimento de novas tecnologias nucleares que permitam a produção de energia nuclear de modo limpo e seguro. Uma dessas potenciais tecnologias é o uso de small modular reactors, os tais microrreatores de que Rui Tavares falava — uma versão em pequena escala dos reatores nucleares hoje usados, com grandes vantagens de segurança, mas que mantêm o problema dos resíduos. A outra é a fusão nuclear, uma mudança completa de paradigma no que respeita à produção de energia nuclear.

Para perceber o alcance da discussão entre Rui Tavares e António Costa é necessário descortinar a diferença entre a fusão e a fissão nuclear — um tema sobre o qual a secção de ciência do Observador tem escrito com frequência.

Nuclear: criar uma bomba atómica ou produzir energia? Qual a diferença?

A fissão nuclear é a tecnologia atualmente em uso nas várias centrais nucleares que existem no planeta. Na prática, e como o nome indica, trata-se de um processo que implica a divisão de um núcleo instável em dois fragmentos mais pequenos, com libertação de energia. Para a produção de energia é usado habitualmente um isótopo instável do urânio, que se torna instável quando recebe um neutrão adicional, dividindo-se em dois núcleos diferentes e libertando não só energia como neutrões. O processo inicia-se bombardeando um átomo com um neutrão — e a reação em cadeia acontece porque os neutrões libertados em cada fissão vão provocar novas fissões. Este processo liberta grandes quantidades de energia, que é usada para aquecer água, cujo vapor faz mover uma turbina, obtendo-se assim energia elétrica.

O grande problema da fissão nuclear é que dela resultam resíduos tóxicos, incluindo muitos elementos radioativos, que podem permanecer radioativos durante muitos anos. O que lhes fazer é um dos grandes desafios da produção de energia nuclear. Algumas soluções, que incluem o encerramento dos resíduos em cofres blindados ou até o seu enterro no fundo do mar, têm o problema de poderem originar, a médio e longo prazo, acidentes e derrames.

Ao longo dos últimos anos, a comunidade científica tem-se voltado para uma nova forma de produzir energia através dos núcleos atómicos: a fusão nuclear. Na prática, a ideia é replicar na Terra aquilo que ocorre naturalmente no interior do Sol: a fusão a grande velocidade de átomos de hidrogénio, que resulta na criação de átomos de hélio, um processo que liberta energia. Esta ideia, atualmente apenas no campo teórico, já tem visto alguns avanços experimentais na última década, mas ainda não há tecnologia capaz de usar o método da fusão para produzir energia em grande escala. Ao contrário do que sucede com a fissão nuclear, a fusão nuclear é uma energia limpa: não produz dióxido de carbono, não produz resíduos tóxicos (o hélio não é radioativo) e não acarreta riscos de acidente no caso de explosão ou falha estrutural.

A tecnologia da fusão nuclear tem vindo a ser testada e investigada pelo consórcio ITER, um projeto internacional que junta 35 países — incluindo Portugal, os EUA, a Rússia, a China, a Índia, o Japão e todos os Estados-membros da UE — e que ambiciona que a sua central, situada no sul de França, seja a primeira estrutura mundial a ter uma produção líquida de energia a partir da fusão nuclear. O Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, uma Unidade de Investigação do Técnico, colabora diretamente com o desenvolvimento desse projeto há vários anos.

Voltando, então, à declaração de António Costa, o que podemos concluir? Em primeiro lugar, é verdade que o programa do Livre inclui a abertura à energia nuclear — por isso, Costa tem razão. Porém, a declaração de Costa é enganadora, uma vez que procura colar Rui Tavares à energia nuclear atualmente em uso — a de fissão nuclear —, essa, sim, poluente e perigosa. Dificilmente se compreenderia que António Costa estivesse a referir-se a toda a tecnologia nuclear, sem exceção, quando disse que “nunca será solução“, uma vez que desse modo estaria a afastar também a fusão nuclear (aquela cujo estudo é defendido pelo Livre), uma tecnologia cuja investigação o próprio Estado português apoia financeira e tecnicamente.

Conclusão

A declaração de António Costa não pode ser taxativamente classificada como falsa, uma vez que é verdade que o programa do Livre demonstra abertura à energia nuclear. Porém, também não pode ser classificada como verdadeira, uma vez que a declaração do secretário-geral do PS, se fosse lida à letra, levaria à rejeição total de uma tecnologia que, na verdade, Portugal apoia e investiga. Isso acontece porque António Costa usou a expressão “energia nuclear” com o sentido que ela detém hoje em dia: a produção de energia a partir da fissão nuclear, única em uso nas centrais nucleares que existem no mundo. Quanto a essa tecnologia, o programa do Livre aponta para uma gestão do risco a que Portugal está atualmente sujeito (relativamente às centrais de Espanha) e à promoção do estudo científico das alternativas, incluindo a fusão nuclear, que permitam a produção de energia de modo sustentável e seguro.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

Não houve aumento de mortes em Portugal como consequência da Covid-19?

A frase:

Não houve um excesso de mortalidade em Portugal por causa da Covid.”

Bruno Fialho

No debate dos partidos sem assento parlamentar que se candidatam às eleições legislativas, o líder da ADN, Bruno Fialho, foi a voz de proa na contestação à pandemia. O presidente da Alternativa Democrática Nacional é um conhecido opositor das medidas de combate à pandemia e o partido que lidera, criado em setembro (a partir do extinto PDR, que havia sido fundado por Marinho e Pinto), tem várias relações com os movimentos negacionistas — e tem feito dessa a sua principal bandeira de campanha no caminho para as legislativas de 30 de janeiro.

O debate, que decorreu na noite de terça-feira em direto na RTP, juntou os líderes dos 11 partidos sem assento parlamentar que vão disputar lugares no Parlamento em vários círculos eleitorais portugueses, mas Bruno Fialho foi o único a não comparecer fisicamente. Juntou-se à distância e fez questão de abrir o debate explicando a ausência: recusou fazer um teste à Covid-19 por considerar a medida “ilegal”. Durante o debate, desacreditou múltiplas vezes a própria existência da pandemia e até prometeu que a sua primeira iniciativa legislativa seria “decretar o fim da pandemia”.

Mas foi quando falou da mortalidade provocada pela pandemia que Bruno Fialho cruzou definitivamente a barreira do rigor factual e entrou no campo dos factos inventados. “Todos podemos errar”, disse Fialho. “Eu, por exemplo, também caí nos engodos que foram feitos pelos governos deste mundo e pelo Governo português, e acordei. Nós, quando acordamos, sentimos uma revolta ainda maior e por isso é que combatemos com muito mais objetividade.” E garantiu aos presentes: “Não houve um excesso de mortalidade em Portugal por causa do Covid.”

Bruno Fialho juntou-se ao debate à distância por recusar fazer um teste à Covid-19

Trata-se, porém, de uma falsidade evidente. A base de dados do SICO (Sistema de Informação de Certificados de Óbito), uma ferramenta de centralização de informação da Direção-Geral da Saúde que está disponível online, permite-nos perceber esta realidade. Basta olhar, a título de exemplo, para o gráfico da mortalidade geral em Portugal, que reúne dados sobre a mortalidade diária ao longo do ano, registados em Portugal entre 2009 e 2022. A sobreposição das linhas deixa bem clara uma tendência média de maior mortalidade natural nos meses de inverno — mas também permite perceber os momentos de pico, em que se registou uma mortalidade superior à média.

Por exemplo, o pico de mortalidade registado no verão de 2013 (no gráfico, o pico da linha azul em julho) reporta-se à forte onda de calor ocorrida nesse ano, que levou a um grande excesso de mortalidade, noticiado na altura. Outro pico bem visível no gráfico refere-se a agosto de 2018 (no gráfico, o pico da linha verde em agosto), relacionado com uma outra fortíssima vaga de calor — nesse verão, foram registados alguns dos dias mais quentes das últimas duas décadas em Portugal e o grande aumento da mortalidade foi notícia na época.

Mas o pico de mortalidade mais impressionante é, sem qualquer dúvida, a grande anomalia registada na linha cor-de-rosa na parte mais à esquerda do gráfico. Trata-se da linha referente ao ano de 2021, quando a mortalidade em Portugal esteve muito acima da média durante praticamente um mês, entre meados de janeiro e meados de fevereiro. Nesse período, houve dias em que se registaram mais de 700 óbitos por dia no país, um valor que é quase o dobro dos valores médios registados habitualmente naquele mês (a rondar os 400 nos anos anteriores).

Gráfico da DGS sobre a mortalidade diária em Portugal ao longo do ano entre 2009 e 2022

Trata-se de um pico de mortalidade que corresponde, justamente, ao primeiro grande pico da pandemia da Covid-19 em Portugal: quando, ainda no arranque do processo de vacinação contra a Covid-19, a variante Delta levou a que se registassem mais de 10 mil casos de infeção por dia durante vários dias consecutivos entre o final de janeiro e o início de fevereiro daquele ano (com um pico acima dos 16 mil casos no fim de janeiro), e, sobretudo, que levou o número de óbitos a ultrapassar os 300 por dia.

Gráfico do Our World In Data que mostra a evolução dos óbitos por Covid-19 em Portugal ao longo dos últimos dois anos

Aquele foi o último pico da pandemia em Portugal antes da distribuição em massa da vacina contra a Covid-19, que decorreu ao longo do ano de 2021. Como resultado desse processo vacinal, o novo pico da pandemia, que o país atravessa atualmente devido à difusão da variante Ómicron, tem provocado máximos históricos de contágios (esta quarta-feira, o número de novos casos ultrapassou os 52 mil), mas o número de internados e de mortes está bem abaixo do cenário trágico do início de 2021: esta quarta-feira, o boletim da DGS dava conta de 33 mortes, cerca de um décimo do máximo registado no final de janeiro do ano passado.

Fica, assim, comprovado que, ao contrário do que Bruno Fialho defendeu no debate, a pandemia de Covid-19 provocou efetivamente um excesso de mortalidade em Portugal — realidade que o Observador, de resto, já noticiara antes.

Depois de afirmar que “não houve um excesso de mortalidade em Portugal por causa do Covid”, Bruno Fialho seguiu recorrendo a um argumento que já havia sido desmentido antes. “Recordo o processo 525/21.4BELSB, em que há uma sentença que prova que apenas 152 pessoas é que morreram por Covid”, disse Fialho, aludindo a um acórdão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que, efetivamente, existe — mas que foi profundamente desenquadrado para efeitos retóricos. Na verdade, trata-se de um acórdão que afirma, com efeito, que foram emitidos 152 certificados de óbito pelos médicos que trabalham sob tutela do Ministério da Justiça e cuja causa de morte foi a Covid-19 — ou seja, 152 pessoas que foram autopsiadas pelos médicos do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses por se suspeitar da existência de crime associado à morte, acabando por se concluir que a causa da morte foi o coronavírus. O documento não se refere, evidentemente, à totalidade das mortes atribuídas à Covid-19 em Portugal (que, até esta quarta-feira, totalizavam 19.413). Esta informação já foi verificada pelo Observador, num fact-check que pode recordar aqui.

Conclusão

Ao contrário do que Bruno Fialho tentou defender no debate de terça-feira, houve realmente um excesso de mortalidade em Portugal associado à Covid-19 — um fenómeno que tem ocorrido ao longo de toda a pandemia, mas que foi particularmente visível em janeiro e fevereiro de 2021, durante o pico da variante Delta, antes da distribuição em massa da vacina.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

Ir de Madrid a São Francisco com escala em Lisboa fica mais barato do que apanhar o mesmo voo a partir de Lisboa?

A frase:

Um voo da TAP que faz Madrid-São Francisco, e faz escala em Lisboa. Sabe quanto paga o espanhol? 190 euros de Madrid a São Francisco com escala em Lisboa. O português, se apanhar o avião em Lisboa para ir para São Francisco, paga 697 euros”
Rui Rio

No dossiê da TAP, Rui Rio mostrou um papel onde, assegurou, estavam dois voos da companhia aérea com preços muito díspares: aquele que partia de Madrid para São Francisco (EUA) com escala em Lisboa ficava “a um espanhol” a 190 euros, enquanto o mesmo voo que partia de Lisboa ficava “ao português” a 697 euros. Ou seja, uma diferença de mais de 500 euros. “Mesmo o aeroporto de Lisboa [a TAP] serve de forma absolutamente indecente. (…) É companhia de bandeira, mas é companhia de bandeira espanhola ou de outro país qualquer. Quem paga somos nós. Isto é revoltante”, criticou. Será verdade que uma pessoa que apanhe um voo de Madrid para São Francisco com escala em Lisboa pode pagar muito menos do que uma pessoa que apanhe o mesmo voo em Lisboa?

Em primeiro lugar, Rio não disse quando fez a simulação nem em relação a que datas, portanto, não é possível averiguar a veracidade do exemplo concreto que deu. Mas o Observador fez duas simulações com datas escolhidas aleatoriamente.

Na primeira simulação, feita pelo Observador pelas 22h30 desta quinta-feira, um voo direto apenas de ida no dia 17 de janeiro (segunda-feira) de Lisboa (partida às 9h55) a São Francisco (chegada às 14h55, hora local) fica na tarifa económica a 598,43 euros, através do site da TAP.

Site da TAP

Quanto ficaria se o passageiro saísse de Madrid e fizesse escala em Lisboa apanhando o mesmo voo para São Francisco? Cerca de 142 euros mais barato (456,52 euros). A diferença não é tão grande quanto a do exemplo de Rio, mas partir de Madrid e fazer dois voos até São Francisco não deixa de ser mais barato do que partir de Lisboa e só fazer um.

Site da TAP

Se a simulação for feita através do site de busca de viagens usado por Rio — o Skyscanner — a diferença não é tão expressiva (122 euros), mas continua a fazer jus ao argumento do líder social-democrata.

Skyscanner

Skyscanner

Vejamos outra simulação, agora para um dia diferente da semana e com alguma distância temporal. Se a viagem for na quinta-feira, dia 10 de março, um passageiro que parta de Lisboa pagará à mesma 598,43 euros na tarifa económica.

Site da TAP

Mas se sair de Madrid, e fizer escala em Lisboa, pagará no mesmo dia 336,52 euros. Ou seja, uma diferença maior do que no exemplo anterior (cerca de 262 euros), mas não tão significativa quanto a de Rio.

Site da TAP

Também no site usado por Rio ficaria mais barato partir de Madrid (a diferença é de 233 euros).

Skyscanner

Skyscanner

Portanto, nas simulações feitas pelo Observador, é verdade que um passageiro que parta de Madrid com destino a São Francisco e faça escala em Lisboa paga, ao todo, menos do que um passageiro que saia da capital portuguesa com o mesmo destino final. Ainda assim, a diferença, nas simulações, não é tão expressiva quanto a apontada por Rio.

Ainda assim, os valores vão variando consoante as datas dos voos e o momento em que é feita a simulação. Na conclusão geral e, no sistema de classificação do Observador, esta afirmação é

CERTO

António Costa usou “auricular” nos debates e teve ajuda das TV’s?

A frase:

COSTA USA AURICULAR NOS DEBATES E É AJUDADO PELAS TVS. CORRUPÇÃO!”
Utilizador do Facebook

A tese começou a circular nas redes sociais horas depois do frente-a-frente de António Costa e João Cotrim Figueiredo, no último sábado: “Costa usa auricular nos debates e é ajudado pelas TV’s. Corrupção.” A alegada denúncia nasce de um momento do debate em que o líder do PS está a explicar o modelo para o IRS Jovem que constava da proposta de Orçamento do Estado para 2022 e se refere a enquadramento fiscal previstos para os “quarto e quinto anos de atividade”. Ouve-se uma voz que interrompe o socialista e que sussurra a indicação “terceiro e quarto”, António Costa corrige o que tinha acabado de dizer e o debate prossegue.

A tese é a de que essa voz que se ouve em direto, e que ainda pode ser escutada na gravação do debate (aos 8 minutos e 41 segundos), prova que o líder socialista usava um “auricular” durante o frente-a-frente com o presidente da Iniciativa Liberal e que, de alguma forma, estaria a ser “ajudado” pela TVI, estação onde o debate decorreu.

Num dos posts que propagam a suposta denúncia, surge um frame do debate com a imagem de António Costa, a indicação do momento do debate em que a “indicação” é passada ao líder socialista e a interrogação: “António Costa usa auricular durante os debates?”. O autor refere na legenda da publicação que foi “ver as várias fontes do vídeo (incluindo nas próprias gravações de 7 dias das operadoras) e é mesmo verdade…Estamos perante um verdadeiro discípulo de José Sócrates…”

Noutro post, a mesma acusação, com uma adenda: “COSTA USA AURICULAR NOS DEBATES E É AJUDADO PELAS TVS. CORRUPÇÃO!” Neste caso, a publicação remete para um vídeo no Youtube, protagonizado pelo cabeça de lista do Chega por Viseu, nas eleições legislativas de 30 de janeiro, que mostra o excerto do momento já descrito e em que a mesma acusação é repetida.

Para verificar se a tese difundida nestas publicações tem alguma validade, o Observador começou por falar com a Iniciativa Liberal. Fonte oficial do partido de João Cotrim Figueiredo assume, sem rodeios, que foi o deputado e cabeça-de-lista por Lisboa nas eleições de 30 de janeiro quem dá a indicação a António Costa de que o que estava em causa eram o terceiro e quarto escalões do IRS Jovem.

“Mais uma vez, João Cotrim Figueiredo teve de corrigir António Costa e demonstrar que o primeiro-ministro não sabe pôr o país a crescer”, diz fonte oficial do partido.

Mas o Observador também falou com a TVI para perceber se é comum os protagonistas políticos que se participam nestes debates usarem um auricular, se têm por hábito solicitar esse apoio técnico quando estão a debater com os adversários e se tinham conhecimento de qual a origem daquele sussurro que potenciou a tese aqui verificada.

O diretor de informação da estação de Queluz disse que “nunca um responsável político usou um auricular” nestes debates e que “nenhum deles solicitou” que lhe fosse disponibilizado esse tipo de apoio. “Os auriculares não são admissíveis, exceto em situações muito excecionais, quando um dos participantes não está no mesmo estúdio”, sublinha Anselmo Crespo ao Observador.

Situações excecionais são, por exemplo, aquela que aconteceu no debate entre Rui Rio e Rui Tavares. O líder do PSD estava no Porto, o candidato do Livre estava em Lisboa e, nessa situação, ambos usavam um auricular, mas apenas por uma necessidade logística. “E, mesmo nesses casos, os participantes estão apenas a ouvir a emissão, os auriculares não têm qualquer ligação direta à regie, ouvem apenas o som que está a ser transmitido”, ou seja, ouvem o mesmo que as pessoas que estão a acompanhar o debate pela televisão. “Toda a gente que está a regie só fala com os operadores e com os moderadores, nunca fala com entrevistados”, acrescenta o diretor de informação da TVI.

Fora este tipo de situações pontuais, quando se realizam debates à distância, “o único apoio que as televisões dão aos candidatos é a maquilhagem e, quando são mulheres, algum penteado que seja necessário”.

E sobre o sussurro da polémica nas redes sociais, Anselmo Crespo garante também que “é João Cotrim Figueiredo quem faz o reparo”. Até porque “um debate tem três microfones abertos — o do moderador e os dos participantes — e qualquer candidato pode interromper o outro, porque o que está ali em causa é um debate, não é uma entrevista, e é natural que se ouçam os apartes e as intervenções” dos protagonistas políticos.

Conclusão

É falso. Nem António Costa está a ser “ajudado pelas TVs” nos debates em que tem participado com os adversários nas legislativas nem o líder do PS “usa um auricular” quando está em estúdio. Só em “situações muito excecionais” os participantes nos debates usam estes equipamentos e em caso algum recebem informações do exterior.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

Nacionalizações do Bloco custam duas bazucas?

A frase:

O compromisso que [o Bloco de Esquerda] assume é emitir dívida pública, 30 mil milhões de euros de dívida pública, duas vezes o valor da bazuca europeia, para fazer uma bravata ideológica, para recomprar a ANA, os CTT, a REN, a Galp e a EDP”.
António Costa

O tema surgiu quase no final do debate entre António Costa e Catarina Martins, quando o secretário-geral do Partido Socialista atirou à líder bloquista com a proposta de “recorrer à emissão de dívida pública” para financiar as nacionalizações de empresas como a ANA, CTT, REN, EDP e Galp. O líder do PS argumentou que, considerando o valor atual das empresas (inclusive, as cotadas em bolsa), avançar com a nacionalização significaria “agravar a dívida pública em 14,5% do PIB”. “Estes recursos de agravamento da dívida para fazer uma bravata ideológica é que criam um problema muito difícil de gerir entre nós”, ainda atirou Costa.

O líder socialista ainda voltaria ao tema para especificar os valores em causa: “O compromisso que assume é emitir dívida pública, 30 mil milhões de euros de dívida pública, duas vezes o valor da bazuca europeia, para fazer uma bravata ideológica, para recomprar a ANA, os CTT, a REN, a Galp e a EDP.”

Catarina Martins defendeu-se: “Talvez o Partido Socialista ache normal que seja o Estado chinês a mandar na energia em Portugal, ou esteja contente pelos CTT estarem a ser absolutamente destruídos. O Bloco de Esquerda não se resigna a isso”, disse a coordenadora bloquista, acrescentando que esse programa é “faseado, equilibrado e pagável”.

O Observador consultou o programa do Bloco de Esquerda onde se lê que o partido “tem como prioridade a recuperação do controlo público sobre a banca e sobre empresas estratégicas nos transportes e energia”. O documento refere que “o programa de reversão das privatizações será adequado às condições de cada empresa, negociado com os acionistas no âmbito de um quadro legal adequado, financiado pela emissão de dívida pública e estendido ao longo do tempo necessário para minimizar os riscos e efeitos”. O nível de faseamento não é referido expressamente no programa, mas a proposta apelida-o de um “um programa de desprivatizações para a legislatura”, ou seja, para quatro anos.

Os valores também não são referidos pelo Bloco, mas as contas de António Costa estão certas. Se, conforme o pressuposto do primeiro-ministro, o Estado comprasse as empresas cotadas em bolsa ao preço a que estão hoje — EDP, REN, Galp e CTT — e a ANA pelo valor pelo qual foi privatizada, isso custaria ao Estado português cerca de 30 mil milhões.

Vejamos: a ANA foi vendida por 3,08 mil milhões; a REN vale no mercado 1,66 mil milhões; a EDP tem uma capitalização de 16,94 mil milhões; a Galp de 7,82 mil milhões; e os CTT valem hoje 654 milhões de euros. Tudo somado, dá 30,15 mil milhões de euros. E esse montante corresponderia a 14,5% do PIB, considerando já os valores previstos para 2021. O Governo já antecipou que a dívida pública ficou, em 2021, nos 160,4 mil milhões de euros, ou seja, 127% do PIB.

Ainda que não diga prazos, o Bloco, no seu programa, contabiliza em 50 milhões o custo do arranque da “desprivatização da REN”, que deve “iniciar-se pela recuperação dos ativos de planeamento e gestão global do sistema elétrico e de gás natural, os quais devem ser reunidos num operador de sistema independente sob a forma de empresa pública, tal como a legislação europeia admite. O valor deste conjunto de ativos a nacionalizar de imediato rondará os 50 milhões de euros”. Mas o Bloco quer, depois, avançar para o controlo total da empresa. Já sobre a EDP e a Galp, o programa acrescenta que a recuperação destas duas empresas será definida no programa nacional de desprivatizações.

De qualquer forma, o Bloco de Esquerda não limita, no seu programa, a recompra de participações para a esfera do Estado a estas empresas. Ainda diz que quer ver o Novo Banco em mãos públicas e ainda propõe a concessão de “uma linha de financiamento do Estado para resgate, pelos municípios, dos sistemas de água privatizados”.

Conclusão

As contas de António Costa estão certas. Comprar a ANA pelo valor a que foi vendida pelo governo de Passos Coelho, em 2014, à Vinci; e recomprar EDP, REN, Galp e CTT pelo valor em bolsa custaria ao Estado cerca de 30,1 mil milhões de euros, que seria, de acordo com o programa do Bloco de Esquerda, financiada por emissão de dívida.

Os 30 mil milhões de euros correspondem, de facto, a cerca de duas “bazucas” europeias. O PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) nacional está contabilizado em cerca de 16,6 mil milhões de euros — este envelope é composto por 13,9 mil milhões em subvenções e por 2,7 mil milhões em empréstimos, segundo os dados revelados pelo Governo.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO

Livre quer empresários de volta à escola?

A frase:

O Livre propõe que os empresários, para aceder a fundos com capitais públicos, tenham de voltar à escola”
Francisco Rodrigues dos Santos

A Economia é só mais um dos pontos em que CDS e Livre estão em pólos opostos nas propostas com que se apresentam a estas eleições legislativas. No frente-a-frente de Francisco Rodrigues dos Santos e Rui Tavares, o presidente centrista socorreu-se do programa do Livre para dizer que o partido “propõe que os empresários, para aceder a fundos com capitais públicos, tenham de voltar à escola”.

Ora, no capítulo dedicado aos temas do “Trabalho, Rendimento, Tempo e Proteção Social”, o programa do Livre faz referência às candidaturas que as empresas venham a apresentar, precisamente, a projetos financiados por capitais públicos.

Nesse âmbito, o Livre começa por defender a criação de um Programa de Formação Empresarial. “Os baixos níveis de formação no tecido empresarial português são um dos principais entraves à modernização da economia”, escreve o partido, para concluir que “não é possível materialmente avançarmos para uma economia de alto valor acrescentado se a mesma não for acompanhada de recursos humanos qualificados, tanto a nível técnico como na parte administrativa e gestão”.

A par do tal Programa de Formação Profissional, o Livre defende a criação de um “Índice de Formação de Empresa” que deveria atuar como um impulsionar da aposta na formação dos quadros de gestão das empresas do país. E é nesse ponto que surge uma referência na linha daquilo que foi mencionado por Francisco Rodrigues dos Santos no debate desta segunda-feira. O indicador com o nível de formação de cada empresa — pública e privada, assume-se, porque o documento não discrimina o universo a que se aplica — deve indicar “as qualificações médias” dos quadros.

Mas mais que isso: o indicador “deverá ser público e usado como fator de majoração na avaliação de candidaturas a projetos financiados por capitais públicos”.

A esse propósito, Rodrigues dos Santos considerou que a ideia era “uma ofensa aos empresários, sobretudo aos mais humildes”. E dá os exemplos do “comendador Rui Nabeiro, que tem a quarta classe, o António Saraiva, da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), que não concluiu a Escola Industrial, ou o Alexandre Soares dos Santos, que nem sequer [era licenciado]”.

Mas significa a proposta do Livre que, para concorrer a apoios com capitais públicos, os empresários têm de “voltar à escola”, como disse o líder do CDS?

Se a ideia fosse concretizada nas linhas desenhadas pelo Livre, e se os empresários tivessem em interesse em beneficiar dessa “majoração” nas candidaturas que formulassem, sim. Mas seria necessário cumprir alguns “ses” para que o argumento de Francisco Rodrigues dos Santos pudesse ser encarado como absolutamente verdadeiro.

Aliás, a proposta do Livre nem sequer concretiza a ideia ao ponto de detalhar se essa “majoração” poderia ser relevante, ou até determinante, para uma candidatura a projetos de capitais públicos; tal como não explica se, numa dessas candidaturas, seriam consideradas as qualificações de todos os quadros da empresa ou apenas aqueles que estivessem ligados, por exemplo, à apresentação de candidaturas a programas públicos.

Conclusão

A ideia está lá no programa do Livre. Mas não é rigoroso concluir que, para apresentar candidaturas a projetos com capitais públicos, os empresários “teriam” de “voltar à escola”. É uma extrapolação do líder do CDS, mas que parte de uma base factual, que é o programa do Livre para as legislativas de 30 de janeiro.

De acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ESTICADO

Médicos proibidos de acumular público e privado?

A frase:

Catarina Martins sabe bem que a grande diferença não é entre a dedicação plena que o PS defende — onde, por vontade livre dos médicos, podem produzir mais no SNS com melhores contrapartidas — e a dedicação exclusiva que o BE quer, que significa proibir os médicos de trabalhar fora do SNS”
António Costa

Que modelo propôs o Bloco de Esquerda ao Governo no que diz respeito à exclusividade ou dedicação plena dos médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS)? O tema esteve em cima da mesa no debate entre António Costa e Catarina Martins, na última terça-feira, com formulações diferentes sobre a posição de cada partido sobre este tema, em função do líder político que se referia a eles. Quem tem razão?

O debate ia sensivelmente a meio quando António Costa se dirigiu a Catarina Martins para dizer que a coordenadora do Bloco de Esquerda “sabe bem que a grande diferença”, nas duas posições em discussão, “não é entre a dedicação plena que o PS defende — onde, por vontade livre dos médicos, podem produzir mais no SNS, com melhores contrapartidas — e a dedicação exclusiva que o BE quer, que significa proibir os médicos de trabalhar fora do SNS”.

De acordo com o líder socialista, aquilo que o Bloco de Esquerda propõe é um regime de “dedicação exclusiva” em que os médicos (referidos por Costa sem qualquer limitação desse universo, portanto, numa formulação aplicável a todos os médicos) ficam “proibidos de trabalhar fora do SNS”.

Catarina Martins foi a jogo nessa discussão para defender que o Bloco de Esquerda “nunca propôs exclusividade obrigatória” mas, antes, “um regime facultativo”. “O que dizíamos é que quem chefia serviços não pode estar ao mesmo tempo a trabalhar num hospital privado do outro lado da rua”, complementou a coordenadora do Bloco de Esquerda.

O tema, na verdade, não é novo. Já nas negociações preliminares para o Orçamento do Estado para 2021, o Bloco apresentou uma proposta de aditamento ao documento sobre a “Dedicação Plena no Serviço Nacional de Saúde”. A proposta acabou chumbada e não integrou o Orçamento do ano passado e, um ano depois, o partido recuperou-a nos mesmos termos e condições para voltar à mesa de negociações já para o Orçamento do Estado para 2022.

E o que diz essa proposta?

Diz, antes de mais, que o que está em causa — como o nome indica — é a introdução de um regime de “Dedicação Plena no Serviço Nacional de Saúde” aplicável aos seus profissionais de saúde. E um regime que se divide entre “modalidades de dedicação plena obrigatória e facultativa”.

O modelo mais restritivo (portanto, obrigatório) aplicar-se-ia aos médicos do SNS que exerçam “cargos de direção de departamentos e de serviços de natureza assistencial, assim como de coordenação de unidades funcionais de cuidados de saúde primário”. Já a “dedicação facultativa” pretendia abarcar, “mediante adesão individual”, os médicos e “outros grupos profissionais que integram o Serviço Nacional de Saúde”. Ou seja, de acordo com a proposta do Bloco, médicos em cargos de direção de departamentos e serviços assistenciais, mas também de unidades de cuidados de saúde primários ficariam obrigatoriamente vinculados a um regime de exclusividade no SNS. Todos os outros médicos e profissionais de saúde teriam essa opção, mas não estavam obrigados a optar por público ou privado.

De qualquer modo, ficava claro na proposta que o Bloco de Esquerda considerava “incompatível” estar num regime de “dedicação plena” ao setor público e, ao mesmo tempo, exercer funções no setor privado.

Como contrapartida para os profissionais que passassem a estar enquadrados no regime de exclusividade, os bloquistas propunham incentivos — remuneratórios, de forma universal, e de redução do horário laboral, mediante determinadas condições.

Dedicação plena para médicos e com limites, mas Governo admite estender a outros grupos (só não diz quando)

E do lado do Governo? Em outubro do ano passado, o Executivo aprovou em Conselho de Ministros o novo estatuto do Serviço Nacional de Saúde, um documento que aguarda pela regulamentação mas que consagra já o regime de dedicação plena, ainda que com nuances face àquilo que era a proposta do Bloco.

“O regime de dedicação plena é obrigatoriamente aplicável aos médicos que venham a ser designados para exercer funções de direção de departamentos ou serviços do SNS, implicando ainda, neste caso, uma limitação ao número de horas de trabalho que podem ser exercidas noutras instituições de saúde, em moldes a negociar com as estruturas sindicais”, refere a nota explicativa divulgada pelo Governo a 21 de outubro. A grande diferença está nas limitações aplicáveis aos médicos que sejam obrigados a aderir a este regime.

Governo e Bloco de Esquerda defendiam uma aplicação obrigatória deste regime aos médicos a exercer funções de direção nas unidades de saúde do SNS e também defendiam uma aplicação “progressiva” no tempo. Mas, enquanto o Governo admite que esses profissionais, em cargos de chefia no público, possam continuar a trabalhar no privado — desde que não ocupem cargos idênticos e com horário limitado neste setor –, o Bloco de Esquerda não aceitava que médicos em exclusividade pudessem acumular funções com o privado, fossem quais fossem.

O detalhe está na forma como António Costa colocou a questão: não, não é verdade, o Bloco de Esquerda não quer proibir todos “os médicos de trabalhar fora do SNS”; É importante ressalvar que o regime é de adesão voluntária para aqueles profissionais que não exerçam funções de chefia no setor público. A nuance ganha maior relevo tendo em conta que, quando se refere ao modelo defendido pelo Governo, António Costa menciona expressamente que a adesão (para quem não exerça funções de direção) se faz por “vontade livre dos médicos”. Nesse ponto, os dois modelos são coincidentes.

Conclusão

António Costa enquadrou a proposta do Bloco de Esquerda de tal forma que a obrigatoriedade de dedicação exclusiva parecia aplicar-se a todos os médicos do setor público de saúde. O líder do PS disse que “a dedicação exclusiva que o BE quer (…) significa proibir os médicos de trabalhar fora do SNS”, mas isso não corresponde ao rigor dos factos. Sobretudo quando, ao referir-se ao modelo apresentado pelo Governo, o líder do PS mencionou o princípio de que é por “vontade livre” que os médicos fora de cargos de direção aderem ao regime de exclusividade.

Governo e Bloco defendem a exclusividade obrigatória para cargos de chefia. Todos os outros profissionais desta classe podem aderir de forma voluntária. Mas o Governo aceita que a “dedicação exclusiva” seja acumulada com funções no setor privado, desde que não idênticas às de chefia que têm no público, enquanto o Bloco pretendia ir mais longe e impedir qualquer acumulação.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

Internato médico ficou com vagas por preencher?

A frase:

Os concursos ficam meio vazios, o Governo continua a prometer concursos que ficam meio vazios e, agora, até para formar especialistas, houve dezenas de vagas que ficaram por preencher de pessoas que não o quiseram fazer.”
Catarina Martins

O ataque foi feito por Catarina Martins a António Costa, quando o Serviço Nacional de Saúde servia de fio condutor no debate entre os dois candidatos às legislativas de 30 de janeiro. “Os concursos ficam meio vazios, o Governo continua a prometer concursos que ficam meio vazios e, agora, até para formar especialistas, houve dezenas de vagas que ficaram por preencher de pessoas que não o quiseram fazer”, acusou a líder do Bloco de Esquerda, apontando a incapacidade do Governo de António Costa de reter médicos na rede pública.

A acusação é verdadeira e, de facto, este ano, cerca de meia centena de lugares ficaram por preencher no internato médico, embora existisse número suficiente de médicos qualificados para as preencherem. A denúncia foi feita em dezembro pelos diferentes sindicatos de médicos e pela própria Ordem.

“É com preocupação que a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) constata que houve dezenas de vagas de formação específica do internato médico que não foram ocupadas, com acentuadas assimetrias regionais. Pela primeira vez, desde que há mais candidatos do que vagas disponíveis no processo de escolha de especialidade, sobraram cerca de 50 vagas”, avançou a FNAM em comunicado.

Já o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) apontava que 31 das vagas sem candidatos eram de Medicina Interna e 14 de Medicina Geral e Familiar. Entre as de Medicina Interna que ficaram vazias, 10 pertenciam ao Centro Hospitalar de Lisboa Norte, que reúne o Hospital de Santa Maria e o Pulido Valente.

A FNAM acredita que uma das principais razões para esta situação é a “falta de condições de trabalho, transversal a todo o SNS”, como contaram alguns jovens médicos ao Observador na altura em que foram conhecidos os resultados do internato.

Internato médico fica com vagas por preencher. A nova geração de médicos “não quer ser escravizada” no SNS

O internato médico são os seis anos de formação num hospital do Serviço Nacional de Saúde que permitem a um médico tornar-se especialista.

Conclusão

Este ano, pela primeira vez desde que há mais candidatos do que vagas, ficaram por preencher cerca de 50 lugares de internato médico. A maioria dos lugares que ficaram vazios foram em Medicina Interna e em Medicina Geral e Familiar e o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, foi um dos que não conseguiu cativar jovens médicos para todas as vagas disponíveis. Sobraram 10 de Medicina Interna por preencher. A afirmação de Catarina Martins é verdadeira.

CERTO

Offshores ‘tiram’ 880 milhões de euros por anos aos cofres do Estado?

A frase:

[Há] 880 milhões de euros que fogem para offshores.”

Renata Cambra

Apesar de o debate televisivo dos partidos sem representação parlamentar, que decorreu na terça-feira em direto na RTP, ter ficado essencialmente marcado por mostras de ceticismo relativamente à pandemia por parte dos candidatos da ADN, do Ergue-te e do PCTP/MRPP, houve algum espaço para discutir o modelo de gestão dos serviços de saúde em Portugal, a economia do país e o modo como o SNS respondeu à pandemia da Covid-19 ao longo dos últimos anos. Durante o debate, a porta-voz do Movimento Alternativa Socialista (MAS) e cabeça de lista do partido por Lisboa, Renata Cambra, defendeu uma das grandes bandeiras do partido — o combate firme contra a corrupção — e disse que, em Portugal, 880 milhões de euros “fogem para offshores” anualmente, dinheiro que devia ser investido no SNS.

A alegação foi feita pela candidata durante uma interação com o moderador do debate, Carlos Daniel, sobre o nível de investimento do Estado no Serviço Nacional de Saúde (aqui, aos 47 minutos):

Renata Cambra: Em relação aos países da União Europeia, somos dos países que menos têm investido ciclicamente nos serviços públicos, e isso inclui a própria saúde. Nós já tínhamos um SNS a precisar de investimento, que já estava à beira da rutura, e a pandemia veio deixar isso ainda mais a nu.

Moderador: Mas, como sabe, [o SNS] já custa mais ou menos 12 mil milhões por ano.

Renata Cambra: Claro, mas vão 880 milhões que fogem para offshores. E isso é uma das diferenças que nós temos com o resto da esquerda. As nossas propostas não são só propostas bonitas no papel que, depois, quando o PS chora, nós abdicamos dessas propostas e dessas linhas vermelhas, e aceitamos só acriticamente o que o PS faz. Nós dizemos que é preciso mais investimento na saúde, mas também dizemos onde é que esse dinheiro está. Esse dinheiro está nos roubos que são feitos pelos grandes empresários e pelas administrações de bancos.

Renata Cambra, candidata do MAS, durante o debate dos partidos sem assento parlamentar (PEDRO PINA/RTP)

Mais à frente, Renata Cambra reiterou que o dinheiro destinado ao Serviço Nacional de Saúde deve ser recuperado das offshores, onde está atualmente. Mas estará realmente Portugal a perder 880 milhões de euros por ano para offshores, como disse candidata do MAS?

É fácil seguir o rasto ao número apontado por Renata Cambra. No mês passado, o presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira, Nuno Barroso, mencionou-o numa conferência sobre o combate à corrupção, nas Caldas da Rainha: “Portugal teve uma perda estimada em 880 milhões de euros, dos quais 412 milhões de euros por abuso fiscal transnacional por empresas multinacionais e 467 milhões de euros perdidos por evasão fiscal offshore.

Na ocasião, Nuno Barroso sublinhou que o valor em causa permitiria “vacinar a população portuguesa cinco vezes“.

Podemos encontrar aqueles números mais pormenorizadamente no relatório publicado em novembro de 2021 pela Tax Justice Network, grupo de investigadores e ativistas que lutam pela transparência fiscal. Nesse relatório, é atribuída a Portugal uma perda fiscal anual de 1.006,2 milhões de dólares (ou seja, 886,7 milhões de euros), o que representa 0,5% do PIB nacional. Este valor divide-se em 471,9 milhões de dólares (415,8 milhões de euros) associados ao abuso fiscal corporativo e 534,4 milhões de dólares (470,9 milhões de euros) associados à fortuna colocada em offshores — o nome que habitualmente se dá a empresas ou contas sediadas em paraísos fiscais, sujeitas a garantias de absoluto sigilo bancário e longe do alcance da lei portuguesa. São valores aproximadamente semelhantes aos apresentados por Nuno Barroso.

Com efeito, estima-se que Portugal deixe por arrecadar cerca de 880 milhões de euros em impostos todos os anos. Contudo, ao contrário do que afirmou Renata Cambra, isto não significa que todos os anos 880 milhões de euros sejam enviados para offshores. Esta prática é responsável pela perda de cerca de 470 milhões de euros em impostos todos os anos, portanto, pouco mais de metade daquele valor total.

Os restantes cerca de 415 milhões de euros são perdidos devido ao “abuso fiscal” de empresas multinacionais, que incluem práticas como o planeamento fiscal agressivo, a elisão fiscal, entre outras manobras que, embora legais numa interpretação rigorosa da lei, permitem às empresas poupar milhões de euros em impostos — por exemplo, movendo os seus lucros para países da União Europeia com regimes fiscais mais apelativos, levando a que lucros gerados em Portugal não sejam tributados em Portugal.

Tomando por base os valores da Tax Justice Network, e dada a proximidade dos valores indicados por Renata Cambra, é possível assumir que a candidata do MAS tenha partido dos dados que constam desse documento para fazer aquela afirmação. Contudo, importa ressalvar que, recentemente, o Observador verificou uma afirmação de Rui Tavares, candidato do Livre, que afirmou que a evasão e fuga fiscais retiravam anualmente a Portugal cerca de 13 mil milhões de euros — um Fact Check com resultado “inconclusivo” dada a multiplicidade de fontes de informações sobre o tema e a disparidade de valores indicados nesses relatórios.

Conclusão

Embora Renata Cambra tenha mencionado um valor sério e validado relativamente ao dinheiro que Portugal perde anualmente em impostos não arrecadados (cerca de 880 milhões de euros), foi indicou um valor demasiado elevado quando afirmou que todo esse dinheiro “foge para offshores“, uma vez que se estima que apenas pouco mais de metade desse valor esteja associado às transferências para paraísos fiscais — estando a outra parte ligada a práticas de abuso fiscal a que as empresas recorrem para pagar menos impostos. São, efetivamente, práticas distintas que lesam os Estados e que se combatem com mecanismos diferentes.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ESTICADO

Empresas de David Neeleman foram à falência em 2020?

A frase:

Em 2020, as empresas do senhor [David] Neeleman foram caindo em todo o mundo”
António Costa

No debate com Rui Rio, a 13 de janeiro, a propósito do futuro da TAP, António Costa disse que, “em 2020, as empresas do senhor [David] Neeleman foram caindo em todo o mundo”. O líder do PS tinha acabado de argumentar que, quando o Estado português compra a participação de David Neeleman, em 2020, avança com essa aquisição para “prevenir precisamente que aquele privado que lá estava, e que não merecia confiança, não daria cabo da TAP no dia em que fosse à falência”. Esta terça-feira, o empresário da aviação respondeu, acusando Costa de ter “faltado à verdade”.

Neeleman contesta a ideia central defendida por António Costa. Nomeadamente, quando assegura que, “apesar de, nos dois últimos anos, a indústria da aviação ter passado pela sua maior crise de sempre [devido à pandemia de Covid-19], nenhuma dessas empresas” em que Neeleman tem participações “foi à falência nem foi sujeita a qualquer tipo de intervenção similar até à presente data”. Quem tem razão?

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A guerra entre o Governo de António Costa e David Neeleman não é nova. Em dezembro de 2020, o ministro das Infraestruturas (que tutela a pasta da aviação em Portugal) acusou o agora antigo acionista privado de “não ter um euro para meter na TAP”. No Parlamento, Pedro Nuno Santos disse que a equipa de Neeleman geria a empresa “de acordo com os seus interesses”, que “não estavam alinhados com os bons interesses do país e dos portugueses”.

Antes dessa audição, mas já depois da saída de Neeleman da empresa — e quando Antonoaldo Neves ainda presidia ao conselho de administração — o ministro foi questionado sobre a saída iminente do gestor brasileiro indicado pelo americano. E respondeu assim: “Já devia ter saído, para que uma nova equipa alinhada com os interesses do povo português possa fazer o mais depressa possível a gestão da TAP ao serviço do povo português. Se [a situação da empresa] puder ser resolvida nestas horas, ficarei ainda mais contente.”

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Essa troca de argumentos em público entre Governo e antigo acionista teve novos desenvolvimentos esta terça-feira. Depois de Neeleman acusar António Costa de faltar à verdade sobre a viabilidade das empresas em que teria participações, durante o ano de 2020, o primeiro-ministro foi questionado sobre se acederia à exigência do gestor e pediria desculpas pelas declarações proferidas no debate com Rui Rio. “Não tenho nada a ver com o senhor Neeeleman.” E pedir desculpas? “Era o que faltava.”

Durante a tarde, o presidente do PSD também tinha alinhado posições com o antigo acionista da TAP, ao dizer que António Costa “faltou à verdade”. Mas o líder socialista optou por não esclarecer a que universo empresarial se referia quando disse que, em 2020, várias empresas participadas por Neeleman tinham falido.

Mas, afinal, a alegação de António Costa está sustentada?

O empresário brasileiro-americano foi o responsável pelo lançamento de várias companhias aéreas e investiu em outras. E, apesar de o seu nome ainda estar ligado a algumas delas, a verdade é que Neeleman opera como investidor que entra e depois vende a participação, em tese com lucro. E, das companhias em que investiu e de que depois saiu, não há notícias de insolvências. Pelo menos, no ano de 2020 e diretamente associadas à pandemia. Aliás na nota enviada à Lusa, o investidor diz que das cinco empresas que lançou nos  Estados Unidos, Canadá e Brasil “nenhuma foi à falência, nem foi sujeita a qualquer tipo de intervenção similar até à presente data”

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A mais conhecida dessas empresas é a JetBlues, a companhia aérea low-cost que lançou no final do século nos Estados Unidos e que fez a diferença pela qualidade do serviço prestado aos passageiros. Em 2007, Neeleman foi despedido da administração da Jet Blues, tendo na sequência vendido ações. Atualmente, não consta como um dos acionistas.

O empresário rumou ao Brasil e lançou a Azul, tirando partido da falência da Varig, uma das companhias aéreas de maior sucesso e que levaram a comunicação social americana a “chamar-lhe o Steve Jobs dos céus”. Foi enquanto acionista e presidente da Azul que David Neeleman aterrou em Portugal, em 2015, com uma estratégia que lhe permitiu ganhar a privatização da TAP, apostando na renovação da frota e no reforço dos voos para o Brasil e Estados Unidos.

Mas já na altura era notícia a intenção de abrir o capital da Azul em bolsa, o que reduziria a participação acionista de Neeleman. Apesar de constar ainda como acionista da transportadora brasileira, David Neeleman reduziu de forma muito substancial os seus direitos económicos na Azul ainda em 2020, na sequência de um empréstimo que contraiu junto da empresa. Atualmente, Neeleman aparece como tendo 4,6% dos direitos económicos da Azul e ainda surge como presidente do conselho de administração da empresa, que se mantém em operação.

Pouco antes da pandemia eram notícia as negociações de David Neeleman para a venda da participação que tinha na TAP à alemã Lufthansa. O processo caiu com a crise do Covid-19, mas o empresário acabou por sair da transportadora portuguesa para resolver um conflito aberto com o Governo sobre a solução financeira para a TAP. Sob a ameaça da nacionalização, Neeleman vendeu a participação em julho de 2020 por 55 milhões de euros e abdicou dos direitos económicos sobre a TAP e dos mais de 200 milhões de euros que colocou para a recapitalização logo após a compra da maioria do capital, em 2015.

Ainda nesse ano de 2020, surge a notícia de que o empresário estava a lançar uma nova companhia aérea regional nos Estados Unidos. A Breeze Airways começou a operar em maio de 2021, ainda em plena pandemia.

Apesar de nenhuma destas empresas ter estado em insolvência, David Neeleman chegou a comprar em 2017 a participação numa empresa regional — a Aigle Azur, que voava entre França e Argélia e que, segundo notícias de 2019, enfrentou um processo insolvência não relacionado com a pandemia. O empresário associou-se também ao conglomerado chinês HNA em vários negócios, incluindo na TAP, onde esta chegou a ser investidora indireta com 9%. Mas teve de vender em 2019, quando já enfrentava problemas de liquidez e uma dívida enorme. A HNA acabou por declarar insolvência.

Conclusão

David Neeleman tem colecionado participações em diversas empresas da área da aviação comercial. Mas, ao contrário do que afirmou António Costa, não é verdade que as empresas onde chegou a investir, ou naquelas em que ainda tem participação social, tenham “caído” em insolvência ao longo do ano de 2020, já durante a pandemia.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

“Imposto Mortágua” permitiria pagar as reformas antecipadas sem penalização?

A frase:

O que arrecadámos com o adicional do IMI, conhecido por ‘imposto Mortágua’, mesmo nas contas exageradas que o Governo apresenta, chegaria para pagar isto [fim do corte de sustentabilidade nas reformas antecipadas]. Foram quase 500 milhões de euros nestes anos.”
Catarina Martins

O tema das pensões antecipadas aqueceu o debate de terça-feira entre Catarina Martins e António Costa. O secretário-geral do PS acusou o Bloco de querer “minar a sustentabilidade futura da Segurança Social” com a proposta do fim do fator de sustentabilidade nas reformas antecipadas que atualmente têm uma dupla penalização: essa, que desceu de 15,2% para 14,06% este ano por causa da diminuição da esperança média de vida; e outra, de 0,5% por cada mês de antecipação (ou 6% ao ano) até à idade legal.

O tema tinha sido, aliás, um dos pontos de discórdia durante as negociações do Orçamento do Estado para 2022, com o Bloco a exigir o fim do fator de sustentabilidade nas reformas antecipadas de quem tem 40 anos de descontos. Os bloquistas têm apelidado como “absurdo” que, atualmente, uma pessoa com 41 anos de descontos e 61 de idade não seja penalizada por esse fator de sustentabilidade (porque aos 60 tinha 40 de descontos), mas se tiver 64 anos e 43 de descontos já o é. Nas contas do Bloco, o fim do fator de sustentabilidade custaria 16 milhões de euros, custo que até poderia ser coberto pelo adicional ao IMI, que ficou conhecido como “imposto Mortágua” e tem servido para alimentar a “almofada” das pensões da Segurança Social. Mas será mesmo assim?

Bloco e PS têm contas muito diferentes sobre o que significaria acabar com o fator de sustentabilidade, que, na sua génese, visava introduzir na equação o impacto do aumento da esperança média de vida. António Costa disse no debate que, pela proposta do Bloco, 180 mil pessoas “potencialmente podiam beneficiar dessa medida”. E foi mais longe: “Bastava que um terço [60 mil] desses aderisse para que o custo fosse de 480 milhões de euros por ano“, o que consideraria um valor incomportável para as contas da Segurança Social, quer pela quebra da receita quer pelo aumento da despesa. O Observador pediu ao PS uma explicação sobre como foram esses valores calculados, mas não obteve resposta. Não é, porém, certo, que com o fim do fator de sustentabilidade houvesse 60 mil a pedir pensão antecipada, até porque se manteria o corte de 6% ao ano.

Aliás, Catarina Martins não deixou sem resposta. “Não há 180 mil pessoas a quererem reformar-se em Portugal com penalizações que seriam, ainda assim, de 40%. É disso que nos está a tentar convencer e isso não é possível”, adiantou. Nas contas que o Bloco já tinha feito durante as negociações do OE, e que a coordenadora do Bloco de Esquerda voltou a repetir no debate, será “residual” o número de pessoas que têm atualmente um duplo corte na pensão por via do fator de sustentabilidade.

Em 2020, cerca de 10 mil pessoas com novas pensões antecipadas foram penalizadas com o fator de sustentabilidade, um número que já tinha sido avançado pela própria ministra da Segurança Social, no Parlamento, e que compara com um universo de 88 mil trabalhadores que pediram a reforma nesse ano (ou seja, pediram a pensão antecipada com o corte 11% dos novos pensionistas). “Teria custado 16 milhões de euros não ter este corte nas pensões. As pessoas não precisam de caridade mas da pensão justa”, atirou Catarina Martins.

Como chega o partido aos 16 milhões? De acordo com as contas que já tinha apresentado durante a discussão do OE, só no caso das pensões da Segurança Social, o Bloco parte do valor médio mensal das pensões atribuídas (em 2019, esse valor era de 490,65 euros, segundo as estatísticas mais recentes publicadas pela Segurança Social), o que daria uma despesa de 11 milhões pela não aplicação do fator de sustentabilidade.

No caso dos trabalhadores da Caixa Geral de Aposentações (CGA), o Bloco parte do princípio de que, também aqui, 11% dos novos pensionistas teve o corte do fator de sustentabilidade. E considerando que o valor médio das pensões era de 1.098,85 euros em 2019, chega a um impacto de cinco milhões de euros. Tudo junto dá os tais 16 milhões indicados por Catarina Martins. Na altura, o Bloco já considerava que, mesmo apesar de o fim do fator de sustentabilidade poder levar a um aumento dos pedidos de reforma antecipada, este seria “muito mitigado” pela manutenção do corte de 6% ao ano e não chegaria aos números do Governo.

Qual das perspetivas estará correta? Ao Observador, o economista e especialista em Segurança Social, Miguel Coelho, reconhece que as contas são difíceis de fazer, até porque não é claro como António Costa chegou aos cálculos que indicou, nem qual a base de dados. Mas acredita que um lado estará a pecar por defeito (Bloco), enquanto o outro por excesso (Costa).

Por um lado, refere, as contas do Bloco têm em conta uma pensão média que não chega aos 500 euros mensais, mas “não sabemos se quem pede a pensão com corte são as pessoas de pensões mais elevadas” — “provavelmente até são porque acham que têm uma pensão suficiente”. Essa base de cálculo, acredita, estará assim “errada” e deverá ser superior (o Observador pediu ao Ministério da Segurança Social o valor médio das novas pensões antecipadas atribuídas, mas ainda aguarda resposta).

Além disso, nota que, além do universo dos que pediram, é preciso acrescentar “os que pediriam caso não existisse o corte”. Mais: a despesa de 16 milhões diz respeito apenas ao primeiro ano. “Agora, multiplique-se por vários anos. No ano a seguir a despesa já não é só 16 milhões: é de 16 mais outros milhões de euros. E assim sucessivamente.” Um valor que tenderá a agravar-se com o aumento da esperança média de vida.

Já quanto aos cálculos de Costa, o também ex-vice presidente do Instituto da Segurança Social salienta que os 180 mil são o universo potencial e não necessariamente o real. Por outro lado, para chegar aos 480 milhões de euros, já tem por base pensões superiores às usadas pelo Bloco nos cálculos. “Diria que nem um, nem o outro está certo. Um pode pecar por excesso e outro por defeito. De qualquer forma, são valores significativos no acumulado porque não interessa só no primeiro ano, também temos de olhar para os anos subsequentes, e isso depois é uma bola de neve”, argumenta.

Mas se tivermos em conta que um ou outro número está correto, essas verbas poderiam ser pagas com as receitas do “imposto Mortágua” (o AIMI)? Segundo as estatísticas da Autoridade Tributária, o AIMI rendeu, entre 2017 e 2020, 597,8 milhões de euros, um valor que até fica acima dos 500 milhões que Catarina Martins tem referido. O ano em que rendeu mais foi, até ao momento, 2017: mais de 154 milhões de euros, um valor muito aquém do cenário apresentado por Costa, mas que daria para suportar os 16 milhões das contas de Catarina Martins — dois valores que, como vimos anteriormente, levantam dúvidas.

Além disso, como nota Miguel Coelho, o AIMI tem servido para alimentar o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, o FEFSS, que funciona como uma almofada para o pagamento de pensões caso o sistema entre no vermelho. E que ganha importância com o envelhecimento populacional.

Conclusão

As contas apresentadas pelo Bloco de Esquerda para sustentar o fim do corte do fator de sustentabilidade podem estar a pecar por defeito, ao terem por base valores médios de pensão que podem não espelhar a realidade de quem aceita receber uma pensão com duplo corte. Por isso, não é certo que a medida proposta apenas custasse 16 milhões de euros por ano.

Além disso, ainda que as receitas com o AIMI pudessem, em teoria, cobrir este valor para um ano, nos anos subsequentes a despesa continuaria a acumular, eventualmente ultrapassando a receita anual do AIMI. Além disso, a receita com este imposto tem como destino, não o pagamento das pensões atuais, mas uma almofada para reformas, ou seja, para pagar pensões futuras em caso de défice do sistema, o que ganha maior importância com o sucessivo envelhecimento populacional.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

Pena de morte é um dos “temas” do líder do Chega?

A frase:

Os temas do André Ventura são a castração química, a pena de morte, a perseguição de etnias”
Francisco Rodrigues dos Santos

Num dos momentos tensos do debate entre Francisco Rodrigues dos Santos e André Ventura, o líder do CDS disse que “os temas de André Ventura são a castração química, a pena de morte e a perseguição de etnias”. Duas das três acusações feitas ao líder do Chega são recorrentes — mas uma foi introduzida por Rodrigues dos Santos no frente a frente desta quarta-feira. A “pena de morte” é uma das bandeiras de Ventura?

O líder do Chega tem-se batido por alterações ao sistema judicial português. Uma das propostas do partido passa por rever a moldura penal de crimes de sangue e de crimes cometidos contra menores (nomeadamente, nos casos de abusos sexuais).

Aliás, esse tema suscitou polémica no debate com Rui Rio, no início do mês, quando André Ventura voltou a insistir na ideia de introduzir a pena de prisão perpétua para condenados por crimes como aqueles que foram mencionados anteriormente.

E também é verdade que, recentemente, os militantes do Chega discutiram e votaram uma proposta para reintroduzir a pena de morte em Portugal. Foi em setembro de 2020, quando o partido se preparava para um Congresso eleito.

Ao mesmo tempo que eram chamados a pronunciar-se sobre a escolha do líder, os militantes também podiam participar num referendo interno “sobre a aplicação da pena de morte em Portugal”. A informação ainda pode ser consultada numa página do Chega na interna relativa a “informações para os atos eleitorais de 5 de setembro”.

“Concorda com a aplicação da pena de morte em casos de terrorismo, homicídio qualificado, abuso sexual de menores ou violação, quando decorram em contexto de especial perversidade ou censurabilidade, a definir em lei especial?” era a pergunta a que deviam responder.

André Ventura pronunciou-se, na altura, sobre o tema. “O partido realizará no dia 5 de setembro um referendo à pena de morte em casos de criminalidade grave”, confirmou Ventura cerca de um mês antes do referendo.

“Eu, pela minha formação e fé cristã, sou contra, mas respeitei este pedido dos militantes para que o assunto fosse discutido e votado antes da nossa proposta de revisão constitucional dar entrada na Assembleia da República.”

Mas esta não foi a primeira vez que o agora líder do Chega se pronunciou sobre este tema. A 29 de maio de 2017, ainda enquanto militante do PSD, Ventura escreveu um artigo de opinião no Correio da Manhã em que se debruçava sobre “O mundo pós-Manchester” (uma semana antes, um ataque terrorista naquela cidade britânica tinha pelo menos 22 mortos, vítimas do rebentamento de duas bombas no final de um espetáculo da artista Ariana Grande).

Nesse artigo, André Ventura vaticinava que, “mais cedo ou mais tarde, este terrorismo horrífico vai-nos obrigar a discutir a pena de morte”. O texto concluía com esta ideia: “Se os nossos militares têm legitimidade para matar o maior número de terroristas possível nas suas bases no Médio Oriente, porque não o podem fazer os tribunais, quando os inimigos vivem dentro das nossas fronteiras?”

Meses mais tarde, em setembro, já como candidato à Câmara Municipal de Loures, Ventura esclarecia a sua posição, manifestando-se contra a pena de morte (e defendendo a prisão perpétua). “Não o defendo [pena de morte] nem desejo para Portugal. Outra coisa é se me choca que um terrorista que põe fim à vida de 30 ou 40 pessoas seja executado, ou um pedófilo que viola e assassina várias crianças. Não choca. Absolutamente nada. Se me quiserem julgar por isso, julguem…mas acho que ainda vivemos num país em que a opinião é livre”.

No programa Rua Segura, da CMTV, dizia ser favorável a “uma reforma próxima da que [tinha sido] feita em Espanha recentemente”, em que a pena de prisão perpétua podia ser aplicada e sujeita a revisões periódicas, nos casos em que fossem praticados “crimes hediondos”.

Conclusão

Em 2017, depois de se questionar sobre a impossibilidade de os tribunais em Portugal poderem aplicar penas de morte a condenados por terrorismo, André Ventura esclareceu a sua posição: apesar de não ficar “chocado” com a ideia de ser aplicada a pena capital, não era esse o modelo penal que defendia para Portugal.

Desde então, o agora líder do Chega tem defendido sistematicamente a introdução de uma pena de prisão perpétua para crimes de sangue, terrorismo ou crimes sexuais praticados contra menores. Mas a pena de morte não é uma bandeira de André Ventura.

ERRADO

Francisco Rodrigues dos Santos já não é presidente do CDS a 30 de janeiro?

A frase:

Francisco Rodrigues dos Santos é o líder menos legitimado destas eleições, com uma agravante: é que mandato de FRS termina antes do dia das eleições. (…) O mandato do FRS termina a 26 de janeiro, ou seja, no dia das eleições, o FRS já não é presidente do CDS, mas apresenta-se como tal”
André Ventura

André Ventura acusou o presidente do CDS de ser “o líder menos legitimado” destas legislativas porque, defendeu o presidente do Chega, “no dia das eleições, Francisco Rodrigues dos Santos já não é presidente” do partido. O argumento usado por Ventura no debate desta quarta-feira está correto, à luz dos estatutos centristas?

O documento que fixa as regras de funcionamento do CDS refere, no número 1 do artigo 31º, que “o presidente do partido é eleito pelo Congresso Nacional”. O congresso que entronizou Rodrigues dos Santos como sucessor de Assunção Cristas realizou-se a 26 de janeiro de 2020.

Mais recentemente, chegou a estar agendada a realização de um novo congresso para novembro de 2021, mas o chumbo do Orçamento do Estado e a marcação de legislativas antecipadas atiraram essa reunião magna do partido para depois das eleições — uma decisão aprovada pela maioria do Conselho Nacional do CDS, órgão máximo do partido entre congressos, mas que deixou o CDS em convulsão interna.

Posto isto, e considerando que no dia 26 de janeiro se completam dois anos após a eleição do atual líder centrista, será verdade que, no dia das eleições, no dia 30 de janeiro, Francisco dos Santos já não será um líder em funções? Errado.

De volta aos estatutos do CDS, o número 2 do mesmo artigo 31º estabelece que “o presidente em funções cessa o seu mandato logo que sejam apurados e proclamados os resultados da eleição realizada, pelo presidente da Mesa do Congresso, e o presidente eleito toma posse do cargo”.

Neste momento, e depois da polémica de final de outubro do ano passado (quando o Conselho Nacional aprovou o cancelamento do congresso de novembro), não há data fixada para nova reunião magna que discutirá — e votará — quem é o presidente do CDS para os dois anos seguintes — quem tem competência para marcar nova data é o Conselho Nacional, que deverá reunir-se depois das legislativas.

Serão depois os conselheiros a marcar nova data para eleições internas. Até ao apuramento dos resultados e à tomada de posse dos novos órgãos, Francisco Rodrigues dos Santos é formalmente o líder em funções.

Conclusão

Não é verdade que, “no dia das eleições, Francisco Rodrigues dos Santos já não é líder do CDS”, como defendeu André Ventura. Os estatutos determinam que o presidente do partido apenas cessa funções depois de “apurados e proclamados os resultados” da nova eleição.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

Portugal tem a quinta eletricidade mais cara da Europa?

A frase:

Essa direita popular [CDS] é a mesma que votou contra a descida do IVA da eletricidade num país que tem a quinta eletricidade mais cara da Europa.”
André Ventura

O líder do Chega atacou o presidente do CDS-PP, no debate para as legislativas de 30 de janeiro, que decorreu esta quarta-feira, por ter votado contra uma proposta que o partido apresentou no Parlamento para a descida do IVA da eletricidade para 6%. Isto num país que, segundo declarou André Ventura, tem a quinta eletricidade mais cara da Europa.

O Chega, no âmbito do orçamento suplementar de 2020, apresentou de facto uma proposta de descida do IVA da eletricidade e do gás natural para 6%, chumbada pelo PS, PAN, PSD e CDS, tendo recebido a abstenção do BE e do PCP e os votos favoráveis do Chega e da Iniciativa Liberal.

Quanto aos preços da eletricidade, de acordo com os últimos dados do Eurostat, e compilados pela ERSE, Portugal tem a oitava eletricidade mais cara da Europa para os clientes domésticos. Os números são referentes ao primeiro semestre de 2021.

Fonte: ERSE

Nestes dados, que incluem o preço já depois de impostos e taxas, Portugal surge como oitavo mais caro, ainda assim abaixo da média europeia a 27 países e abaixo da média da Zona Euro. Sendo o preço da energia também mais baixo que os preços médios de Espanha. “Portugal é o 8.º país da União Europeia com os preços mais elevados, sendo que os preços mais baixos ocorrem, em geral, nos países do leste da Europa”, escreve a ERSE no boletim referente ao primeiro semestre de 2021, onde se refere que, nesse período, “Portugal registou uma descida de -1,7% dos preços de eletricidade no segmento doméstico, face ao semestre homólogo de 2020”.

No caso dos consumidores não domésticos, os preços médios de eletricidade já é dado pela ERSE sem o IVA e Portugal encontra-se na 11.ª posição. “Portugal deixa de estar entre os países com preços mais elevados, sendo que os preços mais baixos ocorrem em alguns dos países do norte da Europa e em países de Leste”, diz a ERSE.

Fonte: ERSE

Ou seja, Portugal não está em quinto lugar no conjunto de países europeus com eletricidade mais cara, segundo os últimos dados. No entanto, no seguimento da frase de André Ventura, o líder do Chega fala, depois, do combustível que os portugueses pagam, que tem um regime fiscal distinto da eletricidade. André Ventura acusou o CDS de se esquecer dos “portugueses que fazem o IC19 de manhã, que vêm de Almada para Lisboa, que vão de Gaia para o Porto, que têm de pagar a gasolina do seu bolso”.

Quanto aos combustíveis, segundo a ERSE, com referência ao terceiro trimestre de 2021, “Portugal situa-se na quinta posição dos países que vendem gasolina 95 simples mais cara na UE-27, sendo que o preço praticado corresponde a uma diferença de 55 cent/l e 17 cent/l face ao país com os preços mais baixos e ao país com os preços mais altos, respetivamente”. Se considerados os preços antes de impostos, Portugal estava igualmente na quinta posição.

Já no gasóleo simples, “Portugal situa-se na sexta posição dos países que vendem gasóleo simples mais caro na UE-27, sendo que o preço praticado corresponde a uma diferença de 37 cent/l e 24 cent/l face ao país com os preços mais baixos e ao país com os preços mais altos, respetivamente”. Sem impostos, o preço nacional fica na décima posição.

Conclusão

André Ventura referiu-se especificamente a Portugal como ocupando o quinto lugar no ranking de países com eletricidade mais cara na Europa. Na eletricidade, de facto, não está na quinta posição. Nos últimos dados, encontrava-se, nos consumos domésticos, na oitava; e, nos não domésticos, na 11.ª.

Se considerarmos o preço dos combustíveis, então, sim, no caso da gasolina 95 já estaria no quinto lugar. Mas no gasóleo desce de posição, sendo mais barato do que outros cinco países.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

De 700 mil para um milhão sem médico de família?

A frase:

Tínhamos cerca de 700 mil utentes sem médico de família em 2019. Neste momento, há mais de um milhão de utentes sem médico de família”
Catarina Martins

A Saúde tem sido um dos pontos de combate entre o Bloco de Esquerda e o PS. Não era António Costa quem estava no frente a frente com Catarina Martins, esta terça-feira, mas, no debate com Rui Tavares, a coordenadora do Bloco de Esquerda disse que o país tinha “cerca de 700 mil utentes sem médico de família, em 2019”. E depois acrescentou que esse universo disparou para “um milhão de utentes sem médico de família”, neste momento. Os números batem certo?

Fact Check. António Costa prometeu, em 2016, médico de família para “todos os portugueses”?

Para confirmar estes dados, olhamos para o Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde. Um portal gerido pelo Governo e que compila vários dados oficiais deste setor, entre os quais o número de utentes inscritos em unidades de Cuidados de Saúde Primários (CSP), por um lado; e, entre esses, o número de utentes que não tem médico de família atribuído, por outro lado.

Os números mais recentes são de julho de 2021. E mostram que, nesse mês, havia 10.410.404 utentes inscritos em Cuidados de Saúde Primários. Por comparação, em julho de 2019 estavam inscritos 10.262.344 utentes nestas unidades. Ou seja, há agora mais 148.060 utentes inscritos nestes serviços.

Quanto ao número de utentes sem médico de família — o ponto do argumento de Catarina Martins —, em julho de 2021, esse universo era de 1.156.988 utentes. Dois anos antes, em julho de 2019, o número era bastante inferior: 663.200 pessoas em Portugal não tinham médico de família atribuído. Ou seja, apesar de haver agora quase mais 150 mil utentes inscritos em Cuidados de Saúde Primários, em comparação com há dois anos, há agora mais 493.788 utentes sem médico de família — na prática, um número três vezes superior ao de novos inscritos nestas unidades.

Dados do Portal da Transparência

Numa análise mais fina dos dados, é importante notar que há uma parte dos utentes inscritos em CSP que não tem médico de família atribuído por opção. Em julho de 2021, eram 33.939 utentes; em julho de 2019, eram 25.668 utentes.

Mas esta parcela é pouco significativa, quando comparada com o número de utentes sem médico de família atribuído por incapacidade resposta do sistema.

Conclusão

Aquilo que resulta claro dos dados oficiais é que, sim, os números apresentados por Catarina Martins estão basicamente corretos. Dos cerca de 660 mil de 2019, Portugal passa para mais de um milhão de utentes sem médico de família, de acordo com os número mais recentes.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO

Doentes Covid num grupo privado só depois de médicos alemães chegarem a Portugal?

A frase:

Num grande grupo de saúde, conhecido aqui na cidade de Lisboa, só puderam acolher doentes Covid-19 quando tivemos uma equipa de médicos alemães em Portugal e que foram colocados neste hospital para poder servir, porque não tinham recursos humanos suficientes.”
António Costa

No debate deste domingo com o líder do CDS, António Costa garantiu não ter sido por questões ideológicas do Governo que os hospitais privados não receberam mais doentes Covid provenientes do SNS durante a pandemia, mas sim por falta de profissionais. O primeiro-ministro deu mesmo como exemplo o caso do Hospital da Luz que, segundo a sua versão, só pôde receber doentes Covid quando “tivemos uma equipa de médicos alemães em Portugal e que foram colocados neste hospital para servir, porque não tinham recursos humanos suficientes”. Mas não foi isso que aconteceu.

Antes ainda da chegada da equipa alemã, já os hospitais privados estavam a receber doentes Covid do Serviço Nacional de Saúde há cerca de dois meses. E, olhando só para o caso do Hospital da Luz, aquele que António Costa referiu, os dados de internamentos do dia em que chegaram os profissionais alemães mostram isso mesmo.

As instalações do Hospital da Luz de Lisboa (onde se concentrou a resposta Covid do grupo privado) tinham, à data, um total de 50 camas em unidades de Cuidados Intensivos, estando 16 delas alocadas a outras patologias e 24 a doentes Covid. O hospital tinha ainda outras dez camas para urgências, que também vieram a dar resposta a doentes com o novo coronavirus.

O que dizem os números de internamentos de Fevereiro de 2021?

Reportando ao dia 4 de fevereiro de 2021, altura em que os alemães chegaram a território nacional, o hospital da Luz estava a dar resposta com recursos próprios a 98 doentes Covid hospitalizados, 26 deles a receber cuidados intensivos. Quase metade destes doentes (12), soube o Observador junto de uma fonte da Luz Saúde, eram do Serviço Nacional de Saúde. A equipa alemã, que aterrou no dia 3 de fevereiro, só começou a tratar doentes a 8 de fevereiro, tendo passado 16 pessoas pela unidade que esses médicos ocuparam — e havendo o registo de 3 mortes.

Recorde-se que o processo formal de auxílio alemão teve início a 25 de Janeiro, após uma solicitação por parte de Marta Temido ao governo alemão, através da ministra da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer. E já nesse mês havia doentes Covid nas unidades privadas, nomeadamente no Hospital da Luz.

Em janeiro, no dia 15, este hospital tinha um total de 9 doentes Covid em unidades de Cuidados Intensivos e 21 em enfermaria, não tendo sido possível apurar qual a percentagem, se é que havia, de utentes vindos do público. Nessa altura, o hospital respondia a esses casos com os seus recursos próprios, longe do limite definido internamente. Mas, poucos dias depois, acabou por ser anunciado um reforço da capacidade do Hospital da Luz de Lisboa para receber doentes Covid, o que foi conseguido graças ao reagendamento da atividade nas unidades periféricas. Entre o início de 2021 e o fim de janeiro, já tinham assim sido tratados mais de 300 doentes infetados com a SARS-CoV-2 — entre os do público e do privado.

Então quando é que o Hospital da Luz começou a receber doentes? Bom, depois de uma partida em falso, em março de 2020 — altura em que o Governo acabou por clarificar a possibilidade de tratamentos em unidades privadas pagos pelo SNS, quando encaminhados por instituições públicas —, o primeiro doente com o vírus que entrou na Luz através do SNS foi a 7 de dezembro de 2020 — muito antes, portanto, da chegada dos profissionais de saúde germânicos.

Recursos da Luz até deram apoio à UCI dos alemães

Segundo publicado no site da unidade de saúde privada, aquando da despedida da equipa alemã, a 25 de março de 2021, a nova unidade de Cuidados Intensivos criada nas suas instalações contou enquanto cá esteve com o apoio dos recursos humanos do hospital sempre que tal foi necessário: “Enquanto aqui estiveram, os profissionais de saúde alemães contaram permanentemente com o apoio de todos os recursos clínicos do HL Lisboa, nomeadamente das especialidades médicas de apoio à unidade de Cuidados Intensivos, da Patologia Clínica, dos exames de Imagiologia, bem com das cadeias de abastecimento de consumos clínicos e fármacos”.

Aliás, o Hospital da Luz disponibilizou atendimento a grávidas com Covid e tinha inclusivamente duas camas de intensivos pediátricos, apurou o Observador junto da mesma fonte — na altura, as camas pediátricas não foram necessárias, mas mais recentemente a sua utilização tem sido mais comum.

Profissionais alemães foram para a Luz por falta de profissionais?

A ministra da Saúde, Marta Temido, explicou a 10 de fevereiro de 2021, numa audição na Comissão Parlamentar de Saúde, que se entendeu “que o mais vantajoso era que [os profissionais alemães] estivessem a trabalhar juntos e num espaço único, daí a opção que foi feita e a colaboração que também foi dada por este prestador para permitir criar essas condições”.

Dias antes, num comunicado do Governo que citava Temido aquando da receção à equipa, dava conta de que o “Hospital da Luz, em Lisboa, […] dispunha de instalações, mas não de profissionais de saúde em número suficiente”. Isto, para alargar os cuidados que já prestava então. Porque, como demonstrado, à data o grupo privado já recebia doentes Covid, incluindo do SNS. Minutos depois uma nova nota do Governo já nem refere a alegada falta de meios daquele hospital, dando apenas ênfase à colaboração que permitiu criar a unidade para os profissionais estrangeiros trabalharem.

Conclusão

António Costa recorreu ao exemplo da equipa de médicos alemães que estiveram em Portugal, numa fase crítica do combate contra a pandemia, para ilustrar que o Governo não teve preconceitos ideológicos em recorrer aos serviços privados de saúde. Mas disse que essa cooperação só foi possível, no caso de um operador privado em Lisboa, com a chegada desses profissionais de saúde alemães. Não é verdade.

No momento em que os médicos chegaram a Portugal, o grupo Luz Saúde já estava a receber e a acompanhar doentes Covid com recurso aos seus próprios profissionais de saúde e equipamentos.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

Candidatura às presidenciais explica faltas de André Ventura no Parlamento?

A frase:

Oh, João, não esperava isso [críticas sobre faltas aos trabalhos parlamentares]… Eu fui candidato presidencial.”
André Ventura

A meio do debate com André Ventura, o presidente da Iniciativa Liberal acusou o líder do Chega de “passar pouco tempo no Parlamento”. André Ventura reagiu — primeiro com desagrado, depois com um argumento em que procurava justificar-se com o facto de ter sido candidato à Presidência da República nas eleições de 24 de janeiro de 2021. Mas foi esse compromisso político que afastou Ventura dos trabalhos parlamentares?

A atual legislatura teve início depois das eleições legislativas de 2019. O Observador consultou os registos de presença do deputado único do Chega nas sessões plenárias da Assembleia da República e chegou a um valor: desde o início da legislatura, e até ao final da terceira sessão legislativa, André Ventura tem assinaladas um total de 22 faltas aos trabalhos plenários.

Dessas faltas, 21 são justificadas com a participação em “trabalhos políticos” e apenas uma ficou a dever-se a motivo de “doença” (a 6 de março de 2020).

Recuperando o argumento do líder do Chega, também é possível constatar que, no período em que o “trabalho político” poderia dever-se à participação na campanha oficial para as presidenciais — entre 9 e 22 de janeiro —, há registo de quatro faltas. Se somarmos a este período as duas faltas dadas imediatamente antes do período oficial em que os candidatos estiveram em campanha, chegamos a um total de seis faltas aos trabalhos parlamentares em plenário.

Isso significa que menos de um terço do total de faltas atribuídas a André Ventura ficaram a dever-se à presença na campanha, onde acabou por conquistar o terceiro lugar (atrás de Marcelo e de Ana Gomes), com um resultado de 11,9%, correspondentes a 496.773 dos votos.

Cotrim Figueiredo e José Luís Ferreira foram os únicos líderes sem faltas nos plenários

No debate deste domingo, André Ventura tinha à sua frente João Cotrim Figueiredo. Em agosto de 2021, o Observador já tinha escrito que, a par de José Luís Ferreira (PEV), o deputado único da Iniciativa Liberal era o único líder sem qualquer falta a sessões plenárias registada. E esse dado mantém-se atual, uma vez que os dados oficiais não indicam qualquer ausência de Cotrim Figueiredo aos trabalhos parlamentares até ao momento.

Conclusão

André Ventura tentou contra-argumentar a crítica às suas ausência nas sessões plenárias da Assembleia da República com a ideia de que esteve envolvido numa campanha para as presidenciais, como candidato, procurando passar a ideia de que isso justificaria — se não todas — pelo menos parte significativa das faltas registadas em seu nome.

Os dados oficiais mostram que esse argumento é enganador. De um total de 22 ausências (entre as quais, uma por doença), apenas seis (já contando com o período não oficial de campanha) aconteceram nessa fase, em janeiro de 2021.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

Carga fiscal subiu por via das contribuições sociais?

A frase:

O peso dos impostos no PIB desceu 1 ponto percentual. A carga fiscal tem aumentado porque tem aumentado as receitas da segurança social. A carga fiscal tem subido porque há mais emprego e mais rendimento.”
António Costa

A carga fiscal tem vindo a subir, tal como Rui Rio referiu. Mas António Costa realçou que a carga fiscal subiu por via do aumento das contribuições para a segurança social. Analisando os dados do INE, até final de 2020, nesse ano a carga fiscal atingiu os 34,8% do PIB, mais 0,4 pontos percentuais que os 34,4% de 2015. Já em 2016, o primeiro ano inteiro da primeira legislatura de Costa, a carga fiscal ficou nos 34,1%, menos 0,7 pontos que em 2020.

Se considerados apenas a componente impostos, esta atingiu em 2020 24,5% do PIB, enquanto em 2015 foi de 25,4%. Ou seja, menos 0,9 pontos percentuais (perto do ponto percentual referido por António Costa), e as contribuições sociais efetivas subiram de 9% em 2015 para os 10,3% do PIB em 2020. Ou seja, uma subida de 1,3 pontos percentuais.

Assim, a componente dos impostos em percentagem do PIB caiu, enquanto as contribuições sociais subiram, mas a carga fiscal subiu.

INE

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO

84 mil pessoas saem de Portugal todos os anos?

A frase:

Nós hoje temos uma emigração que é de 84 mil pessoas por ano”
Rui Rio

O candidato social-democrata Rui Rio afirmou no debate com o socialista António Costa que cerca de 84 mil pessoas estão sair de Portugal anualmente. Defendendo um aumento do salário mínimo adequado à realidade económica, o líder do PSD sugeriu que as baixas remunerações em Portugal são um dos motivos por que “nós hoje temos uma emigração que é de 84 mil pessoas por ano”.

Mas os números apresentados por Rui Rio não coincidem com as mais recentes estatísticas apresentadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) — aqui e aqui — e pela Pordata: os dados de 2020 indicam que, nesse ano, registaram-se 68.209 emigrantes — 25.886 deles permanentes e 42.323 deles temporários. É preciso recuar até 2017 e 2018 para encontrar números de emigração na ordem dos 80 mil, como os que Rui Rio apontou.

Desde 2014 que o número total de emigrantes está a diminuir anualmente: depois de, há oito anos, Portugal ter registado 134.624 emigrantes, o país alcançou os 81.051 em 2017 e os 81.754 em 2018. Depois disso, as estatísticas portuguesas apontam para 77.040 em 2019 e para 68.209 em 2020. Estes números também são os apontados pelo Observatório de Emigração — que, tal como o INE e a Pordata, não menciona estatísticas para o ano de 2021.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

A taxa de desemprego já recuperou?

A frase:

Nós, felizmente, já conseguimos retomar uma taxa de desemprego ao nível em que estávamos antes da crise”
António Costa

Durante o debate frente a Rui Rio, António Costa parafraseou o Presidente da República para defender um “virar de página da pandemia”, com um foco na recuperação económica e social. E foi então que disse: “Nós, felizmente, já conseguimos retomar uma taxa de desemprego ao nível em que estávamos antes da crise.”

Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos à taxa de desemprego (ajustada de sazonalidade) dizem respeito a novembro de 2021, mas são ainda provisórios: nesse mês, o indicador ter-se-á fixado em 6,3%, uma redução de uma décima face ao mês anterior. O INE ainda terá, no entanto, de confirmar este valor, o que deverá acontecer só no próximo mês. Se tivermos estes 6,3% em conta, a afirmação de António Costa é verdadeira, uma vez que no mês imediatamente anterior à chegada da pandemia (fevereiro de 2020) a taxa de desemprego estava em 6,6%, valor que desceu ligeiramente no primeiro mês da pandemia, março de 2020 (6,3%), muito por força do aumento da população inativa.

Se em vez do valor provisório de novembro de 2021, olharmos para o valor final de outubro, a afirmação do secretário-geral do PS também é verdadeira: nesse mês, a taxa de desemprego foi de 6,4%, ligeiramente acima de março de 2020, mas abaixo dos 6,6% de fevereiro de 2020.

É verdade que a taxa de desemprego já está aos níveis do pré-crise (fevereiro de 2020).  Em novembro do ano passado, estava em 6,3%, um valor que ainda é provisório, mas mesmo se tivermos em conta o mês de outubro (dados já finais) o valor (6,4%) também fica abaixo do pré-pandemia (6,6%).

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO

António Costa falhou a promessa de garantir médicos de família?

A frase:

Na resposta do imediato, uma das falhas que há é a falta de médico de família para mais de um milhão de portugueses, uma promessa não cumprida pelo governo do dr. António Costa.”
Rui Rio

É uma promessa feita no programa eleitoral do PSD para estas legislativas: garantir médico de família para todos os portugueses. E foi enquanto tentava explicar como cumprirá essa promessa — através de parcerias com privados — que Rui Rio acusou o PS de ter falhado uma promessa idêntica.

“Na resposta do imediato, uma das falhas que há é a falta de médico de família para mais de um milhão de portugueses, uma promessa não cumprida pelo governo do dr. António Costa”, disse o líder do PSD.

Nas legislativas de 2015, o PS escrevia no seu programa eleitoral que iria “prosseguir o objetivo de garantir que todos os portugueses têm um médico de família atribuído”. No programa do Governo, a promessa volta a ser inscrita nos mesmos moldes. Desapareceu do programa do Governo seguinte de António Costa, em 2019.

Por outro lado, em 2016, numa intervenção em Coimbra, em 2016, num momento em que os socialistas estavam reunidos para lançar as bases de mais um ano de atividade política, António Costa voltou ao assunto: “Não estamos conformados e vamos continuar a trabalhar para, daqui a um ano [em setembro de 2017], podermos dizer que deixou de haver portugueses sem acesso a médico de família.”

Quanto aos valores, os dados do portal Transparência do SNS revelam que em junho de 2021 havia mais de um milhão de utentes sem médico de família: 1.057.839.

CERTO

Portugal exporta mais agora do que em 2019?

A frase:

Conseguimos ter as empresas portuguesas a exportar mais do que exportavam em 2019”
António Costa 

O Instituto Nacional de Estatística (INE) indicou na última segunda-feira, 10 de janeiro, que no que diz respeito às exportações de bens cresceram 5,2% no acumulado dos 11 meses até novembro de 2021, em comparação com os níveis registados no mesmo período de 2019.

Quando se compara apenas o mês de novembro de 2021, com novembro de 2019, as exportações cresceram 15,1%. São dados que o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, considerou “impressionantes” por mostrarem que “as empresas portuguesas, numa conjuntura internacional que tem tido algumas dificuldades, têm sido capazes de conquistar quota de mercado e enfrentar da melhor maneira as dificuldades de abastecimento de matérias-primas ou de componentes”.

Estes dados dizem respeito às exportações de bens, não incluindo, portanto, as exportações de serviços, o que diz respeito, sobretudo, ao turismo. Esse é um setor que continua a ser penalizado pela pandemia de Covid-19 e sobre o qual não existem dados tão recentes. Aí, a recuperação face a 2019 ainda não foi concluída e o último boletim económico do Banco de Portugal antecipa que “as exportações de serviços atingem o nível pré-pandemia no final de 2023”.

Exportações aumentam 16% em novembro de 2021. “Resultados impressionantes”, diz ministro

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

PRATICAMENTE CERTO

Costa disse antes das eleições, em 2015, o que faria caso perdesse?

A frase:

Ao contrário do que Rui Rio diz, eu em 2015 disse aos portugueses o que é que faria
António Costa

António Costa: “Ao contrário do que Rui Rio diz, eu em 2015 disse aos portugueses o que é que faria. Esta é a manchete do Expresso do dia 26 setembro de 2015, uma semana antes das eleições de 2015. Preto no branco disse o seguinte: Costa chumbará um governo de direita se ele for minoritário. Disse aos portugueses que se a direita fosse minoritária, concorrendo em coligação toda junta contra o Partido Socialista e ficasse em minoria faríamos tudo para conseguir uma negociação à esquerda que nos permitisse haver governação”.

No debate frente a Rui Rio, António Costa afirmou — munido de uma cópia da primeira página do Expresso de dia 26 de setembro de 2015 — que nas legislativas desse ano “disse aos portugueses preto no branco” antes das eleições o que é que faria. Disse mesmo? A resposta não é assim tão linear já que não houve declarações públicas de António Costa nesse sentido.

A edição do Expresso desse dia 26 de setembro fez de facto manchete com a hipótese de António Costa chumbar um governo minoritário de direita, que António Costa aproveitou agora para ler, mas essa manchete do jornal Expresso coloca o ónus no Partido Socialista e tem por bases fontes em off, não atribuindo de forma direta a António Costa essa solução.

Tal como o Expresso, também o Observador no mesmo data deixava no ar a hipótese de António Costa fazer “governo mesmo que perdesse”, mas “só com o apoio do PCP e BE”. O artigo também foi construído tendo por base fontes socialistas, em off, e houve mesmo quem ainda assim ironizasse com a hipótese. “Só é admissível chumbar um governo se houver uma proposta alternativa. Não vejo como fazer um entendimento com o PCP, que quer a saída do euro, e com o BE que quer a nacionalização dos setores estratégicos… Mas, enfim, o Jesus foi para o Sporting [foi em 2015 que Jorge Jesus trocou o Benfica pelo Sporting]”, dizia um dos membros do círculo político de Costa ao Observador – benfiquista, para que se perceba a ironia.

António Costa escudou-se na manchete do jornal Expresso de 26 de setembro de 2015 para responder às acusações de Rui Rio e frisar que disse “preto no branco aos portugueses” o que faria depois das eleições, mas a verdade é que o texto do semanário foi construído com bases socialistas em off. O então secretário-geral do PS optou na altura, de forma estratégica, por nunca o dizer em “on” nem de forma direta. Mesmo que tenha sido ele a fonte em off, é enganador dizer que disse “preto no branco” o que faria.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

Países do leste ultrapassaram Portugal?

A frase:

Até os antigos países de leste, antigos países comunistas, países pobres, que entraram para a União Europeia depois de Portugal, muitos deles já nos ultrapassaram”
Rui Rio

Rui Rio disse-o e insistiu na ideia. “Até os antigos países de leste, antigos países comunistas, países pobres, que entraram para a União Europeia depois de Portugal, muitos deles já nos ultrapassaram.” O líder do PSD falava sobre o estado e o crescimento da economia e criticava o caminho seguido pelos socialistas que, na sua opinião, levou a que o país fosse ultrapassado por “países pobres”.  Rui Rio não é claro a que se refere quando fala em ultrapassagem, mas seja do PIB per capita, seja em velocidade de crescimento, a alegação é, de facto, verdadeira. Em primeiro lugar, o relatório de análise económica a Portugal, que foi divulgado no dia 26 de fevereiro de 2020 pela Comissão Europeia, compara o país com outros que entraram depois dele na UE e demonstra que estão a crescer a uma velocidade superior à portuguesa.

Nesse documento, a afirmação que se pode ler é clara: “O rendimento médio per capita em paridade de poder de compra para os 10 países que entraram na União Europeia em 2004 já está ao mesmo nível de Portugal, superando uma diferença de cerca de 17 pontos percentuais em 15 anos”. Ou seja, em velocidade de crescimento ultrapassaram Portugal, deixando para trás o fosso que nos separava em 2004.

Os países em causa são República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia, Eslovénia (da Europa de Leste), Malta e Chipre (do Mediterrâneo) e a fraca evolução de Portugal, quando comparada com os dez, é evidente.

Por outro lado, se consultarmos a tabela do Pordata “Que países criam mais e menos riqueza por pessoa, em paridades de poder de compra?” conclui-se que Portugal está a ficar para trás. Em 2020, o PIB per capita de Portugal foi de 23.000 dólares. Na República Checa, no mesmo ano, foi de 27.900. Na Estónia foi 25.700 e na Lituânia de 25.900. Na Eslovénia chegou aos 26.400.

Portanto, a afirmação de Rui Rio é verdadeira.

CERTO

IL não votou contra medidas restritivas?

A frase:

Não votámos contra nenhuma medida restritiva, votámos contra os estados de emergência”
João Cotrim de Figueiredo

O líder da Iniciativa Liberal estava a ser acusado por Catarina Martins de ser irresponsável na forma como abordou a pandemia, quando disse: “Não votámos contra nenhuma medida restritiva, votámos contra os estados de emergência.” A primeira parte da frase de João Cotrim Figueiredo — proferida no debate da pré-campanha para as legislativas contra a líder do Bloco de Esquerda — não corresponde à verdade. Não só a Iniciativa Liberal votou contra medidas de contenção (como o uso de máscara na rua) como as posições públicas do partido foram sempre no sentido de criticar as medidas de restrição.

Não é preciso recuar muito para contrariar a frase de Cotrim Figueiredo. Ainda há pouco mais de um mês, o Parlamento aprovou uma lei preventiva que permite ao Governo impor algumas restrições como, por exemplo, voltar a tornar obrigatório o uso de máscaras na rua, caso venha a ser necessário. A Iniciativa Liberal não só votou contra como Cotrim Figueiredo afirmou sobre a lei: “É excessiva e levanta questões legais. Como é ou ilegal ou imoral ou intencional, só resta votar contra.” Esta é uma medida restritiva no sentido que, com ela, o Governo pode impor a “obrigatoriedade do uso de máscara para o acesso, circulação ou permanência nos espaços e vias públicas.”

Mas há exemplos mais antigos. Em junho de 2021, o Parlamento votou a renovação da imposição transitória da obrigatoriedade do uso de máscara em espaços públicos e houve apenas dois partidos que votaram contra: o Chega e, precisamente, a Iniciativa Liberal. Isso mesmo pode ser verificado nos serviços do Parlamento. Mais uma vez, tratava-se de uma medida que restringia a liberdade das pessoas, logo, é uma medida restritiva.

E se o uso de máscara nas ruas — bem como as declarações de estado de emergência — tem de ser discutido e aprovado na Assembleia da República, a elaboração de medidas restritivas de combate à pandemia são uma competência do Governo. E, aí, tem restado à Iniciativa Liberal pronunciar-se publicamente. Essas declarações também vão no sentido oposto à ideia de que Cotrim não se opôs a medidas restritivas, mas apenas a que fosse decretado o estado de emergência.

Após o Conselho de Ministro de 21 de dezembro, em que foram anunciadas as medidas restritivas para o Natal, a dirigente da Iniciativa Liberal Carla Castro criticou essa mesma resposta, dizendo: “As medidas anunciadas não são condizentes com os dados apresentados. Continuamos a desconhecer quais foram os dados que suportam estas decisões.” E acrescentava: “Parar a vida de todos não é gerir a pandemia.”

O partido liderado por Cotrim Figueiredo, seguindo o seu espírito liberal, pronunciou-se quase sempre contra medidas restritivas.  E em vários planos. Até a nível regional. Quando, em novembro do ano passado, o Governo Regional da Madeira impôs restrições para conter a pandemia, a IL classificou-as como “um conjunto de medidas que violam direitos, liberdades e garantias, que são desproporcionais, extemporâneas e contraproducentes e que carecem de qualquer fundamentação científica.”

A Iniciativa Liberal criticou, sim, o facto de algumas destas medidas demorarem muito tempo a ser levantadas. Quando o Governo decidiu desapertar a malha, perto das autárquicas de setembro de 2021, Cotrim Figueiredo lembrou que já exigia que “estas medidas fossem levantadas há mais tempo” e que, “do ponto de vista científico, já havia condições para o fazer” antes dessa data.

Quanto aos estados de emergência, é verdade que a IL votou quase sempre contra no hemiciclo. E o “quase” acontece porque na primeira dessas votações na Assembleia da República, a 18 de março de 2020, o liberal absteve-se.

Conclusão

É verdade que a Iniciativa Liberal votou quase sempre contra a declaração de estado de emergência no Parlamento, mas João Cotrim Figueiredo está errado quando diz que a IL não votou contra medidas restritivas. Para já, quando o Governo aprova medidas geralmente ouve os partidos (e aí a IL alinhou quase sempre contra) e, relativamente a questões que passaram pelo Parlamento (como o uso de máscara nas ruas), a Iniciativa Liberal votou contra.

De acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

André Ventura mudou de discurso sobre futuro governo de direita?

A frase:

Ventura começou por dizer que não ia para governo nenhum, para exigir ministérios e agora que já não querem que ele brinque aos governos de direita ele diz que aparece à mesma na festa”
Utilizador do Twitter

Um tweet publicado pouco depois do debate que opôs André Ventura e João Cotrim Figueiredo acusa o líder do Chega de mudar sistematicamente a sua posição sobre o que fará após as eleições em relação a um governo liderado por Rui Rio. “Ventura começou por dizer que não ia para governo nenhum, para exigir ministérios e agora que já não querem que ele brinque aos governos de direita ele diz que aparece à mesma na festa”, refere o autor do tweet.

Comecemos por recuar a julho do ano passado. No VII Conselho Nacional do Chega, André Ventura disse que o seu partido “não fará parte de nenhum governo que não promova, na Assembleia da República, a prisão perpétua” para condenados por crimes de homicídio, terrorismo, violações ou crime sexuais. Ventura sublinhava então que, se deixasse cair essa sua “área essencial” da intervenção política, era a “confiança dos eleitores” no partido que ficava posta em causa. “E este Conselho Nacional deve dar um sinal muito claro de que não aceitará integrar nenhum governo, seja em que circunstância for, caso isto não seja aceite.”

Salto para janeiro de 2021. No debate com Rui Rio, no dia 3, Ventura ouviu do líder social-democrata a ideia de que o PSD não poderia aliar-se a uma força “instável” (entenda-se, o Chega). Na resposta, Ventura insiste que “só aceita um governo de direita em que possa fazer essas transformações” em que tem insistido nos últimos meses: reforma da justiça, da segurança social, etc. E, portanto, só com um lugar — ou vários lugares — nesse governo haveria luz verde do Chega.

Ventura tentou forçar entrada no Governo, Rio disposto a provar que é bluff

Mas, nesse mesmo debate, Ventura é confrontado com a falta de clareza sobre a posição que pode vir a assumir para viabilizar um governo do PSD sem a presença do Chega.

André Ventura — “Farei tudo para isso, tudo faremos para isso.”

Moderadora – “Não viabilizará orçamentos de um Governo do PSD que precise do seu voto porque não está no Governo.”

André Ventura – “Não viabilizaremos nenhum orçamento mau para o país e se não houver reformas na Justiça e na Segurança Social, não viabilizaremos nenhum orçamento. O Chega só aceita um Governo de direita em que possa fazer essas transformações e isso implica presença no Governo.””

O que resulta das declarações de Ventura nesse debate é que o líder do Chega defende mudanças nas áreas já mencionadas; e que essas mudanças não são possíveis sem a presença do Chega no governo e nas áreas em que Ventura quer ter intervenção direta do seu partido; e que, como Rui Rio se recusava a aceitar um partido “instável” num governo seu, não havia margem para luz verde dos deputados do Chega a esse executivo.

No dia 7 de janeiro, Ventura foi entrevistado no Observador (um dia depois de dizer, no frente-a-frente com António Costa, que faria “todos os sacrifícios” para afastar o atual primeiro-ministro de São Bento).

Nessa entrevista, o deputado do Chega admite que possa não ter sido “completamente percetível” nas posições que tinha vindo a assumir até aí. E, quando questionado sobre o que fará se Rui Rio não o chamar para formar governo e a esquerda formalizar uma moção de censura no Parlamento, respondeu: “Sei que não é a vossa função, mas o que é que vocês fariam? Temos uma maioria. Imaginem, 8 ou 9% do Chega, 30 do PSD, 4 da IL, não sei o que o CDS terá. Rui Rio diz: ‘Que se lixe o Chega, que se lixem os eleitores do Chega.’ É contra tudo e contra todos. Não quer saber de corrupção, de taxas de IRS, de desperdício do Estado nem de reformas na justiça e diz: eles que decidam o que fazem. O que vocês fariam?”

A pergunta é-lhe devolvida e Ventura responde: “Voto contra, como é evidente.” E um cenário de apoio parlamentar que afaste o PS do governo e abra caminho a um governo liderado pelo PS? “Não, não admito.”

Conclusão: sem Chega no governo, simplesmente não há governo? “Eu disse no Congresso, leiam os meus lábios: se o Chega não tiver participação no Executivo e se depender dele não há nem Rui Rio nem o diabo que os carregue a passar pelo muro que vai ser o Parlamento porque não estamos aqui a brincar.” E mais: “Nós não confiamos que PSD e CDS façam as reformas que o país precisa.”

Vende-se parceiro para o PSD: o arranjo, o tamanho que conta e a demagogia que é cara

A campanha ainda não começou mas, entre debates e entrevistas nos vários órgãos de comunicação social, novas declarações de André Ventura sobre o mesmo tema. E, aqui, voltamos ao início: debate com João Cotrim Figueiredo, a 9 de janeiro. E volta tudo a estar em jogo, no plano governativo. Porquê? Porque, nesse debate, questionado sobre se viabilizaria um governo que juntasse PSD, CDS e Iniciativa Liberal — que já disseram não admitir a presença do Chega num governo de que façam parte —, Ventura afasta a obrigatoriedade de estar no governo

“Admitimos tudo, porque a nossa posição não é destrutiva.” Palavras proferidas imediatamente depois de dizer: “Se tivermos o que algumas sondagens nos dão, que é a terceira força política, se formos excluídos do debate, agiremos consoante a nossa consciência, vamos ler o programa e analisar, não nos vamos colocar em bicos de pés.” Ou seja: mesmo fora da composição governativa, o Chega vai “ler o programa” e “analisar”.

Pelo caminho, o líder do Chega foi também mitigando as condições a partir do qual teria capacidade para exigir uma presença no governo. Se em julho do ano passado essa era uma exigência absoluta como contrapartida para apoiar um executivo do PSD, mais recentemente, em entrevistas ao Expresso e à Agência Lusa, Ventura disse que com menos de 7% dos votos não seria plausível fazer essa exigência. “Se tivermos 4% ou 5%, não vamos pedir presença no governo. É ridículo”, disse em entrevista ao Expresso.

Conclusão

A enumeração de argumentos é extensa mas permite perceber as várias fórmulas que André Ventura já usou para dizer o que fará depois de 30 de janeiro: exigir ministérios para integrar um governo; exigir determinadas mudanças na Justiça e na Segurança Social; chumbar tudo se ficar fora da equação de Rui Rio; analisar o programa e decidir se um governo PSD/CDS/IL merece os votos do Chega para seguir em frente.

Portanto, sim, entre eventos partidários, debates e entrevistas, André Ventura já recorreu a diferentes formulações e já traçou diferentes linhas vermelhas para o pós-legislativas.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO

Alemanha gasta três vezes mais em Saúde que Portugal?

A frase:

Alemanha gasta o triplo de Portugal na Saúde”
Catarina Martins

Parte do debate entre Catarina Martins e João Cotrim Figueiredo foi dedicado à discussão sobre o setor da saúde, o peso que o Estado deve ter e o nível de intervenção que deve ter nos cuidados de saúde. Nessa troca de argumentos, a coordenadora do Bloco de Esquerda disse, a determinado momento, que “a Alemanha gasta o triplo de Portugal na Saúde”. Os dados oficiais corroboram este argumento?

Em termos absolutos, e de acordo com os dados do Eurostat referentes a 2019, Portugal destinou 20.392 milhões de euros do Orçamento desse ano ao setor da Saúde. No caso da Alemanha, por outro lado, esse valor foi de 403.444 milhões de euros.

Analisando esses dois valores em função da percentagem do PIB, o orçamento da Saúde português correspondeu a 9,5% da riqueza criada nesse ano, em comparação com os 11,7% do PIB que o governo de Angela Merkel entregou à Saúde. Estes valores não traduzem a realidade do argumento de Catarina Martins.

Mas — e embora a análise em função do PIB seja o método mais recorrente para fazer este tipo de comparação — há outra forma de olhar para os números: em função da paridade do poder de compra e em função do valor gasto por habitante. Em nenhum dos casos o argumento de Catarina Martins corresponde inteiramente à verdade. Mas há um caso em que a diferença não é tão significativa.

Os dados sobre o valor gasto na Saúde pela Alemanha, em função da população, indicam que o Estado alemão gastou 4855 euros por habitante nesse setor, naquele ano. Já no caso português, esse valor ficou-se pelos 1983 euros por habitante.

Fact Check. Portugal gasta mais em Saúde que a média da UE e tem cuidados “muito piores”, como alega Rui Rio?

Em rigor, o triplo de 1983 euros corresponde a 5949 euros (cerca de mil euros mais do que aqueles que foram alocados pelo governo de Merkel à Saúde). Seguindo essa aritmética simples, o valor gasto por Portugal em Saúde, por habitante, no ano de 2019, não foi um terço do alemão — mas correspondeu a cerca de 41% desse universo.

No contexto europeu, e ainda de acordo com a verba gasta por habitante, países como o Liechtenstein (8626 euros por habitante), a Suíça (8605 euros) ou a Noruega (7127) apresentam valores ainda mais contrastantes com os da realidade portuguesa.

Eslovénia, Chipre e República Checa (aquele que está mais próximo da referência feita por Catarina Martins, um terço do investimento alemão) apresentam gastos em linha com o de Portugal (acima dos 1600 euros e abaixo dos 2000).

No extremo oposto surge um grupo de países abaixo dos mil euros por habitante: é o caso da Bulgária (626 euros por habitante), Roménia (661 euros), Polónia (906 euros), Croácia (931 euros) e Hungria (949 euros).

Conclusão

Catarina Martins refere-se a um gasto da Alemanha em Saúde que seria três vezes superior ao de Portugal. A coordenadora do Bloco de Esquerda não faz a comparação entre os orçamentos dos dois países, para este setor, em função do PIB, como seria mais habitual. Optou por olhar para o indicador em função da verba gasta por habitante e, aí, os dados aproximam-se mais do argumento que apresentou. Mas, mesmo assim, não é totalmente verdade que a Alemanha gaste três vezes mais em Saúde que Portugal. O orçamento nacional da Saúde é de cerca de 41% do orçamento alemão.

De acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ESTICADO

Há mais de 4 milhões de portugueses com seguro de saúde e ADSE?

A frase:

Há mais de 4 milhões de portugueses que têm seguro de saúde ou têm ADSE é justamente porque o serviço nacional de saúde não dá a resposta e não dá o acesso que as pessoas precisam.”
Rui Rio

O líder do PSD atirou o número de haver “mais de 4 milhões de portugueses que têm seguro de saúde ou ADSE”, para salientar o que na sua opinião mostra a não resposta do serviço nacional de saúde.

Os dados mais recentes da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), que representa praticamente toda a atividade de seguros em Portugal, e de acordo com a plataforma Segurdata, dão contam que em setembro de 2021 existiam 2.818.151 pessoas seguras em Portugal, na área dos seguros de saúde. Esse foi um crescimento de 4,6% face ao número de pessoas seguras que existiam em setembro de 2020.

Os dados da APS indicam que, do total de pessoas seguras, cerca de 1,15 milhões estão em planos de seguro individuais e mais de 1,6 milhões estão integrados em seguros de grupo, como seguros empresariais.

O número real, apurado pela APS, corresponde a menos de 75% da contagem avançada por Rui Rio.

Rui Rio já tinha falado, num anterior debate, dos quatro milhões de portugueses com seguro de saúde, mas neste confronto com António Costa adiciona a ADSE que tem perto de 1,2 milhões de beneficiários, segundo dados da Pordata.

Se somarmos os dois valores — seguros de saúde e ADSE — então chegaremos aos tais quatro milhões de euros. Mas apesar de ser, atualmente, de adesão facultativa, a ADSE é, em sede de IRS, uma dedução específica, pelo que não está equiparada aos seguros de saúde.

E, por isso, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO

Rendimento das famílias subiu 25% desde 2017?

A frase:

Tivemos uma enorme subida de 40% no salário mínimo nacional, o rendimento global das famílias subiu 25% nos últimos quatro anos”
António Costa

António Costa, primeiro-ministro, mas falando na qualidade de secretário-geral do PS candidato às eleições legislativas de 2022, atirou dois números a Rui Tavares, na tentativa de mostrar a preocupação do Governo em contribuir para o aumento de salários em Portugal. Costa disse que o salário mínimo nacional subiu 40%, sobre o rendimento das famílias, disse que este indicador melhorou 25% “nos últimos quatro anos”.

salário minimo nacional

Vamos por partes. O salário mínimo nacional subiu 40% nos governos de António Costa. Em 2015, estava nos 505 euros e, em 2022, chegou aos 705 euros.

Neste caso, a verificação dos factos já tinha sido feita.

Vamos à segunda parte. Subiu o rendimento global das famílias 25% em quatro anos? É sempre difícil fazer a verificação do que é dito quando não é referido o indicador exato a que se pretende aludir. De qualquer forma, o Observador foi verificar o que mostram os números do INE, do Banco de Portugal e os da Pordata, que se baseia nos dados dos primeiros.

Mas, antes, uma outra ressalva. Quando se referia ao salário mínimo, António Costa fez a comparação entre o valor que entrou em vigor em 2022 e o que era praticado em 2015, ou seja, deu um exemplo de evolução de sete anos.

Mas quando fala sobre o aumento do rendimento global das famílias, o líder do PS diz que os 25% se referem aos “últimos quatro anos”. E, nesse período temporal, o Observador não encontrou qualquer indicador de rendimento disponível que tenha subido 25%.

Vejamos vários indicadores e comparações. Se formos aos últimos dados das contas nacionais do INE, referentes ao terceiro trimestre de 2021, verifica-se que o rendimento disponível bruto das famílias nesse período de três meses atingiu um total de 36.020 milhões de euros. O que significa que, face ao mesmo trimestre de 2017, este valor subiu 12,4%. Mas as contas não se fazem ao trimestre.

Para o conjunto de 2021, ainda não há valores disponíveis. Mas mesmo que anualizássemos os dados do INE — considerando que o quarto trimestre pesa cerca de 28% –, chegaríamos a uma variação (de 2021 face a 2017) de 12%.

Mas a que anos estaria António Costa a referir-se? Se tivermos em conta o ano 2020 (cujo rendimento dos agregados até caiu face ao ano anterior) face ao final de 2016, a subida é igualmente de 12%, subindo para 18% se compararmos 2020 com 2015, quando na Zona Euro o crescimento foi de 12,3%.

Se considerarmos os nossos cálculos anualizados de 2021, e face a 2015, quando António Costa foi eleito para primeiro mandato, então a subida chegaria perto dos 20%. Isto considerando os dados do INE para o rendimento disponível bruto do agregado. Mas ainda fazemos outra conta. Já que 2020 foi um ano pandémico, e como tal atípico, se olharmos para 2019, verificamos que a subida face a 2015 foi de quase 17%.

Estes indicadores são anuais, e como tal deve dividir-se pelos agregados existentes que o INE contabiliza em cerca de 4 milhões — dando cerca de 36.096 euros por família, em termos anuais, no final de 2020.

O Observador foi analisar outros indicadores. Se olharmos para as remunerações do trabalho a preços correntes, divulgadas pelo Banco de Portugal, o crescimento em 2020, face a 2016, foi de 20%. E, face a 2015, foi de 23,9%. Mas as remunerações do trabalho representam, em média, cerca de dois terços do rendimento disponível dos particulares em Portugal, acrescenta o Banco de Portugal. Este indicador (remunerações do trabalho) é, no entanto, o valor mais aproximado do referido por António Costa. Ainda assim, não significa que o rendimento cresça à mesma proporção.

Conclusão

Dado que António Costa não especificou o indicador a que se estava a referir quando falou de uma subida, em quatro anos, do rendimento global das famílias de 25%, em nenhum dos valores que o Observador verificou existe uma subida dessa magnitude.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

Jovem que ganha 1.500/1.800 paga quase 40% de IRS?

A frase:

Temos um gravíssimo problema de saída de jovens, em boa parte por causa da excessiva progressividade do IRS. A partir do momento em que os jovens com alguma qualificação passam a barreira dos €1.500 ou dos €1.800, brutos, de imposto pagam imediatamente uma taxa marginal que aproxima muito dos 40%.”
João Cotrim Figueiredo

Para o líder da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, “boa parte” da explicação para o “gravíssimo problema de saída de jovens de Portugal” está na “excessiva progressividade” do IRS nacional. No debate com Rui Rio, o deputado liberal disse que “a partir do momento em que os jovens, com alguma qualificação, passam a barreira dos 1.500 ou dos 1.800 euros, brutos, de imposto pagam imediatamente uma taxa marginal que se aproxima muito dos 40%“.

João Cotrim Figueiredo refere-se explicitamente à taxa marginal de IRS, que é um conceito diferente daquilo que é a taxa efetiva paga pelo contribuinte (que, provavelmente, terá sido aquilo que a maioria dos espetadores terá compreendido ao ouvir o candidato). E o que é, em termos simples, a taxa marginal referida por Cotrim de Figueiredo?

Como explica Bruno Andrade Alves, partner da PwC, a “taxa marginal corresponde à taxa prevista para cada escalão de IRS, em função do nível de rendimento de cada sujeito passivo/agregado”. “Uma vez que as taxas gerais do IRS são progressivas, cada taxa marginal é aplicável apenas ao intervalo de rendimento dentro desse escalão“, explica o especialista.

Ou seja, para simplificar, “o facto de o rendimento de um determinado sujeito passivo se enquadrar no escalão correspondente à taxa marginal de 35% não significa que a totalidade do rendimento será sujeito a 35% — cada intervalo de rendimento será sujeito à taxa que lhe corresponde”. É desta forma que se confere a aceleração progressiva ao imposto sobre o rendimento: à medida que os rendimentos aumentam, aqueles euros que recaem no escalão mais elevado que o contribuinte atinge são tributados a essa taxa mais elevada, mas isso não influencia o imposto dos euros que recaíram nos escalões anteriores.

Bruno Andrade Alves salienta, também, que “no apuramento do imposto é, ainda, importante considerar as deduções ao rendimento e as deduções à coleta”. Numa simulação pedida pelo Observador, a PwC inclui apenas a dedução (máxima) das despesas gerais e familiares.

Eis as conclusões para as taxas de IRS suportadas por um solteiro (sem filhos) que ganha 1.500 euros e, também, por outro que ganha 1.800 euros por mês (brutos).

Salário bruto de 1.500 euros por mês Salário bruto de 1.800 euros por mês
Rendimento bruto anual 21.000 25.200
IRS antes de deduções 3.620,57 4.867,94
Deduções (despesas gerais familiares) (250) (250)
Imposto final 3.370.57 4.617,94
Rendimento líquido de IRS 17.629,43 20.582.06
Taxa marginal de IRS 28,5% 35%
Taxa efetiva de IRS 16,05% 18,33%

Fonte: PwC

O candidato liberal usa dois exemplos que, apesar de tudo, são bem diferentes um do outro. No caso do contribuinte que ganha 1.500 euros brutos, a taxa marginal não passa dos 28,5%, o que é distante dos quase 40% referidos pelo deputado. Ao olhar para o contribuinte que ganha 1.800 euros brutos por mês, esse já terá, de facto, uma parte dos seus rendimentos tributados (à taxa marginal) de 35%, o que se aproxima um pouco mais da ordem de grandeza referida por João Cotrim Figueiredo.

Por estas razões, não se pode considerar totalmente rigorosas as suas declarações. Por outro lado, é importante referir que, embora o deputado tenha falado explicitamente em taxa marginal, há uma grande distinção a fazer em relação à taxa de imposto que o contribuinte paga efetivamente. Mesmo no caso do salário mais alto, a taxa de imposto efetiva é de 18,33%.

Também no mesmo ponto, o da taxa efetivamente paga, duas simulações feitas pela EY com pressupostos ligeiramente diferentes apontam para que, no caso dos 1.500 euros por mês, o contribuinte suporta, de acordo com os escalões de IRS em vigor, uma taxa de 17,24%. No segundo caso, do rendimento de 1.800 euros, a taxa efetiva é de 19,32%.

Conclusão

O deputado usou dois valores salariais diferentes entre si — um salário de 1.500 euros brutos, onde a taxa marginal seria de 28,5%, e um salário de 1.800 euros brutos, onde atingiria os 35%. Mas mesmo no salário mais elevado que referiu (de 1.800 euros) a taxa marginal de imposto ainda fica a ligeira distância de se poder dizer que “se aproxima muito dos 40%”. Além disso, há que sublinhar que as taxas efetivamente pagas pela totalidade do salário destes contribuintes, mesmo no caso do vencimento mais elevado, não chegam a metade desses 40%.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ESTICADO

PAN apoia criminalização de abandono de animais e não o abandono de idosos?

A frase:

O PAN é contra a criminalização do abandono de idosos nos hospitais mas defende a criminalização do abandono de animais de companhia”
Francisco Rodrigues dos Santos

Naquele que foi o primeiro debate de ambos os partidos na corrida às legislativas do próximo dia 30, num tom bastante aceso, a determinado momento o líder do CDS acusou o PAN de ser “contra a criminalização do abandono de idosos nos hospitais”, mas a favor da “criminalização do abandono de animais de companhia”. Sem uma resposta direta de Inês Sousa Real, Francisco Rodrigues dos Santos foi interrompendo a adversária, questionando-a sobre se o PAN tinha votado favoravelmente a proposta que o CDS apresentou. Sousa Real optou por não responder — mas a resposta seria “sim”.

De facto, em 2018, a maioria de esquerda no Parlamento chumbou mesmo o pacote legislativo apresentado pelo CDS que pretendia criminalizar abandono de idosos nos hospitais, conforme deu nota o Público. Mas nessa maioria de esquerda não se incluía o PAN que, aliás, tinha apresentado também uma proposta no mesmo sentido.

A votação em 2018 foi a segunda tentativa de fazer provar um pacote legislativo que, já em 2016, tinha sido chumbado pela mesma maioria no Parlamento. Já em 2015, na condição de deputado único do PAN, André Silva tinha votado favoravelmente a iniciativa de PSD e CDS, na altura no Governo. O documento passou na generalidade mas acabou por não passar no crivo da maioria parlamentar.

Em 2018, o PAN apresentou também um projeto de lei que visava a criminalização de novas condutas, uma das quais era, igualmente, o abandono em unidades de saúde, explicou André Silva ao Público.

Pretendia o PAN que o abandono fosse penalizado apenas nos casos e que o “idoso está claramente dependente e a cargo de alguém”, sendo que, no que diz respeito à pena prevista, era exatamente a mesma daquela que os democratas-cristãos pretendiam: até dois anos de prisão e 240 dias de multa.

A este projeto de lei, o PAN somava outro, relacionado com as burlas a idosos, o agravamento das penas de crimes de injúria, difamação e burla quando esteja em causa “pessoa particularmente indefesa em razão da idade”.

Além de o PAN ter votado ao lado do CDS as propostas por apresentadas pelos centristas, também o CDS votou a favor das iniciativas do PAN (e o PSD absteve-se), mas o voto contra das restantes bancadas impediu a continuidade das propostas na Assembleia da República.

Conclusão

É falso que o PAN seja contra a criminalização do abandono de idosos nos hospitais ou que tenha sequer votado contra a proposta que o CDS (e antes o CDS em conjunto com o PSD) apresentou na Assembleia da República. Desde a primeira tentativa de legislar nesse sentido que o PAN votou favoravelmente à proposta tendo depois, em 2018 — na última vez que o tema foi ao Parlamento — apresentado também propostas legislativas nesse sentido.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

PSD foi contra o aumento do salário mínimo?

A frase:

Não vamos conseguir cumprir a melhoria do salário médio, a melhoria de todos os salários, com um governo que até contra o aumento do salário mínimo foi”
António Costa

Foi um dos momentos do duelo que pôs frente a frente António Costa e Rui Tavares: para fazer valer o seu ponto e provar que votar à esquerda do PS era dar uma oportunidade ao PSD de chegar ao poder, o socialista disse que Rui Rio até era contra o aumento do salário mínimo nacional. Terá razão?

A questão tem matizes e não deve ser respondida com ‘sim’ ou ‘não’. Grande parte do argumento de António Costa remete para a posição assumida por Rui Rio durante o período mais agudo da pandemia, no inverno de 2020, em que, de facto, o líder social-democrata questionou o “aumento significativo do salário mínimo” que estava a ser preparado para 2021.

As declarações de Rio, replicadas no site oficial do PSD, provocaram uma troca de argumentos no Parlamento, motivaram comparações a Pedro Passos Coelho e foram reiteradas pelo próprio Rui Rio um dia depois desse mesmo debate parlamentar com o primeiro-ministro.

Mas a posição de Rio tinha, mesmo nessa altura, várias camadas. O documento que melhor a explica é o discurso do líder social-democrata durante as jornadas parlamentares do PSD, também em outubro desse ano, onde o social-democrata explicou exatamente aquilo que defende.

Começou por dizer Rio:

“Não acho adequado o aumento do salário mínimo nacional num momento em que as empresas não conseguem vender e não têm receitas e num momento em que as empresas estão a lutar para não ir à falência e que não têm a capacidade, inclusive, de pagar os salários, porque é o Estado que está a pagar uma parte do salário a muitas delas.”

Para logo acrescentar:

“Eu sempre defendi o aumento do salário mínimo nacional. Sempre. Pode discutir-se se mais um bocado ou menos um bocado, isso sim. Mas quando a taxa de desemprego é baixa e a economia está a crescer, nós temos de forçar a subida do salário mínimo nacional para não privilegiar justamente a competitividade pelos baixos salários. Devemos ajudar e puxar para cima.”

E ainda uma ressalva:

“Agora, se o Governo for à concertação social e em sede de concertação social conseguir a anuência dos sindicatos e a anuência da entidade patronal para fazer o aumento do salário mínimo nacional, dou um passo atrás e com certeza. Eu ponho a concertação social acima. Se as empresas e os sindicatos acham que há condições, eu ponho acima. Agora, na análise que eu faço, seja no ponto de vista político seja no ponto de vista técnico, eu não vejo condições para se conseguir isso em prol da defesa de todos os trabalhadores, dos que ganham o salário mínimo e dos que são um pouco mais felizes desse ponto de vista e ganham mais que o salário mínimo.”

Ou seja, num contexto em que a economia não está a crescer e em que a taxa de desemprego é significativa, é possível depreender a partir das posições públicas que Rui Rio tem assumido que o líder do PSD é e será contra o aumento do salário mínimo.

Posto isto: é possível dizer que Rio é estruturalmente contra o aumento do salário mínimo? Não, antes pelo contrário.

Rio defendeu aumento do salário mínimo em 2019

Factualmente, no último programa com que foi a votos – e quando a situação económica era muito mais favorável –, Rui Rio defendia um aumento do salário mínimo acima dos 700 euros em 2023, ainda assim, aquém dos valores que António Costa conseguiu aprovar.

De resto, são conhecidas as declarações públicas de Rui Rio sobre o nível do salário mínimo praticado em Portugal. “Não compreendo como é que se consegue viver com o salário mínimo”, chegou a dizer também em 2019.

Nas suas declarações mais recentes, Rio tem, no entanto, defendido outro caminho. No contexto das diretas do PSD, quando Paulo Rangel defendia inequivocamente um “aumento significativo” do salário mínimo nacional, o líder social-democrata comparou o adversário a Bloco e PCP e demarcou-se da proposta.

“Todos nós queremos que o salário mínimo suba e suba muito. Claro que queremos isso, mas por força da riqueza que produzimos, porque se não é por força da riqueza que produzimos podemos estar a provocar exatamente o contrário do que se pretende, que é baixar o nível de rendimentos global dos portugueses (…) O que temos de fazer é pôr o nosso salário médio o mais próximo possível daquilo que é a média europeia e o salário mínimo vem obviamente por arrasto, ou seja, nivelar por cima e não nivelar tudo por baixo.”

Ou seja, para Rio, o foco de qualquer futuro governo deve estar na melhoria do contexto económico do país para que o salário médio aumente e, com isso, provocar um efeito de arrastamento também do salário mínimo. Sendo que, se as circunstâncias voltarem a ser idênticas àquelas que eram no pré-pandemia, em coerência, Rio deverá defender uma evolução do salário mínimo.

Sobre o que defenderá Rio para o futuro quadriénio é uma incógnita: uma vez que ainda não apresentou o programa eleitoral, é impossível aferir se Rio vai ou não comprometer-se com um aumento do salário mínimo, para que valores e com que calendário.

Conclusão

É fatualmente incorreto dizer que Rui Rio é estruturalmente contra o aumento do salário mínimo porque todas as intervenções públicas, passadas e recentes, tal como o programa eleitoral apresentado em 2019, atestam o contrário. É fatualmente correto afirmar que Rio esteve contra os aumentos do salário mínimo de 2021 e 2022, atendendo ao contexto económico que o país enfrenta. É prematuro afirmar taxativamente que Rio será contra um aumento do salário mínimo no futuro. Segundo o próprio, dependerá da evolução da economia e do salário médio. O que é absolutamente seguro dizer é que Rio não teria feito o que António Costa fez.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

Reação de Jerónimo de Sousa foi manipulada?

A frase:

Manipularam as imagens em vez de passar a resposta. Essa expressão de Jerónimo não é feita neste contexto”
Miguel Tiago

tweet do secretário nacional da comunicação da Juventude Socialista foi feito poucas horas depois do debate entre António Costa e Jerónimo de Sousa. Num vídeo, Francisco Themudo procura associar uma expressão de infelicidade alegadamente esboçada pelo secretário-geral do PCP, quando confrontado com uma pergunta do líder do PS sobre o que levou os comunistas a chumbar a proposta do Orçamento de Estado para 2022.

Não demorou muito até o tweet começar a receber críticas. Uma delas, do antigo deputado do PCP Miguel Tiago, que escreveu: “Que vergonha. Manipularam as imagens em vez de passar a resposta. Essa expressão de Jerónimo não é feita neste contexto.” Francisco Themudo respondeu a Miguel Tiago, argumentando que a expressão do líder comunista “foi mesma feita neste contexto”. Segundo o dirigente da JS, a imagem “só [estava] mais lenta para mostrar bem a expressão” de Jerónimo.

A explicação não foi suficiente para parar as críticas. Entre as reações, houve quem acusasse Francisco Themudo de “mentir”, de criar uma “aldrabice”, de fazer uma “manipulação” e de partilhar “vídeos fake”. “Pede desculpa, demite-te do cargo na ‘comunicação’ do partido e pára de enlamear a credibilidade dos teus camaradas que acreditam em verdade na política”, sugeriu um utilizador daquela rede social.

Noutro outro caso, a ex-candidata do BE à junta de freguesia da Estrela foi recuperar o vídeo, sem edições, daquele momento de confronto entre os dois líderes políticos.

Neste excerto, fica claro que a reação de Jerónimo de Sousa acontece num momento anterior à pergunta de Costa sobre as motivações do PCP para ter chumbado o Orçamento, quando o primeiro-ministro enumera as medidas que poderiam estar em vigor se o documento tivesse sido aprovado. Só depois Costa lança a pergunta sobre o chumbo. E, nesse momento, o líder comunista mantém o olhar fixo no adversário, sem esboçar qualquer reação — ao contrário do que sugeria a versão partilhada pelo responsável pela comunicação do PS.

Entretanto, e já esta quarta-feira, Francisco Themudo voltou ao Twitter. Apagou o vídeo, disse que o conteúdo estava “demasiado editado” e que, por isso, “induziu as pessoas em erro”.

Conclusão

É verdade que o vídeo foi manipulado. O autor do tweet alega que a imagem foi simplesmente colocada em slow motion, para “mostrar bem a expressão de Jerónimo de Sousa”, mas isso não corresponde à verdade. Essa expressão aconteceu instantes antes da pergunta de António Costa e quando o primeiro-ministro enumerava medidas que constavam do Orçamento do Estado para 2022.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO

Condenação de Ventura não tem nada a ver com racismo?

A frase:

Eu não fui condenado por racismo, sei que de direito talvez perceba pouco. Eu fui condenado por ofensas a uma família, não tem nada a ver com racismo”
André Ventura

O debate entre Catarina Martins e André Ventura aqueceu (ainda mais) na parte final, quando a coordenadora do Bloco de Esquerda afirmou que “André Ventura é um condenado, com trânsito em julgado, por racismo”. Rapidamente, o líder do Chega interrompeu para garantir que era “falso”, e justificou-se pouco depois: “Eu não fui condenado por racismo. Sei que, de Direito, talvez perceba pouco. Eu fui condenado por ofensas a uma família, não tem nada a ver com racismo.”

É preciso recuar alguns meses para perceber o contexto do tema e a condenação de que Catarina Martins fala. Num debate para as eleições presidenciais, em janeiro de 2021, que colocou frente a frente Marcelo Rebelo de Sousa e André Ventura, o presidente do Chega levantou uma folha com uma fotografia e chamou “bandidos” a uma família do Bairro da Jamaica. Em primeira instância, Ventura e o Chega (que replicou as considerações nas suas redes sociais) foram condenados por “ofensas ao direito à honra e ao direito à imagem” da família Coxi.

Depois do recurso, o Tribunal da Relação confirmou a condenação. Mas acrescentou uma avaliação do caso que contrariou, até, a avaliação que o tribunal de primeira instância tinha feito. Para a Relação, era patente, nas declarações de André Ventura, a existência de uma “vertente discriminatória em função da cor da pele e da situação socioeconómica dos autores”.

O advogado Paulo Saragoça da Matta não tem dúvidas: a afirmação de Catarina Martins “é mentira” e André Ventura “não tem a razão completa”.

“André Ventura não foi condenado por racismo”, explica o especialista em Direito Penal, “porque os crimes de ódio estão previstos no Código Penal, e ele não foi sentenciado criminalmente pela prática de nenhum crime”. Saragoça da Matta reitera que, “na lei civil, não há um ilícito de racismo” e que, por isso mesmo, “não se pode chamar de racismo”. Na justiça portuguesa, “o único sítio onde se fala de xenofobia, racismo e todas essas circunstâncias é nos chamados crimes de ódio, que só estão previstos no Código Penal”.

No mesmo sentido, Saragoça da Matta argumentou também que André Ventura “não tem razão completa” quando diz que foi condenado por ofensas à família e não por racismo. Isto porque o líder do Chega “foi condenado por injúrias/difamação de uma família, mas o motivo dessas mesmas injúrias era precisamente uma consideração com motivações étnicas”, tal como transparece da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa — e que seria validada, mais tarde, pelo Supremo Tribunal de Justiça.

É isso que os juízes do Supremo relevam quando referem que “a questão atinente ao alegado cariz discriminatório das ofensas imputadas aos réus, em função da cor da pele e da situação socioeconómica dos autores, foi expressamente analisada pelo tribunal a quo [a Relação de Lisboa], tendo o mesmo entendido que não era essencial/necessária a inclusão de tal questão/qualificativo no dispositivo”. O acórdão do Supremo refere que “aceita” a decisão da Relação, “na medida em que as imputadas, e reconhecidas, ofensas à honra e ao direito de imagem dos autores, por um lado, absorvem a vertente discriminatória em função da cor da pele e da situação socioeconómica dos autores e, por outro, tal autonomização não é essencial para efeitos de subsunção jurídica”.

No acórdão da Relação pode ler-se que houve uma “vertente discriminatória em função da cor da pele e da situação socioeconómica dos autores” no caso das ofensas à família Coxi. E, portanto, o líder do Chega “não é condenado por racismo, mas é condenado por ofensas a uma família porque havia uma ligação entre a difamação/injúria de bandidos ligado à origem étnica”.

Por outro lado, o advogado também confirmou que Ventura disse a “verdade” quando afirmou que nunca tinha sido condenado a um processo-crime, tendo em conta que a família Coxi apresentou “uma ação indemnizatória cível para que André Ventura fosse condenado pelo facto de os ter difamado” e não uma queixa-crime. “A difamação tanto pode ser criminal como civil, já o racismo está previsto autonomamente apenas como crime”, insistiu.

Corrupção, Papa e um guião rígido. Catarina Martins tentou controlar Ventura, mas deu margem para o contra-ataque

Não é a primeira vez que são imputadas acusações de racismo ao líder do Chega e que essas acusações dão lugar a uma decisão judicial. Em novembro de 2017, André Ventura foi ilibado de discriminação racial, em processos que lhe foram instaurados no âmbito da sua candidatura à Câmara de Loures, nas autárquicas desse ano. Nessa campanha, Ventura teceu comentários sobre a comunidade cigana do município de Loures, considerando que a mesma era composto por pessoas que “vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado”. Na sequência desses comentário, o CDS retirou o apoio ao então candidato do PSD.

Ministério Público viria, porém, a arquivar os inquéritos instaurados nessa altura, por considerar pela “insuficiência de indícios probatórios da prática do crime de discriminação em função da raça, designadamente quanto ao dolo específico e à intenção de ofender a honra, o bom nome da comunidade cigana, dadas as circunstâncias e natureza das declarações e o respetivo objeto factual”.

Conclusão

Apesar de a afirmação de Catarina Martins sobre a condenação por racismo não ser verdadeira — tendo em conta que os crimes de ódio apenas estão previstos no código penal — também não é possível dizer que a constatação de André Ventura, em que diz que a condenação “não tem nada a ver com racismo”, possa ser tida como verdadeira. Tal como o advogado Paulo Saragoça da Matta explicou, a decisão do Tribunal da Relação fala numa “vertente discriminatória em função da cor da pele e da situação socioeconómica dos autores” que não é descolável do racismo. Ainda assim, e tendo em conta que não se tratou de uma queixa-crime levada a cabo pela família Coxi, a condenação nunca poderia ser por racismo.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

Evasão fiscal representa perda de 13 mil milhões por ano em Portugal?

A frase:

Temos de fazer o combate que temos de fazer, que é o combate à evasão fiscal, à fuga fiscal, que nos leva 13 mil milhões todos os anos. É todo o Orçamento do SNS e ainda mais”
Rui Tavares

A falar do Serviço Nacional de Saúde (SNS), Rui Tavares, deixou cair um número. A fuga fiscal consome todos os anos em Portugal 13 mil milhões de euros. “É todo o orçamento do SNS e ainda mais”.

Segundo o Orçamento do Estado para 2021, o orçamento do SNS é de facto abaixo desse valor, estando em 12.564,8 milhões de euros. Ou seja, os 13 mil milhões de euros são de facto acima do orçamentado para a saúde. Mas haverá mesmo uma fuga fiscal de 13 mil milhões?

O Observador não conseguiu encontrar estatísticas para esse valor. Se considerarmos os valores a que se estima que a economia paralela chegue em Portugal estaremos então a falar de um montante que ultrapassa os 48 mil milhões de euros, já que, segundo o FMI, a economia paralela atingiu em 2019 cerca de 24% do PIB.

De igual forma, a riqueza de portugueses fora de Portugal, contabilizada em paraísos fiscais, supera os 50 mil milhões de euros, já que, de acordo com um estudo da Comissão Europeia, em 2018 Portugal era o quarto país da Europa a 27 com mais riqueza (em percentagem do PIB) fora do país, correspondendo a 26% do produto interno bruto. Mas era o terceiro, se considerada a média entre 2001 e 2018.

De acordo com os últimos dados do Fisco, de 2020, com referência às transferências declaradas à Autoridade Tributária e Aduaneira de fundos para países com regime de tributação privilegiada mais favorável, foram enviados de Portugal para o estrangeiro 6,8 mil milhões de euros.

Outro dado que se pode juntar a estes indicadores é o do estudo anual da Tax Justice Network, um grupo que reúne investigadores e ativistas para maior transparência e justiça fiscal. No relatório publicado em novembro de 2021, é atribuído a Portugal um custo com a evasão fiscal de mil milhões de dólares (perto de 890 milhões de euros), 0,5% do PIB. Os mil milhões repartem-se, segundo o estudo, em 471,9 milhões de dólares por via de abusos atribuídos a empresas e 534,4 milhões com a riqueza que está em offshores. Este último relatório compara estes valores com o dinheiro que é necessário para vacinar a população, para concluir que daria para vacinar a população portuguesa contra a Covid-19 mais de cinco vezes.

Mas há ainda um outro valor que pode ser referido nestas fugas fiscais. O divulgado recentemente pela Comissão Europeia sobre a fuga só ao IVA. E em 2019 — últimos dados — Portugal perdeu 1,6 mil milhões de euros com esta fuga ao IVA — diferença entre o valor de IVA que o Estado devia receber e o cobrado, o chamado “gap” do IVA.

Portugal perdeu 1,6 mil milhões de euros em fugas ao IVA

Mais próximo dos números de Rui Tavares está um estudo do britânico Richard Murphy para o Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu datado de janeiro de 2019.

Com base no PIB médio bruto de 2015 de Portugal, este fiscalista estimou em 12 mil milhões de euros as perdas com evasão fiscal de Portugal, sendo de 10 mil milhões de euros as estimativas se considerado o valor do PIB reportado, pelo que o valor pode ter evoluído. Se atualizarmos aos preços correntes o valor atinge 12,4 mil milhões de euros.

Um estudo anterior do mesmo fiscalista dava conta, com base em números de 2009, que Portugal estava a ter uma perda fiscal de 12,3 mil milhões de euros com a economia paralela. Se atualizarmos este montante aos preços atuais a perda atingiria os 13,7 mil milhões de euros em 2020.

Conclusão

Há vários dados que podem exprimir a perda fiscal com a evasão e a fraude. Rui Tavares apontou, no debate com Catarina Martins, um valor: 13 mil milhões de euros anuais. Mas não referiu em que fonte se baseava para avançar esse número. De facto, se basearmos este dado na análise do fiscalista Richard Murphy, o valor referido está certo, numa extrapolação para dados atualizados. Aliás, Rui Tavares fez, no Parlamento Europeu, trabalhos sobre o tema e em alguns utilizou precisamente estes dados.

Mas esta não é um dado científico, no sentido em que existem vários outros estudos que apontam para valores diferentes — nuns casos, inferiores, noutros casos, bastantes superiores — de verbas que são transferidas para paraísos fiscais no estrangeiro ou que não são cobradas na totalidade (como o caso do IVA).

Torna-se, por isso, impossível avaliar a veracidade da declaração do candidato do Livre às eleições legislativas de 30 de janeiro.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

INCONCLUSIVO

40 euros foi o maior aumento de sempre do salário mínimo?

A frase:

Nós fizemos este ano o maior aumento do salário mínimo de sempre, 40 euros”
António Costa

António Costa aproveitou o debate para as legislativas com o ex-parceiro de “geringonça”, Jerónimo de Sousa, para reforçar um dos chavões que tem usado nos últimos meses: “Nós fizemos este ano o maior aumento do salário mínimo de sempre, 40 euros.”

Uma das conquistas de Abril, o salário mínimo foi instaurado em 1974, na altura com um valor de 3.300 escudos, o que equivale, na moeda atual, a 16,5 euros. Desde então, só houve congelamentos em 1976, 1982 e entre 2012 e a maior parte de 2014 — anos marcados pela austeridade e a intervenção da troika. O salário mínimo só voltaria a subir no final de 2014, para os 505 euros. Desde 2015, quando o PS assumiu o Governo, tem subido todos os anos.

O salário mínimo fixado este ano nos 705 euros significa um aumento de 40 euros. Mas será este o maior aumento desde que o salário mínimo foi criado, em 1974?

Se não tivermos em conta os impactos da inflação, e se as contas forem feitas em euros, a frase de António Costa é verdadeira. Antes de 2022, os maiores aumentos absolutos deram-se em 2020 (mais 35 euros) e em 2021 (mais 30 euros). Já em termos relativos, o salário mínimo já subiu mais do que os 6% deste ano: aumentou 31,7% em 1979, o avanço percentual mais expressivo. Os 6% são, no entanto, a maior subida desde 1993. A frase de António Costa, porém, dizia respeito ao aumento absoluto, de 40 euros.

Outra análise que pode ser feita tem em conta o impacto da inflação no salário mínimo. De acordo com os dados agregados pela Pordata e cálculos do Observador, atendendo ao índice de preços no consumidor base de 2016, os maiores aumentos reais ocorreram em 1979 (34,9 euros) e em 2020 (34,1 euros). Já em 2021, essa subida foi, segundo os cálculos do Observador com base na taxa de inflação dos últimos doze meses estimada pelo INE, de mais de 21 euros. Para 2022, não é possível ainda aferir qual o aumento real, dado que, naturalmente, ainda não é conhecida a inflação deste ano.

Conclusão

O aumento de 40 euros feito em 2022 é o maior de sempre no salário mínimo nacional desde a sua criação, em 1974, isto na moeda atual. Ainda não é, no entanto, possível aferir qual será o aumento real associado, se atendermos ao impacto da inflação.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO

TAP é para cair e Ventura mudou de opinião?

Frase

05/01/2021 vs @MayanTiago: Ventura é a favor de salvar a TAP 03/01/2022 vs Rui Rio: Ventura não quer salvar a TAP Pq mudou de opinião? Não se sabe. Como confiar em políticos assim?”
Utilizador do Twitter

Passou pouco menos de um ano. A 5 de janeiro de 2021, André Ventura estava num frente-a-frente com o candidato da Iniciativa Liberal às eleições presidenciais, Tiago Mayan Gonçalves. A 3 de janeiro de 2022, novo frente-a-frente, mas o adversário era outro e a campanha também. Rui Rio, legislativas de 30 de janeiro no horizonte. Num e noutro momento, André Ventura falou sobre a TAP e sobre os apoios públicos para a companhia aérea. “Mudou de opinião?”

Há um ano, Mayan Gonçalves disse que Ventura queria ser “acionista da TAP”, mas “com o dinheiro de milhões de portugueses”. A acusação mais direta viria logo a seguir:

O André Ventura defende mais dinheiro público para a TAP”, disse o candidato liberal.

Assim que tomou a palavra, o líder do Chega defendeu a ideia de que “a TAP é uma empresa estratégica, [algo] que ninguém nega”. E prosseguiu: “É uma empresa que, além de fazer a ligação ao exterior — e também temos as empresas privadas —, é preciso não esquecer, e o Tiago sabe isto, certamente: a questão da TAP não é só a própria empresa, é também todo o emprego e toda a economia indireta que gera à volta da TAP”. Conclusão: “É uma grande irresponsabilidade, Tiago, aparecer neste debate a dizer simplesmente, [como] uma espécie de Bloco de Esquerda invertido, ‘Não pagamos’, que é agora a posição da Iniciativa Liberal. Que é: ‘Não se pague nada, deixe-se tudo falir e o mercado vai funcionar.’ Tiago, isso não funciona assim neste país, não é assim que funciona.”

O vídeo colocado a circular no Twitter termina por aqui a intervenção de há um ano. Consultando a versão completa da declaração de Ventura, o líder do Chega opõe-se ao discurso dos que dizem: “‘Vamos para a frente, de qualquer maneira. A TAP, se falir, faliu, vai tudo para o desemprego, desaparece toda a gente, a empresa acaba e ficamos sem companhia nenhuma de aviação. Que bonito’. É este o país da Iniciativa Liberal.”

A intervenção continua mais uns segundos, até que André Ventura concretiza:

Sim, eu não quero deixar a TAP morrer. Também não estou disposto a deixar que a TAP seja um sorvedouro tipo Novo Banco. Mas não estou disposto a deixar a TAP morrer.”

Nesse ponto, a jornalista Clara de Sousa intervém e questiona diretamente Ventura: “Então, está disposto a fazer o quê?”

E a resposta do líder do Chega: “Estou disposto a que haja um plano de reestruturação, que esse plano seja fiscalizado pelo Parlamento, que seja fiscalizado por comissões independentes, nomeadamente pelo Ministério Público ou por entidades similares e que os portugueses não andem a gastar como fizeram com o Novo Banco. Agora, qual é a solução? É deixar a TAP desaparecer?”.

A questão ficou no ar mas, na verdade, até já tinha sido respondida. Em janeiro de 2021, André Ventura era contra o fim da companhia aérea, defendia a elaboração de um plano de reestruturação e impunha, como limites teóricos, que não se aplicasse à TAP o modelo “Novo Banco”, além de ter passado a defender uma intervenção do Parlamento como fiscalizador do plano de reestruturação da companhia. Aquela formulação não deixava claro se o então candidato presidencial defendia que, logo de início, ficasse definido um limite a partir do qual não pudessem ser transferidas mais verbas públicas para a empresa — nem que limite seria esse, a existir.

“Seria muito negativo para o país e para a TAP que este plano não fosse cumprido. Acho que ninguém travará este plano””

Antes de saltarmos para janeiro de 2022 (e para o último debate em análise), uma passagem por 21 de dezembro de 2021, dia em que o ministro Pedro Nuno Santos deu nota pública dos detalhes do plano. Nesse momento, a direção do Chega emitiu um comunicado em que defendia que “tem de haver um limite aos gastos públicos, ou a TAP tornar-se-á o maior sorvedouro existente de dinheiros públicos”. Que valor? Não diz.

Saltamos, então, para a última segunda-feira. No debate com Rui Rio, o tema voltou a estar em cima da mesa. E, desta vez, Ventura disse o seguinte. “O dr. Rui Rio fala muito da TAP, e bem. Não podemos deixar que a TAP seja um sorvedouro de dinheiro público. Mas foi o dr. Rui Rio que viabilizou o Orçamento Suplementar, em 2020, que deu para a TAP sabe quanto? 900 milhões de euros. Sabe quanto era para o Serviço Nacional de Saúde (SNS)? 500 milhões. Rui Rio e o PSD — este PSD — permitiram que fosse para a TAP o dobro do que [foi] para o SNS. Quando eu digo que temos de cortar, é nisto”, conclui Ventura.

Nesta intervenção no debate das legislativas, já como candidato pelo Chega às eleições de 30 de janeiro, o líder do partido volta a defender que a TAP “não pode ser um sorvedouro de dinheiro público”. E volta a não esclarecer que limites de investimento ou de capitalização defende que deviam ser impostos neste dossier. Defende, sim, um “corte” em montantes como o que estava consagrado no Orçamento Suplementar para a empresa: cerca de 900 milhões de euros.

Nas várias intervenções de Ventura sobre este tema, há uma nota coerente ao longo do último ano, período em que o poder político se dedicou a preparar o plano de reestruturação da empresa que apresentaria junto da Comissão Europeia — e que foi, entretanto, aprovado. O líder do Chega não diz a partir de que montante um euro é demais para o Estado injetar na TAP. Nem mesmo quando foi tornado público, a 21 de dezembro de 2021, que o plano tinha recebido luz verde de Bruxelas, sob “a forma de 2,55 mil milhões de euros de capital próprio ou de medidas de quase-capital, incluindo a conversão do empréstimo de emergência de 1,2 mil milhões de euros em capital próprio”, Ventura se pronunciou contra esse valor.

Comparando uma e outra declarações do líder do Chega nos debates, e considerando a falta de posições sobre o montante de ajudas públicas a entregar à empresa, verifica-se uma contradição ou uma mudança de opinião? O autor do tweet concretiza a acusação, ao dizer que “a postura do Chega sobre a TAP diz tudo” porque, há um ano, Ventura era “a favor de salvar a TAP” e, há poucos dias, o mesmo Ventura já “não queria salvar a TAP”.

Verdade? Não é isso que ressalta das intervenções do deputado único do Chega. Ventura não passou a defender publicamente o fim da empresa. Sim, manifestou-se a fazer de uma fiscalização, por parte do Parlamento (ou do Ministério Público, noutra frente), dos apoios públicos concedidos à companhia de aviação; defendeu a fixação de “um limite claro ao dinheiro que os contribuintes gastarão com a TAP”; e chegou a assinalar que os 900 milhões de euros incluídos no Orçamento Suplementar de 2020 eram “o dobro” da verba destinada a reforçar o SNS e que esse era um exemplo de onde o Estado podia “cortar” nos gastos. Mas isso não significa defender que o Estado deva deixar cair a TAP. Esse passo, Ventura nunca chega a dá-lo.

Conclusão

O André Ventura de janeiro de 2022 é mais enfático nas considerações que tece a respeito dos apoios concedidos pelo Estado à TAP. Há um contraste no tom com que fala sobre o tema, no debate com Tiago Mayan Gonçalves, e o que usa no debate com Rui Rio. Mesmo o conteúdo é distinto: no primeiro caso, defende o apoio da companhia sem que lhe sejam ouvidas reservas muito elaboradas a esse respeito (diz, sim, que recusa um “sorvedouro de dinheiros públicos”). E, no segundo caso, defende que casos como os dos apoios públicos à TAP deviam ser a alvo de um “corte”. Mas não diz que a empresa deve deixar de poder contar com o apoio do Estado ou que, a partir de determinada verba, é preciso fechar a torneira do capital e fechar as portas da companhia.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

Catarina Martins disse que era social-democrata?

A frase:

Na outra campanha [legislativas de 2019], a dra. Catarina Martins disse que era social-democrata, ou chegou a aventar a hipótese, mas não é”
Rui Rio

Rui Rio — “Na outra campanha [legislativas de 2019], a dra. Catarina Martins disse que era social-democrata, ou chegou a aventar a hipótese, mas não é.”

Catarina Martins — “Não disse, não.”

Foi uma troca de palavras curta, nos primeiros minutos do debate entre Rui Rio e Catarina Martins. A moderadora procurava saber qual a possibilidade de, depois do dia 30 de janeiro, PSD e Bloco de Esquerda se sentarem à mesma mesa para chegar a um entendimento sobre algumas áreas de intervenção política. Para isso, a jornalista Clara de Sousa recordou o momento em que, nas legislativas de 2019, a líder bloquista definiu o programa com que o Bloco se apresentava a essas eleições como “social-democrata” (foi numa entrevista ao Observador). Rio interrompeu para dizer que “o Bloco de Esquerda, não” era social-democrata. E depois atira a frase: “Na outra campanha, a dra. Catarina Martins disse que era social-democrata, ou chegou a aventar a hipótese, mas não é.” Mas foi isso que foi dito pela coordenadora do Bloco de Esquerda?

Entrevista a Catarina Martins: “O programa do Bloco é social-democrata”

O assunto foi abordado logo no início da entrevista que Catarina Martins deu ao Observador. Para contextualizar os termos em que a questão é levantada, e a forma como é respondida, recuperamos algumas passagens dessa entrevista. A primeira pergunta e resposta foram as seguintes:

O Bloco quer mudar a estrutura da economia e no seu programa escreve que as várias crises que vivemos têm um nome: capitalismo. O Bloco quer acabar com o capitalismo? Quer o quê no seu lugar? Qual é o plano do partido a longo prazo?
O Bloco de Esquerda é um partido socialista. Isso é claro. Quer uma economia absolutamente diferente em que não haja uma minoria detentora dos meios de produção e que, portanto, também se decida como é que a riqueza é distribuída, sempre em benefício de uma pequeníssima elite e com prejuízos da enorme maioria.

Catarina Martins é, depois, questionada sobre a pertinência daquele discurso em 2019, e responde: “Somos socialistas, queremos ultrapassar esta fase e sermos capazes de construir uma outra. No Bloco, não temos a ideia de que existe um regime perfeito algures à espera de ser copiado. Vamos construindo a história nos seus debates diferentes.” E acaba essa resposta defendendo que os efeitos da “desigualdade” estavam patentes naquilo que dizia ser uma “democracia minada” por trabalhadores precários que não teriam liberdade de intervenção política.

Terceira questão, e a resposta em que Catarina Martins classifica o programa do partido para aquelas legislativas:

E o Bloco acredita que pode mudar isso?
Os partidos também têm projetos para os tempos históricos que vivem. O Bloco de Esquerda tem proposta, apresenta um programa – às vezes, as pessoas ficam um pouco chocadas, mas eu acho importante dizê-lo — que é, na sua essência, um programa social-democrata.

E, nas palavras de Catarina Martins, aquele era um programa “social-democrata” no sentido em que “[corrigia] os excessos com controlo da economia, com Estado social, com mecanismos de igualdade” e que se enquadrava “num horizonte mais vasto de transformação da sociedade”. A líder do Bloco de Esquerda ainda acrescentou que “o horizonte de transformação é importante não só para a construção de maiorias sociais que sejam mais ambiciosas para uma nova estrutura da economia, como também para ter a ousadia de arranjar soluções mais de imediato para os problemas que existem”. E concluiu essa ideia ressalvando que “nem socialismo nem social-democracia, neste contexto da nossa conversa, tem a ver com os nomes de PS e PSD”.

Por outras palavras, Catarina Martins nunca diz, objetivamente, que “é social-democrata” — ao contrário, por exemplo, do que fez Marisa Matias, quando a candidata do Bloco de Esquerda às presidenciais de janeiro de 2021 se assumiu, palavra por palavra, desta forma: “Eu não tenho problema nenhum em dizer ‘eu sou uma social-democrata’. Sempre me assumi.”

Mas a declaração de Rui Rio não surge, como se viu, totalmente desprovida de contexto.

Na corrida às legislativas de 2019, a coordenadora do Bloco de Esquerda apresentou-se a votos com um programa a que a própria se referiu como sendo “social-democrata”. De acordo com a própria, tratava-se de uma decisão pragmática: num partido de matriz assumidamente “socialista”, e sempre tendo em conta um “horizonte mais vasto de transformação da sociedade”, o Bloco de Esquerda considerava necessário “arranjar soluções mais de imediato para os problemas que existem”. Na prática, um passo de cada vez, rumo ao “socialismo”.

Há, portanto, um momento em que a líder do Bloco de Esquerda admite seguir uma política “social-democrata”, com um programa eleitoral mais distante do ideário bloquista, como forma de captar votos junto de algum eleitorado não-bloquista e, assim, reforçar a sua força política na Assembleia da República. Sempre com o “horizonte mais vasto de transformação da sociedade”.

Conclusão

Não há um momento em que Catarina Martins se assuma como “social-democrata”. Tomada à letra, a declaração de Rui Rio não pode ser considerada factualmente rigorosa. Mas há uma base para as palavras do líder social-democrata — quando a própria coordenadora do Bloco de Esquerda assume que se apresenta a votos com um programa “social-democrata” que lhe pudesse dar margem (ou força política) para avançar com medidas imediatas no plano político.

De acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ESTICADO

Desde a entrada no Euro, 2015 a 2019 foram os anos de maior crescimento?

A frase:

O quadriénio em que Portugal cresceu mais desde a entrada no Euro foi entre 2015 e 2019, altura também em que mais reduziu a sua dívida”
Catarina Martins

Durante o debate com o líder social-democrata, Catarina Martins disse que “o quadriénio em que Portugal cresceu mais desde a entrada no Euro foi entre 2015 e 2019, altura também em que mais reduziu a sua dívida”. A resposta foi dada a Rui Rio depois de este defender que a recuperação da economia deve ser feita “pelo lado da oferta e não da procura”, com uma “aposta” que, considera, “deve ser nas empresas, na produção, nas exportações e investimento” e que levará a “mais consumo”.

Rio criticava o que dizia ser a estratégia do PS e do Bloco, que “aciona o crescimento económico pelo consumo”, esperando que a oferta “venha por arrasto”. Essa visão, para o social-democrata, gera mais inflação e défice externo. Catarina Martins acabaria por contrapor, dizendo que “o que fica provado é que, ao contrário do que defende a direita (…), é com mais salários que o país pode crescer”. Mas estão os cálculos do crescimento económico e da redução da dívida corretos?

Comecemos pela primeira parte da afirmação. Circunscrevendo a análise ao período após a entrada no Euro, em 1999, segundo os dados do INE, é verdade que foi no quadriénio entre 2015 e 2019 que o crescimento foi maior e sempre acima de 2%: respetivamente, de 2,02% do PIB em 2016, 3,51% em 2017 (o terceiro maior aumento do período em análise), 2,85% em 2018 e 2,68% em 2019.

Todas as outras somas ficam abaixo deste valor, mesmo apesar de 1999 e 2000 terem sido anos com crescimentos acima dos 3% (3,91% e 3,82%, respetivamente). De facto, na maior parte dos anos em análise, o PIB cresceu, com exceção para 2003 (-0,93%), 2009 (-3,12%) e os anos de intervenção da troika: 2011 (-1,70%), ano de assinatura do memorando de entendimento, 2012 (-4,06%) e 2013 (-0,92%), voltando ao crescimento em 2014, ano da saída da troika.

A afirmação também é correta no ponto que toca à dívida das administrações públicas, se considerada em percentagem do PIB: o indicador baixou entre 2016 e 2019, de 131,5% para 116,6%, uma quebra de mais de 11%. Em 2020, voltou a disparar por força da pandemia para os 135,2%.

Depois de uma quebra em 2000, entre esse ano e 2006, a trajetória da dívida bruta das administrações públicas em percentagem do PIB foi sempre crescente, caindo ligeiramente em 2007. A um ritmo mais ou menos rápido, continuou a subir até 2014, até por via do resgate financeiro a que Portugal se teve de submeter. Depois de uma queda ligeira em 2015, subiu em 2016, para voltar a descer até aos 116,6% de 2019.

Conclusão

É verdade que o quadriénio entre 2015 e 2019 foi aquele em que, desde a entrada no Euro, em 1999, Portugal mais cresceu e mais reduziu a sua dívida pública em percentagem do PIB (em anos de crescimento económico), depois dos anos de intervenção da troika e antes do impacto da pandemia, em 2020.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO

Catarina Martins disse que era social-democrata?

A frase:

Na outra campanha [legislativas de 2019], a dra. Catarina Martins disse que era social-democrata, ou chegou a aventar a hipótese, mas não é.”
Catarina Martins

Rui Rio — “Na outra campanha [legislativas de 2019], a dra. Catarina Martins disse que era social-democrata, ou chegou a aventar a hipótese, mas não é.”
Catarina Martins — “Não disse, não.”

Foi uma troca de palavras curta, nos primeiros minutos do debate entre Rui Rio e Catarina Martins. A moderadora procurava saber qual a possibilidade de, depois do dia 30 de janeiro, PSD e Bloco de Esquerda se sentarem à mesma mesa para chegar a um entendimento sobre algumas áreas de intervenção política. Para isso, a jornalista Clara de Sousa recordou o momento em que, nas legislativas de 2019, a líder bloquista definiu o programa com que o Bloco se apresentava a essas eleições como “social-democrata” (foi numa entrevista ao Observador). Rio interrompeu para dizer que “o Bloco de Esquerda, não” era social-democrata. E depois atira a frase: “Na outra campanha, a dra. Catarina Martins disse que era social-democrata, ou chegou a aventar a hipótese, mas não é.” Mas foi isso que foi dito pela coordenadora do Bloco de Esquerda?

Entrevista a Catarina Martins: “O programa do Bloco é social-democrata”

O assunto foi abordado logo no início da entrevista que Catarina Martins deu ao Observador. Para contextualizar os termos em que a questão é levantada, e a forma como é respondida, recuperamos algumas passagens dessa entrevista. A primeira pergunta e resposta foram as seguintes:

O Bloco quer mudar a estrutura da economia e no seu programa escreve que as várias crises que vivemos têm um nome: capitalismo. O Bloco quer acabar com o capitalismo? Quer o quê no seu lugar? Qual é o plano do partido a longo prazo?
O Bloco de Esquerda é um partido socialista. Isso é claro. Quer uma economia absolutamente diferente em que não haja uma minoria detentora dos meios de produção e que, portanto, também se decida como é que a riqueza é distribuída, sempre em benefício de uma pequeníssima elite e com prejuízos da enorme maioria.

Catarina Martins é, depois, questionada sobre a pertinência daquele discurso em 2019, e responde: “Somos socialistas, queremos ultrapassar esta fase e sermos capazes de construir uma outra. No Bloco, não temos a ideia de que existe um regime perfeito algures à espera de ser copiado. Vamos construindo a história nos seus debates diferentes.” E acaba essa resposta defendendo que os efeitos da “desigualdade” estavam patentes naquilo que dizia ser uma “democracia minada” por trabalhadores precários que não teriam liberdade de intervenção política.

Terceira questão, e a resposta em que Catarina Martins classifica o programa do partido para aquelas legislativas:

E o Bloco acredita que pode mudar isso?
Os partidos também têm projetos para os tempos históricos que vivem. O Bloco de Esquerda tem proposta, apresenta um programa – às vezes, as pessoas ficam um pouco chocadas, mas eu acho importante dizê-lo — que é, na sua essência, um programa social-democrata.

E, nas palavras de Catarina Martins, aquele era um programa “social-democrata” no sentido em que “[corrigia] os excessos com controlo da economia, com Estado social, com mecanismos de igualdade” e que se enquadrava “num horizonte mais vasto de transformação da sociedade”. A líder do Bloco de Esquerda ainda acrescentou que “o horizonte de transformação é importante não só para a construção de maiorias sociais que sejam mais ambiciosas para uma nova estrutura da economia, como também para ter a ousadia de arranjar soluções mais de imediato para os problemas que existem”. E concluiu essa ideia ressalvando que “nem socialismo nem social-democracia, neste contexto da nossa conversa, tem a ver com os nomes de PS e PSD”.

Por outras palavras, Catarina Martins nunca diz, objetivamente, que “é social-democrata” — ao contrário, por exemplo, do que fez Marisa Matias, quando a candidata do Bloco de Esquerda às presidenciais de janeiro de 2021 se assumiu, palavra por palavra, desta forma: “Eu não tenho problema nenhum em dizer ‘eu sou uma social-democrata’. Sempre me assumi.”

Mas a declaração de Rui Rio não surge, como se viu, totalmente desprovida de contexto.

Na corrida às legislativas de 2019, a coordenadora do Bloco de Esquerda apresentou-se a votos com um programa a que a própria se referiu como sendo “social-democrata”. De acordo com a própria, tratava-se de uma decisão pragmática: num partido de matriz assumidamente “socialista”, e sempre tendo em conta um “horizonte mais vasto de transformação da sociedade”, o Bloco de Esquerda considerava necessário “arranjar soluções mais de imediato para os problemas que existem”. Na prática, um passo de cada vez, rumo ao “socialismo”.

Há, portanto, um momento em que a líder do Bloco de Esquerda admite seguir uma política “social-democrata”, com um programa eleitoral mais distante do ideário bloquista, como forma de captar votos junto de algum eleitorado não-bloquista e, assim, reforçar a sua força política na Assembleia da República. Sempre com o “horizonte mais vasto de transformação da sociedade”.

Conclusão

Não há um momento em que Catarina Martins se assuma como “social-democrata”. Tomada à letra, a declaração de Rui Rio não pode ser considerada factualmente rigorosa. Mas há uma base para as palavras do líder social-democrata — quando a própria coordenadora do Bloco de Esquerda assume que se apresenta a votos com um programa “social-democrata” que lhe pudesse dar margem (ou força política) para avançar com medidas imediatas no plano político.

De acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ESTICADO

Gasta-se mais em Saúde e os cuidados são muitos piores que na UE?

A frase:

Portugal gasta mais que a média europeia em termos de Saúde e tem uma prestação muito pior que essa mesma média”
Rui Rio

No debate com Catarina Martins, Rui Rio disse que, em média, Portugal destina mais verbas ao setor da Saúde que o resto da União Europeia (UE). O líder do PSD não apresentou referências para enquadrar esse dado, mas será que os dados oficiais comprovam a afirmação do social-democrata? E será que os cuidados de saúde em Portugal são “muito piores” que na média da UE, como também alega Rio?

Na versão de 2021 do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre o “Estado da Saúde na União Europeia — Perfil da Saúde do País”, Portugal surge acima de 20 países da UE no que respeita a despesas de saúde em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB). Mas fica abaixo da média da União Europeia nesse mesmo parâmetro, com países como a Noruega, Alemanha, Países Baixos, Áustria, Suécia, Dinamarca, Bélgica e França a liderarem esse grupo, à frente de Portugal.

O documento refere expressamente que, “em Portugal, as despesas de saúde per capita e as despesas de saúde como percentagem do PIB são, desde há muitos anos, inferiores à média da UE”. Nos dados referentes a 2019, os mais recentes neste parâmetro global, o país “gastou 2.314 euros per capita no domínio da saúde, o que equivale a menos um terço do que a média da UE de 3.521 euros”.

Visto de outra perspetiva — que não apenas a dos gastos per capita —, os números também de 2019 do Eurostat mostram que, seja em termos absolutos, em função da paridade do poder de compra ou em percentagem do PIB, Portugal surge, sistematicamente, abaixo da linha de referência da União Europeia, como mostra a tabela seguinte.

Mais uma vez, acima da média da UE, com gastos em função do PIB, estão países como a Bélgica, Dinamarca, Alemanha, França, Países Baixos, Áustria e Suécia. Portugal destina 9,5% do PIB à Saúde enquanto a média europeia está nos 9,9%. Em valores em função da paridade do poder de compra por habitante, os 2.393 euros nacionais contrastam com os 3.207 euros, em média, da União Europeia.

Cuidados de saúde “muito piores” do que na UE

Mas a afirmação de Rui Rio pretendia marcar outro ponto, nomeadamente quando diz que, apesar desse suposto gasto acima da média dos países da UE, Portugal “tem uma prestação muito pior” que o conjunto dos países da União.

De acordo com o mesmo relatório da OCDE, “a esperança de vida é ligeiramente superior à média da UE”. E, embora o documento destaque o “baixo investimento em profissionais e equipamentos de saúde” que é feito pelo país, “o sistema de saúde português [proporciona] acesso universal a cuidados de saúde de elevada qualidade”.

Rui Rio não especifica áreas em que áreas a prestação de cuidados de saúde é “muito pior” em Portugal, em comparação com os restantes 26 do conjunto europeu. Mas, depois dessa nota geral sobre a “elevada qualidade” dos serviços de saúde, o relatório da OCDE destaca o facto de, em Portugal, a “mortalidade evitável” ser “inferior à média da UE, com 138 mortes por cada 100 000 habitantes em 2018 (em comparação com a média da UE de 160)”. Também no caso da “mortalidade por causas tratáveis” o país surge “abaixo da média da UE”, ainda que “acima da maioria dos países europeus ocidentais”.

Conclusão

É uma afirmação duplamente errada, a de Rui Rio. Os dados oficiais mostram que, por um lado, Portugal aloca menos verbas ao setor da Saúde que a média dos países da União Europeia e, por outro lado, que a prestação de cuidados de saúde é, em termos genéricos, de “elevada qualidade”.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO